A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizou no último dia 29 de novembro um encontro com intelectuais para discutir a universidade pública e os desafios de uma gestão plural e democrática. Participaram do encontro docentes e pesquisadores de diversas instituições públicas e privadas, além de professores dos campi da Unifesp.
O encontro buscou realizar uma reflexão sobre os rumos e desafios postos pela conjuntura atual face às demandas dos que aspiram construir uma universidade de fato pública, plural de democrática, propondo entre os desafios centrais: Como garantir a expansão da universidade pública, preservando sua qualidade acadêmica e científica, sem permitir a perda de direitos dos docentes e funcionários, vitais para a sua manutenção?; Como preservar uma gestão plural e democrática da universidade pública, em meio a tantas limitações burocráticas que dificultam sobremaneira a vida acadêmica?; Como preservar um diálogo franco, aberto e democrático com os três segmentos, docentes, funcionários e discentes, de modo a avançar no desenho de uma nova e efetiva universidade pública?
Na mesa de abertura, a reitora da Unifesp, Soraya Smaili agradeceu a presença de todos para um debate que, segundo ela, vinha sendo construído há algum tempo “Era importante fazermos essa reflexão não apenas sobre a gestão, mas sobre o que é ser uma gestão plural e democrática em uma conjuntura muito difícil e muitas vezes hostil e adversa para os que desejam desenvolver um programa como o nosso”. A reitora falou também sobre o histórico da criação da chapa Unifesp Plural e Democrática, que disputou e venceu as eleições de 2012 para a reitoria e sobre os primeiros desafios enfrentados no cargo, em especial sobre infraestrutura, permanência estudantil, valorização das carreiras e democratização das estruturas universitárias.
A reitora apontou ainda a dificuldade enfrentada em relação a escassez de recursos financeiros para a concretização das necessidades e da falta de autonomia para utilizá-lo. “Temos uma conjuntura nacional de um orçamento com pouca autonomia, nem para utilizar os recursos próprios. É uma conjuntura extremamente desafiante, com uma condição de orçamento dramática para a expansão que foi feita. Nos dedicamos muito para planejar, mas não temos orçamento para executar”.
Ricardo Antunes, professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/ Unicamp), relembrou a fase de campanha da Chapa Plural e Democrática, da qual participou. Para ele, o maior desafio das universidades públicas é fugir da onda privatista. “O momento é adverso porque a privatização das universidades é uma tacada violenta. Basta ver a imprensa nos últimos dias afirmando que o professor que ganha 20 mil reais é responsável pela tragédia e pela miséria brasileira, enquanto os que são verdadeiramente ricos estão deitando e rolando”. Para Antunes, a gestão privatista nas universidades estimula apenas o produtivismo, o que tem levado docentes ao adoecimento e à morte.
A professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) Lisete Arelaro, que também participou da campanha da Chapa 3, afirmou que enxerga na gestão da Unifesp uma alternativa de gestão universitária e acadêmica às gestões elitistas e privatistas. “O programa de vocês é oportuno, ousado e avançado e em cima deles tenho certeza que avançarão com tranquilidade”. Lisete alertou para o fato de que jovens professores entram na carreira docente preocupados com a evolução pessoal e não com o contexto universitário como um todo.
Para Francisco de Oliveira, docente titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/ USP) a influência de dentro de sua universidade é algo difícil, mas a persistência deve permanecer. “O meu papel é de resistir. E como sou teimoso como planta ruim, deixa que eles pisem. Meu o papel é de incomodar”. Já para Elisaldo Carlini, professor titular aposentado da Unifesp, a burocracia é o principal entrave para o progresso da universidade pública. “A burocracia na Unifesp é criminosa e ataca a todos nós. Devemos avaliar a vida plural e democrática que queremos ter com a dificuldade que nos impede de tomar qualquer atitude mais progressista”, completou.
Após a introdução da mesa, foi aberta a palavra aos convidados. Mohamed Habib, professor titular do Departamento de Biologia Animal da Unicamp relembrou a trajetória dos movimentos oposicionistas no Brasil e no Egito, seu país de origem. Habib apontou que o processo de democratização é lento. “Você não transforma uma nação em democrática em uma única geração. O que não queremos é a democratização por decreto, pois ela é derrubada por outro decreto. Democracia deve vir por conscientização e pela mudança da cabeça das pessoas e esse é um processo lento”. Falou também sobre o movimento de privatização das universidades, movimento que não ocorre apenas no Brasil e sugeriu um movimento conjunto das instituições públicas e de movimentos sociais a fim de formar uma massa crítica para o enfrentamento do tema.
Hamilton de Souza, professor de Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) alertou que a democracia e a transparência nas universidades inibem setores reacionários e vê a Unifesp como um possível centro de debates sobre democratização. Destacou também a luta da instituição contra a privatização do ensino público e a importância de definição dos valores. “O ideal e entender quais os valores que essa gestão defende que a coloca como uma gestão diferenciada para a sociedade e no que ela confronta com o modelo de privatização total das universidades”.
Para o pró-reitor adjunto de Planejamento da Unifesp, Pedro Arantes, a expansão das federais e o seu consequente fortalecimento não deve ser apenas baseada em números. “A sensação é a de que estamos crescendo em tamanho e em irrelevância, na não necessidade da universidade pública para tomar decisões sobre os grandes temas do Brasil”. Segundo Arantes, os intelectuais e cientistas, que já foram mais ouvidos em momentos da história brasileira, hoje estão completamente à parte das decisões e dos rumos do desenvolvimento da política econômica e científica do país. Ele ressaltou ainda que o Estado de São Paulo, detentos do maior Produto Interno Bruto e da maior população do país, é o que possui a menor relação entre habitantes e vagas públicas, apesar da duplicação do número das vagassem instituições federais no país nos últimos anos.
Na visão de Valerio Arcary, docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), citou a luta e a mobilização política como principal fator de alcance de um interesse comum. E para ele, a mobilização não deve partir das entidades de classe, mas da reitoria. “A reitoria tem uma força de mobilização que pode usar ou não, mas se não usar, não abre caminho e não define quem são amigos ou inimigos”. Arcary apontou a campanha “Mais Verba Já”, criada no IFSP, que uniu a maioria da comunidade do instituto na luta por recursos.
Ao final do encontro, Soraya Smaili agradeceu a fala de cada participante e ponderou cada uma delas. Como encaminhamento, sugeriu o início de uma mobilização conjunta com reitores de outras instituições públicas, além da articulação de um novo encontro de intelectuais para março de 2015, estendendo o convite a reitores de outras instituições federais. “Temos que encontrar um meio de organizar, com a ajuda de vocês, para que possamos dar continuidade e tornar isso um grande movimento permanente”.
Complementando a fala da reitora, Ricardo Antunes definiu o encontro como muito relevante e apontou a necessidade de continuidade, especialmente para a definição dos próximos dois anos da gestão. Para ele, o papel da Unifesp é sair em defesa de uma universidade pública e gratuita. e botar a tropa para fazer barulho. “Podemos ter um ‘SOS universidades’, com reitores de universidades públicas de várias partes, com sindicatos, movimentos sociais e nomes fortes de intelectuais que deram a vida por essa luta”, sugeriu. Antunes também destacou a continuidade do congresso da Unifesp, marcada para os dias 08, 09 e 10 de dezembro. “O momento mais difícil é o congresso e é preciso ter tranquilidade, sem deixar de abrir os canais de diálogo”, finalizou.