Ana Cristina Cocolo e José Luiz Guerra
Com a colaboração de Flávia Kassinoff e Rosa Donnangelo
As universidades brasileiras enfrentam hoje o desafio da internacionalização, que implica não apenas a prática de intercâmbio de alunos, docentes e pesquisadores, mas especialmente acesso partilhado do conhecimento. Cumpre ainda – para realizar esse propósito – consolidar uma estrutura física e acadêmica suficiente para receber pessoas de diversos países. Os modelos de internacionalização das principais instituições de ensino no mundo, entre elas a Harvard University e o Massachusetts Institute of Technology, nos Estados Unidos, e a Oxford University, na Inglaterra, podem ajudar as universidades brasileiras a adotar um norte, rumo a esse objetivo.
O processo de internacionalização na Unifesp teve início em 2006, por meio da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo (FAp/Unifesp), e sua finalidade era formalizar as parcerias e convênios de cooperação acadêmica com instituições estrangeiras e estabelecer programas de intercâmbio para alunos, docentes e pesquisadores.
Em 2009, a Assessoria de Assuntos Internacionais foi incorporada à Reitoria como órgão institucional e sua equipe era composta por um coordenador, uma assessora, dois técnicos administrativos em educação e seis estagiários. Em 2011, com a aprovação do novo Regimento da Unifesp, a Assessoria transformou-se em Secretaria de Relações Internacionais (SRI), com organograma próprio e criação dos cargos de secretário e secretário-adjunto.
Atualmente, por meio da SRI, a Unifesp mantém acordos de cooperação com 62 instituições de 20 países (Alemanha, Argentina, Chile, Colômbia, Canadá, França, Espanha, Estados Unidos, Holanda, Índia, Itália, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça, Rússia, Líbano, Coreia do Sul e Honduras) e participa de sete programas de mobilidade, que resultaram, desde 2009, no envio de 372 alunos brasileiros para o exterior e na recepção de 83 estrangeiros. Outros 11 acordos de cooperação estão em tramitação e 15 novos pedidos aguardam análise da Reitoria e Procuradoria. Desde sua incorporação até julho de 2013, a SRI recebeu 89 delegações de 24 países.
Entre os programas de mobilidade que a Unifesp coordena estão o Ciência sem Fronteiras, patrocinado pelo governo federal; quatro modalidades do Santander Universidades, do Banco Santander; o Erasmus Mundus, da União Europeia; e o Programa de Alianças para a Educação e Capacitação (PAEC). Este último é resultado de uma aliança entre a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB), com o apoio da Divisão de Temas Educacionais do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que tem como objetivo promover e incentivar o intercâmbio científico e cultural nas Américas. Por meio dessa iniciativa de cooperação com países em desenvolvimento, a instituição participa de reuniões anuais do PAEC e, desde sua adesão em 2011, acolheu alunos de pós-graduação oriundos da Colômbia, Paraguai e Haiti.
Túnel da Ciência Max Planck
A mostra global Túnel da Ciência Max Planck, inédita no Brasil, esteve em São Paulo entre os dias 30 de janeiro e 21 de fevereiro, integrando as comemorações da temporada Alemanha + Brasil 2013-2014 – Quando as Ideias se Encontram. A exposição multimídia, aberta ao público, abordou grandes temas da pesquisa básica, mostrando as possibilidades de inovação e transformação para o futuro.
Foram montados oito módulos interativos: Cérebro, Complexidade, Energia, Universo, Matéria, Saúde, Sociedade e Vida, que continham explicações e imagens referentes às atuais pesquisas desenvolvidas pela Sociedade Max Planck sobre os respectivos temas.
A Unifesp, única instituição de ensino que se associou ao evento, selecionou 32 alunos para atuarem como monitores. Essa parceria abriu novas possibilidades de colaboração com instituições de ensino e pesquisa da Alemanha. Muitos pesquisadores tiveram a chance de conhecer profissionais da mesma área e estabelecer novos contatos.
“O desafio proposto pelo lado alemão para a celebração do ano Brasil-Alemanha vem de um trabalho pioneiro que estamos realizando na instituição e que representa a própria internacionalização. Uma internacionalização que vai além da simples colaboração com instituições congêneres de qualquer parte do mundo, demonstrando o papel mais indutivo que a instituição tem que ter. Ou seja, ser um parceiro mais indutivo do que apenas um parceiro receptivo”, explica o professor Esper Cavalheiro, pró-reitor de Planejamento da Unifesp.
