Por Alexandre Milanetti
Já está disponível publicamente o relatório Juventudes e Democracia na América Latina, publicado recentemente pela Fundação Luminate, que teve como coordenadoras do estudo as pesquisadoras Esther Solano (Universidade Federal de São Paulo - Unifesp) e Camila Rocha (Nuvem Pesquisas). A publicação mostra o entendimento dos jovens de quatro países – Brasil, Argentina, Colômbia e México – em relação à democracia e como eles se informam e participam da política.
Este relatório com base na América Latina teve como inspiração outro relatório mais amplo e elaborado pelo Centre for the Future of Democracy, da Universidade de Cambridge (Reino Unido). Segundo essa outra publicação, que reuniu num banco de dados pesquisas de 154 países realizadas durante cinco décadas num contexto “pós-democrático”, as gerações mais jovens estão cada vez mais insatisfeitas com a democracia e, o surgimento de ondas populistas, tanto à direita como à esquerda a partir de 2015, sinaliza uma possível mudança de tendência.
Em função dos riscos epidemiológicos pela pandemia de covid-19, o levantamento foi realizado em forma on-line com uma metodologia que se denomina mini-grupo focal, com entrevistas em profundidade reunindo três jovens (18 tríades no Brasil, 17 no México, 13 na Argentina e 12 na Colômbia). No total, foram realizadas 60 entrevistas por meio de questionário semiestruturado com jovens homens e mulheres de 16 a 24 anos pertencentes às classes A, B, C e D, de diferentes regiões em cada país, tanto jovens de direita como de esquerda.
Entre as principais conclusões do relatório, segundo Esther Solano, está uma em que os jovens, mesmo a maioria, defendem a democracia, mas se sentem muito desconectados emocionalmente e afetivamente das instituições democráticas. "Eles estão muito desvinculados sobretudo dos partidos políticos. Eles defendem a democracia como valor – a maioria deles é contra, de fato, as intervenções militares, a volta dos militares – porque eles consideram a Lei uma verdade como valor. Mas eles não se sentem à vontade para defender a democracia por dentro das instituições, pois eles consideram que o sistema representativo está altamente corrompido, [trabalhando] só para seu próprio benefício, seu próprio interesse e não se preocupa em atender as demandas da população. É uma juventude muito desvinculada, muito desligada e muito decepcionada com o sistema representativo democrático tradicional", complementa a professora da Unifesp.
Entre os temas que fizeram parte do questionário para os jovens estavam consumo de informações, influenciadores, outros meios de comunicação, política e informação, desconfiança e notícias falsas, participação, organizações políticas e representação, confiança em instituições tradicionais e, por fim, política nacional.
Solano relata que os jovens se informam muito por canais sobre política nas redes sociais: "isso é interessante porque, ao se informar muito nas redes sociais, eles percebem muito a política como conflito, como guerra, como polarização, porque nas redes eles consomem as notícias. Mas eles consomem o que também? A polêmica sobre a notícia, os comentários, a briga on-line, de tal forma que muitos deles dizem que eles não se expressam nas redes porque elas são um lugar de muita agressividade e eles têm medo do cancelamento".
A pesquisadora revela outra descoberta interessante: "eles estão muito desvinculados dos partidos políticos e eles simbolizam muito mais por causas do que por agentes partidários. As principais causas que mobilizam eles são a ambiental, muito forte, as causas do feminismo, racismo, LGBTQIA+, a luta contra a pobreza e contra a desigualdade. Muito mais isso os motiva do que legendas partidárias ou líderes partidários. Eles se informam sobre política por todo um ecossistema on-line que passa muito por fora do radar dos padrões informativos tradicionais".
Ela destaca ainda que os jovens têm muita noção sobre a polêmica do momento e por tudo aquilo que incendeia as redes sociais. "Mas eles têm pouca noção sobre o funcionamento cotidiano do Estado, sobre a burocracia da máquina estatal. Eles têm uma educação política normalmente de um nível muito baixo, muito precário, o que também afasta eles da participação política mais tradicional. Eu diria que vai um pouco por aí a conclusão do estudo. E que a gente não pode falar que esses jovens - o jovem médio latino-americano pesquisado - estejam totalmente despolitizado. Isso não é assim, pois esse jovem se politiza digamos que por canais alternativos, ele tenta influenciadores e políticos alternativos, ele se potiliza muito mais por causas e temas do que por partidos políticos, mas é verdade também que ele é vulnerável justamente porque não participa nas instituições democráticas tradicionais", analisa a pesquisadora da Unifesp.
O relatório, em relação específica ao Brasil, destaca que a política como um todo é vista como totalmente corrompida e envelhecida. E que há uma tendência de buscar na política o que parece autêntico, novo, e também a transparência (prestação de contas) via redes sociais. Segundo o estudo, o voto no presidente Jair Bolsonaro (atual presidente de extrema-direita) é defendido por quem o considera autêntico, honesto e uma “novidade”. Pela pesquisa, jovens bolsonaristas chegam a defender autoritarismo e fechamento de instituições como forma de fortalecer a democracia.
Ao final da publicação há um consenso entre os jovens dos quatro países envolvidos na pesquisa. Todos os entrevistados afirmam que os partidos deveriam deixar mais espaço para os jovens em lugares de poder e representatividade, abrir canais de comunicação diretos com eles e pautar temas de seu interesse, como questões envolvendo educação ou incorporação ao mercado de trabalho.
O relatório financiado pela Fundação Luminate contou também com a colaboração dos pesquisadores Agustín Prol, Guadalupe Passadore Tomasi, Santiago Vanderstichel, Sofía Mosquera e Erick Melo. A publicação possui versões em português, espanhol e inglês.