Por Alexandre Milanetti
Nova regulamentação prevê a rotulagem nutricional frontal dos alimentos
As normas de rotulagem de alimentos estão em constante aprimoramento, especialmente quando se compreende sua importância como instrumento de educação alimentar e nutricional, e que sua contribuição é fundamental para escolhas alimentares mais saudáveis e na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. Para isso, um importante reforço estará à disposição da sociedade brasileira a partir do dia 9 de outubro de 2022, quando passará a vigorar uma nova resolução para rotulagem de alimentos no país.
Segundo a engenheira de alimentos Veridiana Vera de Rosso, professora livre-docente do Centro de Pesquisas e Práticas em Nutrição e Alimentação Coletiva (CPPNAC) do Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a rotulagem de alimentos tem o objetivo de ser um canal de comunicação entre o(a) fabricante e o(a) consumidor(a). “Mas, na maioria das vezes, o(a) consumidor(a), que é o(a) principal interessado(a), não conhece a importância da leitura do rótulo e/ou não sabe quais informações deve levar em conta na sua avaliação. Em geral, observa somente data de validade e o valor calórico do produto, declarado como energético da porção, muitas vezes desconsiderando que consome mais de uma porção daquele alimento”, pondera a pesquisadora, que também coordena o Observatório de Rotulagem de Alimentos da Unifesp.
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC 429/2020) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para rotulagem de alimentos embalados traz uma novidade importante, que é a regulamentação da Rotulagem Nutricional Frontal, ou seja, uma informação complementar à declaração nutricional existente, buscando de uma forma resumida e objetiva alertar sobre a presença de elevados teores de constituintes ou nutrientes de atenção que devem ser consumidos com moderação.
“Esses alertas serão apresentados na face frontal dos rótulos, na parte superior, e será constituído de um ícone de lupa acompanhado de advertências textuais informando sobre o alto teor de açúcares adicionados, alto teor de gordura saturada e alto teor de sódio”, detalha Veridiana.
Segundo a pesquisadora da Unifesp, os alimentos poderão usar 1, 2 ou 3 selos de advertência, caso alcancem os limites estabelecidos pela legislação, levando em conta uma base de 100g de alimento e se esse alimento é sólido ou líquido. Essa novidade nos rótulos de alimentos não é exclusividade do Brasil. O tema do uso de alertas para a presença de constituintes ou nutrientes e a elevada concentração nos alimentos teve um crescimento exponencial nos últimos dez anos e foi acompanhado de um boom no surgimento de novos modelos de advertência. “É importante destacar que a intervenção regulatória utilizando a estratégia da Rotulagem Nutricional Frontal é uma diretriz defendida pela Organização Mundial da Saúde, que publicou em 2019 um documento orientador para que os países associados possam implementar, monitorar e avaliar a eficácia das estratégias de rotulagem nutricional frontal”, complementa Veridiana.
O Observatório de Rotulagem de Alimentos da Unifesp tem o objetivo de monitorar todas as questões relacionadas à rotulagem de alimentos no Brasil e fornecer subsídios para a discussão científica e política, emitir recomendações e apontar lacunas no processo regulatório. “O monitoramento dos rótulos de alimentos é parte do que chamamos de Avaliação do Impacto Regulatório e pode ser ampliado para outros níveis, inclusive acompanhando os processos de reformulação de diferentes grupos alimentares por parte da indústria”, esclarece sua coordenadora.
Pequeno histórico da rotulagem
Os primeiros rótulos de alimentos surgiram nos séculos XVIII e XIX e tinham como única função identificar produto e marca. Somente em 1990 foi publicada nos Estados Unidos a lei que tornou obrigatória a rotulagem nutricional padronizada e detalhada e, em 1994, o Nutrition Facts fez sua estreia. No Brasil, o primeiro regulamento só foi lançado em 1998 e em 2003 tornou-se obrigatória a rotulagem nutricional para todos os alimentos embalados, comercializados no Brasil, sendo produzidos aqui ou importados.
