Por Denis Dana
Depois de muito tempo guardados sob sigilo, os áudios das sessões do Superior Tribunal Militar (STM) entre os anos de 1975 e 1985 vão se tornando público, por meio do valioso trabalho de pesquisa e transcrição do historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por eles, "mais do que comprovar o que já se sabia sobre o uso de tortura na ditadura, comprova-se outra grande gravidade, que é o fato de os ministros de um órgão superior de justiça se calarem e acobertarem os crimes contra a humanidade cometidos pelos militares". O destaque é dado por Edson Teles, coordenador do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp), responsável pelos trabalhos de identificação de pessoas desaparecidas na Vala de Perus, feita clandestinamente pela Ditadura e descoberta em 1990, em mais um resquício dramático daquele período.
Teles ressalta que tanto o trabalho de pesquisa e de divulgação feito pelo historiador na UFRJ quanto o realizado no CAAF, vinculado à Unifesp, são de enorme importância para se compreender e registrar a história como ela realmente aconteceu, “sem mudança de narrativas ou de tentativas de arquivamento de um Brasil que não querem que saibamos”.
Nos áudios escondidos pelo STM por décadas, revela-se que seus ministros sabiam da prática comum da tortura cometida por militares na Oban, protótipo do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), instituição de repressão política coordenada pelo Exército brasileiro, e ainda conversavam sobre ela abertamente em suas sessões secretas.
"A descoberta e a ampla divulgação desses áudios tornam-se ainda mais relevantes ao observarmos que, na mesma tentativa de arquivamento do Brasil, como fez o STM, o presidente Jair Bolsonaro decreta sigilo de 100 anos sobre os atos praticados durante o seu governo", ressalta Teles.
É negativamente significativo que o atual presidente da República tece elogios públicos ao coronel Ustra, um dos mais torturadores do regime militar. Em 2008, Ustra foi condenado pela Justiça por tortura na ditadura militar e, em 2012, teve sentença confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ainda assim, segue sendo exaltado por Bolsonaro.
De acordo com o coordenador do CAAF/Unifesp, "para além dos elogios e dos aspectos discursivos que tornam semelhantes aquele período com o atual, onde a solução encontrada passa pela construção de um Estado forte, através da aliança entre as normas de mercado e o autoritarismo, as diferenças de violências como as que experimentamos entre as ditaduras e as democracias na América Latina se configuram como graus de uma mesma prática e não divergências quanto à natureza do Estado". Assim, diz Teles, "para o neoliberalismo, entre a ditadura e a democracia não há diferença de valor, mas de eficácia na garantia do direito privado das corporações e dos grandes interesses econômicos e da ordem de mercado, controlando o inimigo, o opositor, numa política de intervenções de exceção, desviando-se dos limites estabelecidos pelas leis".
Diante do contexto, o coordenador do CAAF enaltece, mais uma vez, a importância da contribuição das universidades públicas e seu papel de estudo, pesquisa e divulgação, "de modo a dar sequência às vozes e lutas para que o Brasil que se tenta (des)construir não seja novamente arquivado como aconteceu no terrível período da ditadura".