O evento incluiu palestras e mesas-redondas com personalidades como Erwin Neher, prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1991; Helena Bonciani Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e Stefan Marcinowski, vice-presidente da Sociedade Max Planck.
Reestruturação da política
Nomeado pela Reitoria como novo secretário de Relações Internacionais, Marcelo Briones, docente da disciplina de Microbiologia da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp – Campus São Paulo, explica que o intercâmbio de alunos e docentes é consequência das ações de uma instituição internacionalizada. “O primordial é conferir à instituição, tanto nos objetivos quanto nos métodos e avaliação, um padrão internacional. Fazendo isso, o intercâmbio e a mobilidade passam a ocorrer quase que automaticamente.”
Para transformar o ambiente da universidade em internacional, é necessário modificar sua estrutura no que diz respeito à grade curricular e aos métodos de avaliação, entre outros fatores. “Se você remodelar a instituição e torná-la mais internacional, ficará mais fácil, pois estará usando padrões que são adotados em outros lugares do mundo”, aponta Briones. No entanto, é preciso que haja comprometimento. “Temos que fazer um pacto institucional para promover a internacionalização de fato, não só fazer intercâmbio de alunos.”
João Alberto Alves Amorin
Da mesma opinião compartilha João Alberto Alves Amorim, coordenador de Programas e Projetos Internacionais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa e membro da Comissão de Relações Internacionais da SRI. “Uma universidade genuinamente internacionalizada é aquela que tem visibilidade e, sobretudo, respeitabilidade mundial em suas áreas de pesquisa, atraindo instituições interessadas não só em trocar alunos e professores, mas também em estabelecer parcerias em projetos de pesquisa relevantes para o país e para o mundo.”
De acordo com Amorin, que é professor adjunto da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Unifesp – Campus Osasco, a internacionalização tem de ser vista também como uma questão de responsabilidade social. “Temos que incluir na política institucional a cooperação junto aos países menos desenvolvidos, cobrar a ampliação de programas como o PAEC, com maior participação dos governos no custeio e captação de recursos para as bolsas”, afirma. “Na última reunião dos coordenadores do programa, realizada em fevereiro, em Washington, foram amplamente discutidos o papel e as dificuldades da internacionalização nas universidades desses países.”
Outra grande mudança proposta por Marcelo Briones é a adoção de concursos totalmente em inglês para a contratação de docentes estrangeiros. “Hoje é impensável a presença de um estrangeiro aqui, a menos que ele seja proficiente em português”, diz. Nos moldes atuais da maioria das instituições no país, um professor mundialmente reconhecido só poderia fazer parte do quadro de servidores como visitante.
A principal barreira para a implantação de um modelo como esse, na visão de Briones, é a cultura organizacional e cultural das instituições. “Há pessoas que temem a internacionalização por perda de identidade cultural, invasão, colonização cultural... Isso não existe.”
Pontos prioritários
Para alcançar um padrão internacional é preciso garantir mobilidade e estrutura para comportar o fluxo, além de facilitar o diálogo com o resto do mundo. E é em pontos prioritários que a nova gestão vem-se debruçando para buscar meios que facilitem o processo.
Amorim esclarece que algumas medidas já estão em estudo e outras, em andamento. “Uma das ideias é destinar uma parcela da moradia estudantil prevista nos projetos dos campi para alunos em mobilidade, além da perspectiva de locarmos um imóvel para sediar a SRI, com infraestrutura para isso também, e parcerias com flats e hotéis nas regiões onde a Unifesp está instalada.”
A assessora de Assuntos Internacionais, Vera Salvadori, que está no setor desde o início do processo de internacionalização da Unifesp e tem contribuído em muitos projetos, explica que o imóvel previsto está localizado na avenida Onze de Junho, na Vila Clementino, e possui quatro andares. “O projeto de reforma ficou muito bom e prevê cinco suítes para professores, cinco quartos para estudantes, salas de reunião e estudo, espaço para eventos e uma sala de apoio para a SRI.”
Outra proposta é a criação de um programa de tutoria para visitantes estrangeiros – que ainda será discutido –, no qual uma equipe da universidade ficaria encarregada de recepcionar o aluno ou professor no aeroporto e orientá-lo na cidade quanto aos locais para retirada de documentação legal e moradia, entre outras dificuldades que poderiam ocorrer no início da estadia.
