Por Denis Dana
Um dos grandes objetivos da neurociência é compreender a complexidade existente no sistema nervoso, o que passa essencialmente pelo entendimento da evolução cerebral do ser humano desde o seu primeiro dia de vida. Na busca desse entendimento, um grupo de cientistas, com a participação de pesquisadores(as) brasileiros(as) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de São Paulo (USP), construiu gráficos de referência padronizados para o desenvolvimento do cérebro humano. O resultado dessa pesquisa foi divulgado nesta quarta, 6/4, na prestigiosa revista científica Nature.
Os gráficos foram construídos por meio da análise de dados de 123.984 exames de ressonância magnética do cérebro de 101.457 indivíduos com idade entre 115 dias após a concepção e 100 anos, de mais de 100 estudos em todo o mundo. "No Brasil, por meio do projeto Coorte de Alto Risco para o Desenvolvimento de Condições Mentais (Brazilian High Risk Cohort Study - BHCRS), que recebeu financiamento das agências Fapesp, Capes e CNPq no contexto do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento, foi criado um banco de dados que já tem disponível mais de duas mil imagens cerebrais coletadas durante quase 10 anos de seguimento e que contribuíram para a construção dos gráficos referenciais", explica Rodrigo Bressan, professor do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e um dos líderes do BHCRS.
Pedro Mario Pan, docente da Unifesp e um dos coautores do estudo, explica que "a análise de todo esse material possibilitou a criação de gráficos de desenvolvimento normal do cérebro ao longo da vida, que podem ser usados para gerar ‘pontuações’ ou ‘percentil’ que podem ajudar a determinar se um indivíduo está em uma trajetória padrão, gerando previsões estáveis e precisas, apesar das amostras muito diferentes que foram incluídas, bem como técnicas e métodos utilizados".
Avaliação da saúde cerebral
A criação dos gráficos de referência poderá ter potenciais aplicações futuras para a avaliação da saúde cerebral, bem como para o diagnóstico de doenças em qualquer idade.
"A relevância desse projeto pode ser ilustrada ao lembrarmos dos gráficos de crescimento utilizados para aferir altura e peso no acompanhamento do desenvolvimento de uma criança. A partir desses gráficos, teremos referências padronizadas também para quantificar a maturação e o envelhecimento saudável do cérebro humano”, destaca Pan.
Períodos críticos de desenvolvimento, como um aumento aproximado de 70% no tamanho do cérebro entre 17 semanas após a concepção e três anos de idade, já foram revelados. O estudo possibilitou também a detecção de padrões de mudanças na anatomia cerebral associadas a doenças como, por exemplo, previsões de uma transição de um diagnóstico de comprometimento cognitivo leve para o de doença de Alzheimer.
Com os gráficos de referência criados, os(as) pesquisadores(as) pretendem testar a implementação desses resultados na prática clínica, como nas avaliações de ressonância magnética do cérebro em hospitais e laboratórios. Também docente da Unifesp e coautora do estudo, Andrea Jackowisk complementa: "no futuro, a ideia é fornecer esses gráficos em um formato interativo e de acesso aberto, o que está se alinhando aos esforços de uma ciência aberta e mais justa".
O banco de dados seguirá sendo alimentado e deve evoluir, permitindo que novas pesquisas conduzidas no Brasil possam, inclusive, aumentar a representatividade brasileira na ciência mundial.