A Secretaria de Desenvolvimento Social da cidade de Santos e o Campus Baixada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apresentaram, nesta terça-feira (15/12), o Relatório Parcial do Censo da População de Rua da cidade de Santos. Trata-se da primeira apresentação pública dos dados coletados na noite de 24 de outubro de 2019, em toda a cidade, conforme o mapeamento de pontos de pernoite, previamente identificados.
Estando sob o contexto da pandemia de covid-19 e reconhecendo seus impactos na população de rua, o IPEA lançou em junho de 2020, a Nota Técnica n. 74 analisando as especificidades desse grupo populacional e identificando as principais iniciativas municipais para assegurar algum nível de proteção social. A referida nota demonstra “preocupação com os efeitos que a pandemia pode causar em termos do aumento do contingente da população em situação de rua, com a intensificação da desocupação e do desaquecimento econômico no curto e médio prazo”.
Essa contextualização inicial é relevante, sobretudo para indicar a temporalidade dos dados coletados no censo e os impactos da pandemia de covid-19 nas condições de vida e trabalho, no sistema de proteção social e na dinâmica econômica das cidades.
O que os dados revelam
O censo indica que não há uma resposta única, homogênea e duradoura para definir esse grupo de pessoas que vive nas ruas de Santos. Na noite de 24 de outubro de 2019, foram contadas 868 pessoas nessa condição. A maioria das pessoas tem entre 40 e 59 anos de idade (48,4%); tem cor parda e preta (61,4%); são homens (81,9%); estão no centro da cidade (32%); tem problemas de saúde (63,5%); nasceram no estado de São Paulo (59,7%) e, destes paulistas, 38,2% são nascido/a/es em Santos.
O censo também revela que os moradores de rua são trabalhadores/as no setor informal, 54,16% em atividades reciclagem; mantêm algum tipo de vínculo familiar (51%); vivem na rua de 1 a 4 anos (29,9%); contam que o motivo para viver na rua decorre simultaneamente de conflitos familiares (46,5%), desemprego (37,1%), uso abusivo de álcool e drogas (32,4%); perda de moradia (14,1%).
A pesquisa mostra ainda outros aspectos que, embora não representem a maioria, ensejam análises sobre as questões de diversidade de gênero e deficiência, na composição das pessoas que vivem nas ruas: mulheres (cisgênero 13% e transgênero 1,3%), homens transgêneros (0,2%) e travestis (0,4%).
Informações nortearão políticas públicas
O censo é uma ferramenta de coleta de dados sobre as condições de vida das pessoas que vivem nas ruas que quantifica essa realidade e coloca os fatos diante dos nossos olhos e, desse modo, contribui para o debate público e político. Os dados lançam luz, convocam o debate, criam fluxos e refluxos de interpretações e críticas, além de colocar a temática em evidência.
A coordenação do estudo, contudo, alerta que o censo também tem limites. É uma fotografia de uma noite, sujeito a intempéries do tempo, do tipo de abordagem, do aceite em participar, dos deslocamentos, da dinâmica do território, da vida que pulsa na cidade.
Mesmo com as limitações, o relatório parcial já permite dar visibilidade para a condição das pessoas que vivem nas ruas, fazendo um chamado público para o pensamento acerca do modo de vida contemporâneo, a nossa sociedade e o tipo de respostas e de intervenções que vimos produzindo. E, desse modo, a vida nas ruas deixa de ser a expressão daquilo que vemos, individualmente, em nossos trajetos e deslocamentos na cidade, e passa a ganhar uma dimensão maior de fenômeno espacial, urbano e global, atravessada por determinações sociais, econômicas, políticas e familiares que condicionam as formas de ser e de viver.
Sobre o projeto entre SEDS e Unifesp
O relatório parcial é parte de um projeto maior, que se propõe a quantificar e a conhecer as condições de vida nas ruas, com o envolvimento de pessoas, grupos, organizações e serviços que atuam com essa população, para fortalecer um movimento de pensar o trabalho, seus limites, desafios e possibilidades.
O censo, como parte desse movimento, pretende alimentar o debate e construir pontes para fazer a cidade pensar a realidade das pessoas que vivem nas ruas e a realidade da rede de serviços (seus nós e pontas soltas), na direção da consolidação de uma Política Municipal de Atendimento às pessoas que vivem nas ruas, pautada pela defesa da vida e dos direitos humanos.