Dar suporte em idiomas está também no foco da nova política de internacionalização da Unifesp. Um projeto que envolve o Campus Guarulhos, a SRI, a Reitoria e a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa propõe a criação de uma central de idiomas, por meio da qual alunos e professores – tanto da instituição quanto em mobilidade acadêmica –, além dos técnicos administrativos, seriam beneficiados com a oferta de cursos de idiomas. “Não é possível falar em internacionalização sem oferecermos esse subsídio”, afirma Vera.
A dupla titulação em doutorado (cotutela), por meio de acordos com instituições de fora, é outra medida que, nos últimos três anos, a universidade vem implementando. “O primeiro acordo foi com a Universidad de La Frontera, no Chile, que enviou uma aluna para adquirir a titulação em Medicina”, diz Amorim. “Em seguida, foi estabelecida parceria com as universidades de Estrasburgo e de Paris Nanterre La Défense, ambas da França, de Sherbrooke, no Canadá, e de Groningen, na Holanda.”
De acordo com ele, outro ponto que tem impacto na aceleração da mobilidade e na nova política de internacionalização proposta é a equivalência do diploma. “Somos uma das poucas universidades federais que não proporcionam essa vantagem, apesar de termos todo o modus operandi do processo”, explica. “Essa é uma das propostas que serão levadas em breve ao Conselho Universitário.”
A colaboração do Ciência sem Fronteiras
Desde o início do programa federal Ciência sem Fronteiras, 304 estudantes da Unifesp foram beneficiados com bolsas em diversos níveis. Porém, Marcelo Briones preocupa-se mais com a qualidade do que com a quantidade.
Especificamente em relação à pós-graduação, Briones, que também é orientador do programa de pós-graduação em Microbiologia, reconhece os benefícios que o estudo no exterior traz ao pesquisador. “No final do semestre passado eu tinha 12 projetos de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para julgar. Dentre eles, escolhi os dois melhores, os quais – depois verifiquei – foram escritos por alunos que fizeram doutorado fora do país, por meio do Ciência sem Fronteiras.”
Briones reconhece, ainda, que o valor das bolsas está aquém do suficiente e uma das saídas seria a seleção mais criteriosa dos bolsistas. “Se você cortasse as bolsas do Ciência sem Fronteiras pela metade e dobrasse o valor delas, com o mesmo investimento poderia haver um programa de melhor qualidade, pois a qualidade é o que mais importa em ciência e educação, e não a quantidade”, finaliza.
Amanda Zamparo Franco, 21 anos – Programa Ciência sem Fronteiras
Em setembro de 2012, a estudante do 3º ano do curso de Ciências Biológicas (modalidade médica) da Escola Paulista de Medicina – Campus São Paulo embarcou para Portugal e durante um ano – com financiamento do programa Ciência sem Fronteiras – cumpriu estágio na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
De acordo com ela, as maiores dificuldades enfrentadas foram a adaptação com a língua – uma vez que o português de Portugal é muito diferente do brasileiro – e a escolha das disciplinas. “As cadeiras da Faculdade de Ciências eram muitas e de diferentes áreas, abrangendo desde Engenharia até Biologia. Mas foi uma experiência difícil de resumir em poucas palavras”, afirma. “Dependendo da forma como cada um aproveita a oportunidade, pode aprender mais ou menos. E o aprendizado pode acontecer em muitos níveis diferentes: cultural, acadêmico, profissional e pessoal. Morando um ano em Portugal, pude perceber muitas coisas que antes eram invisíveis para mim. Hoje vejo meu país com outros olhos e penso como poderia mudar as coisas por aqui. Criei novas referências profissionais e até morais.”
Para ela, como a Unifesp está iniciando o processo de internacionalização, não absorve tanto as experiências do aluno que volta do exterior. “Tive contato com muitas técnicas avançadas em Engenharia Biomédica e Neurociências, que poderiam ser compartilhadas em nossos laboratórios, por exemplo.”
