Por Daniel Patini
O Grupo de Trabalho Perus (GTP) e o Projeto Violência do Estado no Brasil: um estudo dos Crimes de Maio de 2006, ambos ligados ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp), apresentaram, na quarta-feira (29/3), os resultados preliminares de seus respectivos trabalhos.
O encontro ocorreu no Anfiteatro Leitão da Cunha, durante o Seminário Internacional sobre Violência de Estado, desenvolvido em parceria com a Universidade de Oxford e com financiamento do Fundo Newton do Conselho Britânico.
Participaram da mesa-redonda Samuel T. G. Ferreira, coordenador científico do GTP; José Luiz Del Roio, membro do Comitê de Memória, Verdade e Justiça; Eugênia Gonzaga, procuradora regional da República; Javier Amadeo, representante da Unifesp no Comitê Gestor do GTP e um dos coordenadores do projeto sobre os crimes de maio; e João Inocêncio Correia de Freitas, integrante do Movimento Mães de Maio.
Grupo de Trabalho Perus
Em sua apresentação, Samuel realizou um breve histórico do grupo, criado em 2014 para identificar os desaparecidos políticos que possivelmente estejam entre os restos mortais exumados da vala clandestina do cemitério Dom Bosco em Perus, além de determinar a causa de suas mortes.
Após 17 meses de trabalho de análise dos restos mortais, das 1.049 caixas recebidas, 60% delas (626) já tiveram seu conteúdo analisado, sendo que 159 caixas possuem mais de um indivíduo dentro. Das 626 já analisadas, há 610 indivíduos com sexo estimado: 481 do sexo masculino e 129 do sexo feminino.
As análises indicam que 25 casos apresentam lesões compatíveis com a ação de projétil de arma de fogo. Dos 235 casos com lesões perimortem, a maioria apresenta lesões contusas, produzidas por meio de instrumento contundente, de forma intencional ou acidental.
Já para a análise de DNA, já foram realizadas 74 coletas de 31 famílias, sendo que dez delas nunca haviam doado material genético. Das outras 21 que já haviam doado, 26 novos familiares tiveram amostras coletadas. Essas análises serão feitas em um laboratório internacional que já trabalhou com outros casos de identificação de pessoas desaparecidas em contextos de violações de direitos humanos.
Samuel T. G. Ferreira e Javier Amadeo realizam apresentação dos dados
Crimes de Maio de 2006
Resultado de uma colaboração institucional entre o CAAF/Unifesp e o Centro Latino Americano – Escola de Estudos Interdisciplinares, da Universidade de Oxford, o Projeto Violência do Estado no Brasil: um estudo dos Crimes de Maio de 2006 na perspectiva da Antropologia Forense e da Justiça de Transição tem como objetivo capacitar pesquisadores e especialistas em antropologia forense atuantes na área de direitos humanos, visando erradicar a violência do Estado e fortalecer a democracia.
A pesquisa, que foi apresentada no evento por um de seus coordenadores, Javier Amadeo, está focada na análise de 71 casos (dos mais de 500 no total) de pessoas assassinadas por arma de fogo, entre 12 e 20 de maio de 2006, nas regiões periféricas de seis cidades da Baixada Santista. O projeto visa mostrar a existência de indícios que apontam que as pessoas assassinadas nesses episódios foram mortas como resultado da violência de Estado.
Até o momento, foram feitas a delimitação do universo de pessoas assassinadas durante esse período, a construção de um banco de dados, a coleta das narrativas dos familiares dessas vítimas e a realização de georreferenciamento dos locais onde ocorreram os crimes.
Dentre esses casos, está o de Matheus Andrade de Freitas, que tinha 22 anos na época, filho de João Inocêncio Correia de Freitas. Emocionado, ele relatou os últimos momentos com seu filho naquele fatídico mês de maio e aproveitou o encontro para reforçar a busca pela solução e punição dos responsáveis. "Nós, do movimento, estamos lutando por justiça. Não podemos desistir, temos que perseverar".
"Buscamos entender com esses dois casos emblemáticos, o dos desaparecidos políticos da ditadura e o dos crimes de maio de 2006, os elementos do autoritarismo que se perpetuaram na estrutura do Estado e suas políticas de segurança", ressaltou Javier.
Em sua fala, José Luiz Del Roio, que teve a mulher e mais 30 amigos entre os desaparecidos políticos durante a ditadura militar, foi enfático ao relacionar esses dois períodos violentos da história do Brasil. “Eu tenho certeza de que, quando terminou a ditadura em 1984, se a justiça tivesse sido feita com os criminosos torturadores daquela época, esses filhos [das mães e pais do Movimento Mães de Maio] estariam vivos hoje. Isso me dói bastante”.
Familiares do Movimento Mães de Maio presentes no evento