Por Denis Dana
(Imagem ilustrativa)
Uma pesquisa realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Química - Ciência e Tecnologia da Sustentabilidade, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, culminou em um importante alerta para grande parte da população que consome óleos vegetais comestíveis: as embalagens PET translúcidas que os acondicionam para comercialização no Brasil não são eficazes em garantir sua estabilidade oxidativa e, consequentemente, sua qualidade.
A descoberta foi fruto de uma tese de doutorado de Carla Regina Borges Lopes, sob orientação de Lilia Coronato Courrol, professora do Departamento de Física do ICAQF/Unifesp, em uma análise de qualidade de óleos vegetais extraídos de diferentes matérias-primas e expostos à oxidação sob condições distintas. O estudo contou com apoio da Fapesp.
Para a avaliação, a pesquisadora utilizou a espectroscopia de fluorescência em estado estacionário e resolvida no tempo para diversos experimentos, verificando a sensibilidade aos diferentes estágios de oxidação das amostras íntegras, analisadas sem qualquer diluição.
“Essa técnica em estado estacionário envolve a iluminação da amostra por um feixe de luz num comprimento de onda específico, o que leva a excitação das moléculas presentes no óleo, que emitem luz ao retornarem ao seu estado fundamental, resultando em um espectro de emissão que fornece informações sobre suas características físicas e químicas ou alterações nas amostras analisadas”, explica Carla.
Já na técnica de fluorescência resolvida no tempo, é analisado o tempo de vida de fluorescência, que se refere ao tempo que a molécula permanece no estado excitado antes de retornar ao estado fundamental, geralmente da ordem de nanosegundos. “Esta análise é realizada por meio da exposição da amostra a pulsos de luz com tempos mais curtos que o tempo de vida da molécula que se pretende analisar. Filtros são utilizados para que apenas a luz emitida na região de interesse seja detectada pelo equipamento. Os resultados fornecem informações importantes sobre interações que podem ocorrer entre as moléculas, como por exemplo, a transferência de energia que ocorre entre os compostos fotossensíveis no processo de foto-oxidação”.
Como parte da pesquisa, amostras de óleo de soja refinado foram acondicionadas em frascos PET translúcidos de diferentes cores e expostas a lâmpadas de LED em uma caixa revestida internamente por papel alumínio para aumentar a incidência luminosa. Os frascos permitiam a passagem da luz em diferentes percentuais e em regiões distintas do espectro eletromagnético. Para comparação, uma amostra foi mantida sob as mesmas condições em um frasco totalmente revestido por papel alumínio, bloqueando até 99,9% da passagem da luz.
Nesse caso, relata Lilia, “observamos que as maiores alterações nos indicadores de oxidação foram registradas nas amostras acondicionadas em frascos incolores, semelhantes às embalagens utilizadas na comercialização de óleos vegetais no país. Em alguns experimentos, o índice de peróxidos atingiu quase o triplo do valor máximo estabelecido como aceitável por agências internacionais de controle de qualidade de óleos vegetais, o que nos faz acender um sinal de alerta, pois evidenciaram que as embalagens atualmente utilizadas não são eficazes em protegê-los da oxidação fotossensibilizada, considerando que ficam expostos à iluminação nas gôndolas dos supermercados por, em média, doze horas todos os dias”.
Para além da comercialização em mercados, as pesquisadoras lembram que pequenos estabelecimentos comerciais, como lanchonetes, food trucks e barracas de comida de rua também são locais de preocupação, uma vez que as garrafas de óleo utilizadas para preparo dos alimentos podem ficar expostas à luz solar, “que, mesmo em dias nublados, pode chegar a dez vezes a incidência luminosa empregada no experimento realizado”.
Alto consumo no país
A preocupação com a qualidade dos óleos vegetais comestíveis é explicada por seu alto consumo. Extraídos de diversas origens, como soja, milho, amendoim ou girassol, eles estão entre as principais fontes de energia na alimentação, já que apenas um grama fornece cerca de 9 calorias, além de fornecerem uma série de nutrientes. De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (do inglês United States Department of Agriculture - USDA), no Brasil, o óleo mais consumido é o de soja (mais de 3,9 milhões de toneladas consumidas no país somente em 2022), seja como óleo de cozinha ou como ingrediente no preparo de alimentos.
“Cerca de 98% de sua composição é de triglicerídeos, um composto formado de glicerol e ácidos graxos. Diferentes ácidos graxos podem compor o triglicerídeo, o que interfere nas características finais do óleo. Os ácidos graxos poli-insaturados (AGPI), por exemplo, já foram apontados como responsáveis por trazer benefícios à saúde em diferentes estudos. Em particular, os AGPI denominados ômega 3 e ômega 6 são responsáveis por múltiplas funções no organismo, atuando inclusive no bom funcionamento do cérebro e na redução do LDL, conhecido como ‘mau colesterol’. Vale destacar também que eles não são produzidos pelo organismo, portanto, precisam estar presentes na dieta, sendo os óleos vegetais como os de soja e milho, por exemplo, com alta concentração desses ácidos graxos”, destaca Lilia.
Por outro lado, as pesquisadoras lembram que os óleos vegetais ricos em AGPI são altamente propensos à oxidação lipídica, que consiste em uma série de reações responsáveis pela deterioração de alimentos que contenham óleos e gorduras. “Suas principais consequências são a redução do valor nutricional e em estágios avançados, a formação de compostos potencialmente tóxicos, com ação pró-inflamatória e relacionados com o desenvolvimento de neoplasias. Estas reações são aceleradas quando os óleos são expostos a altas temperaturas, como as utilizadas na fritura de alimentos, num processo denominado termo-oxidação. A exposição à luz durante o armazenamento também é responsável por iniciar e acelerar sua deterioração, no mecanismo chamado de foto-oxidação, ou oxidação fotossensibilizada e, em estágios mais avançados, acabam por dar origem a produtos secundários da oxidação, responsáveis por alterações no odor, sabor e cor dos óleos, sendo alguns destes produtos reportados como potencialmente tóxicos”, detalha Carla.
Para inibir esse problema com um produto altamente consumido no Brasil, a pesquisa indica a urgência na substituição das embalagens. “É preciso trocar as PET translúcidas por alguma embalagem que seja eficaz em proteger os óleos vegetais da luz UV e visível. Nesse sentido, as do tipo cartonada, com preferência para utilização de materiais biodegradáveis, ou embalagens feitas com bioplásticos de coloração marrom escura obtidos a partir de corantes naturais podem servir como solução para as indústrias, garantindo assim maior qualidade aos seus produtos”, conclui a pesquisadora.