Quinta, 31 Março 2016 13:58

A mulher que transformou o luto em luta e fundou o grupo Mães de Maio

 

Por Antonio Saturnino

Débora Silva Maria era uma dona de casa, na cidade de Santos, em São Paulo. Ela jamais havia saído da Baixada Santista e batalhou muito para criar seus filhos de forma honesta. Seu único filho homem, Edson Rogério da Silva, trabalhava como gari e recebia um salário mínimo. No dia 15 de maio de 2006, aos 29 anos, Edson foi uma das centenas de vítimas do episódio conhecido como “Crimes de Maio”, tendo sido assassinado por nove policiais.

Ela, com lágrima nos olhos, lembra que soube da morte do filho pelo rádio. “Eu batalhei muito para criá-lo na periferia. As pessoas não imaginam o sofrimento de uma mãe para ensinar valores de honestidade ao filho e ele não ter o direito de viver. A dor que eu sinto é insuportável”, comenta.

Quando recebeu a notícia, Débora caiu na cama do hospital. Não comia, não dormia, não tomava banho, e foi diagnosticada por um médico do SUS com um quadro de depressão profunda. “Enquanto eu estava na cama do hospital, meu filho apareceu para mim, me ergueu pelos brações e disse: ‘Mãe, eu não quero a senhora aqui. Lute por mim e pelos vivos’”. A partir desse momento, ela teve forças para se levantar da cama. Quando se ergueu, viu hematomas no seu braço. Ela sabia que eram marcas dos dedos do seu filho.

Foi quando ela deu início a uma luta. Ela se juntou a outras mães cujos filhos foram assassinados pela polícia na mesma época e formaram o “Mães de Maio”. São mulheres que querem que suas vozes sejam ouvidas, que não aceitam que o Estado tenha tirado a vida de seus filhos e que, juntas, lutam por transformação e por justiça.

À época, cerca de 600 jovens foram mortos na Baixada Santista, sendo que menos de 2% tinham  passagem pela polícia. Débora comenta que encabeça essa luta, para que as mães que perderam seus filhos não caiam no conformismo de achar que é normal o Estado, que deveria garantir segurança, tirar a vida de seus entes queridos.

Ela completa: “A polícia militarizada não faz parte de uma democracia, mas sim de uma ditadura continuada.  Foi uma farda que tirou a vida do meu filho, com o dedo indicador do Estado. Nós pagamos, por meio dos impostos, o mandante do crime que mata nossos filhos, bem como quem aperta o gatilho e todo o aparelho opressor. Eu, como mãe, jamais aceitarei que eu paguei a bala que matou meu filho”.

Ao comparar os dias atuais à época da escravidão, ela diz que, para negros ou periféricos, as favelas são uma continuação da senzala, que o sistema prisional é um reflexo dos porões dos navios negreiros e que as balas são as chibatadas dos dias atuais. “Nós temos a nossa carta de alforria. Não precisamos de capitão do mato. Existe uma guerra de pigmento não declarada. Esta é uma luta emergencial e a transformação está nos braços das Mães de Maio”.

Ao ser questionada sobre o papel da mulher na transformação, ela ressalta que grandes conquistas vêm delas e dos movimentos feministas. Para ela é necessária uma participação mais ativa das mulheres na sociedade e política. Afirma que elas não devem se curvar diante das injustiças, mas que quando essas acontecerem, que sirvam para dar ainda mais voz às suas lutas.

Ela finaliza: “Graças ao meu filho, eu transformei o luto em luta. É uma caminhada muito longa e sofrida. Essa Débora que luta também é de carne e ossos, e muitas vezes chora. Mas as lágrimas são sinônimo da resistência, por não aceitar a morte do meu filho. Se não existisse o Mães de Maio, o número de jovens assassinados pela polícia seria muito maior que os 60 mil atuais. Nossa batalha é para preservar o direito que todos temos à vida”, finaliza.

 

Lido 11653 vezes Última modificação em Quinta, 28 Abril 2016 10:17

Mídia