Alguns fatores podem ser elencados como decisivos para uma alta eficácia do modelo de Rotulagem Nutricional Frontal (RNF) adotado, entre eles destaque para a familiaridade com os elementos utilizados nos modelos. Em uma recente revisão da literatura conduzida pela Comissão Europeia que trata do assunto e publicada em 2020, foi possível demonstrar que o(a) consumidor(a) presta atenção nos rótulos cujos elementos gráficos são familiares. “Essa familiaridade pode ser desenvolvida ao longo do tempo. Outros estudos demonstram que símbolos universais, como ícones usados na sinalização de trânsito, como sinais de pare e cores do semáforo, são bem compreendidas e assimiladas pelo consumidor. No Brasil, o modelo de lupa é inédito, ainda não foi utilizado em outro país do mundo. Recentemente o Canadá regulamentou um modelo bastante similar ao brasileiro, fazendo o uso do ícone de lupa. Portanto, esse modelo ainda precisa ser testado quanto à eficácia em transmitir a mensagem desejada e que possa ser efetivamente compreendida e assimilada pelo consumidor”, alerta Veridiana.
Ela diz ainda que é importante avaliar a frequência de uso dos selos de advertência nos rótulos de alimentos embalados comercializados no Brasil. Em um estudo realizado pelo Observatório de Rotulagem de Alimentos da Unifesp, que conta com a colaboração de 12 instituições de pesquisa em todo o Brasil e cujos resultados serão divulgados na última semana de setembro de 2022, foram avaliados 5.000 alimentos, distribuídos nos oito grupos alimentares estabelecidos pela Anvisa na Inscrição Normativa (IN) 75/2020, que regulamenta a RDC 429/2020, e mais um grupo específico que foi criado pelo Observatório para agrupar alimentos plant-based (à base de plantas, que objetiva substituir alimentos à base de proteínas animais como leite, carne e ovos) e sem glúten. A coleta dos rótulos ocorreu entre os meses de janeiro e julho de 2022 nos pontos de venda comerciais de diversas cidades (capitais e interior).
Veridiana revela que, a partir das informações obtidas nos rótulos e inseridas no Banco Brasileiro de Rótulos de Alimentos, foi possível estabelecer uma estimativa do uso dos selos de advertência, antes da entrada em vigor da RDC 429. “Por exemplo: para o selo de ‘alto em sódio’, observamos que o grupo molhos, temperos prontos, caldos, sopas, pratos semiprontos ou prontos para o consumo alcançou um total de 78% dos produtos com obrigatoriedade de uso caso não passem por reformulação. Já para o grupo de carnes e ovos, a estimativa de frequência de uso do selo foi 52,8%. No caso do selo ‘alto em gordura saturada’, os grupos com estimativa de maior frequência de uso foram óleos/gorduras e sementes oleaginosas, alcançando 55% dos produtos, e no grupo carnes e ovos 38% caso não passem por reformulação”, indica a engenheira de alimentos.
A docente fala que a estimativa de uso do selo de alto em açúcares adicionados é mais difícil de ser realizada, uma vez que no atual momento, a legislação em vigor não exige a declaração de açúcares e/ou açúcares adicionados na tabela de informação nutricional presente nos rótulos. No entanto, a pesquisadora diz que, empregando como estratégia a declaração de açúcares (sacarose, açúcar de cana, açúcar de beterraba, açúcares de outras fontes, mel, melaço, melado, rapadura, caldo de cana, extrato de malte, glicose, frutose, lactose, dextrose, açúcar invertido, xaropes, maltodextrinas) como 1º, 2º e 3º ingrediente da lista de ingredientes declarados nos rótulos, observou-se que até 90% dos produtos do grupo açúcares e produtos de energia proveniente de carboidratos e gorduras poderão fazer uso desse selo.
Produtos como achocolatados em pó, chocolates, bombons e similares, sorvetes em massa, bebidas não alcoólicas carbonatadas, bolos e biscoitos doces com recheio e similares, caso não sejam reformulados, ressalta Veridiana, farão uso frequente do selo ‘alto em açúcares adicionados’.
Embalagens fictícias criadas para ilustrar o novo visual conforme a nova legislação