Vitor Maciel de Sousa Pinto, 24 anos – Programas Santander Universidades e Ciência sem Fronteiras
O estudante do 4º ano de Medicina da Escola Paulista de Medicina – Campus São Paulo viveu duas experiências diferentes entre 2012 e 2013. Uma, de três semanas, em Salamanca (Espanha), pelo programa TOP España, oferecido pelo Santander Universidades. Outra, de um ano, pelo programa Ciência sem Fronteiras, na Johns Hopkins University School of Medicine, em Baltimore (EUA). “O intercâmbio traz uma enxurrada de aprendizados que vão além dos cognitivos e são muito ricos para o amadurecimento pessoal”, explica. “Aprendemos, entre outras coisas, sobre hábitos e costumes, História e Geografia. No meu retorno para a Unifesp poderei compartilhar o conhecimento das técnicas e metodologias de pesquisa que pude aprender durante este ano, por meio da continuidade dos estudos em uma tese e artigo científico.”
Durante sua permanência em Salamanca, Vitor fez um estágio de observação em Anestesiologia no Hospital Universitário e frequentou o curso de língua e cultura espanholas. Já no Ciência sem Fronteiras, seu foco foi o desenvolvimento de um projeto de pesquisa ligado ao Departamento de Endocrinologia/Metabolismo. “Como a função da universidade na sociedade é atuar no tripé ensino-pesquisa-extensão, vejo com muito otimismo para o desenvolvimento do país esses convênios com instituições de fora”, afirma. “No meu caso, por exemplo, acredito que a pesquisa realizada no exterior irá gerar conhecimento e contribuirá, mesmo que minimamente, com a visibilidade da universidade no contexto mundial.”
Larissa de Souza Neves, 26 anos – Programa Ciência sem Fronteiras
A aluna do 4º ano de Fisioterapia do Instituto de Saúde e Sociedade – Campus Baixada Santista ingressou na Glasgow Caledonian University, na Escócia, também por meio do Ciência sem Fronteiras, por ser a única universidade parceira da Unifesp que oferecia a mesma área de graduação. O ano em que esteve fora foi primordial para que alcançasse seus limites e desenvolvesse algumas capacidades desconhecidas. “Vi de perto que nosso ensino em Fisioterapia não deixa a desejar em nada para o dos europeus. Aprendi a valorizar dias ensolarados, família, amigos e o meu país”, conta. “Voltei com vontade de mudar o que há de errado aqui, porque vi de perto como tudo pode ser bem melhor quando as ferramentas disponíveis funcionam de verdade.”
Com relação aos estágios, ela não esconde a decepção. “A faculdade não nos alertou sobre a enorme burocracia para a participação de alunos estrangeiros e, por isso, não tive tempo hábil para conseguir todos os documentos. Não pude acompanhar, nem como observadora, nenhum atendimento clínico”, afirma. “Apesar disso, tive a oportunidade de participar de congressos e assistir a aulas de disciplinas que não teria de forma atrelada às aulas de Fisioterapia.”
Salety Ferreira Baracho, 23 anos – Programa Ciência sem Fronteiras
Durante um ano, a estudante do 7º semestre do bacharelado em Ciência da Computação do Instituto de Ciência e Tecnologia – Campus São José dos Campos, conviveu com a cultura italiana junto a estudantes da Universidade de Bologna.
“Escolhi a Itália pela facilidade de aprendizado da língua e pelo interesse em viver essa cultura”, afirma. “Apesar da dificuldade em encontrar moradia, pois Bologna é movida pela universidade e a procura é maior que a oferta, tive total auxílio da instituição.”
Salety conta que a rotina nessa universidade era bem diferente, pois havia aulas presenciais, e a carga horária cumprida pelo aluno na sala de aula era menor se comparada com a exigida no Brasil. “O estudo individual tem muito peso. No período de aulas presenciais não havia cobrança para entrega de atividade em sala, tarefa para casa ou projeto”, lembra. “No entanto, após o término da disciplina, o aluno – para ser aprovado – deveria apresentar, oralmente, todas as atividades propostas, além de responder a perguntas referentes ao material didático.”
De acordo com ela, a experiência valeu como crescimento pessoal, emocional, acadêmico e profissional em um curto espaço de tempo. Cursou três disciplinas (Processamento de Imagem, Direito em Informática e Projeto de Processamento de Imagem), que serão muito úteis na graduação, e fez estágio no Laboratório de Visão Computacional. “Conheci a rotina de um laboratório de pesquisa que apenas confirmou minha vocação na área de computação”, diz. “Todo o conhecimento adquirido por um aluno que faz o intercâmbio é refletido na universidade de origem, por meio de seu comportamento e de sua capacidade de sugerir melhoras após a vivência em um sistema de ensino diferente do brasileiro.”
Secretaria de Relações Internacionais - SRI