Terça, 23 Mai 2017 13:49

Crimes de Maio de 2006 completam 11 anos sem solução

Pesquisa da Unifesp analisa a violência de Estado a partir dos casos da Baixada Santista

Por Daniel Patini

A semana seria de comemorações por conta do Dia das Mães. Porém, maio de 2006 ficou marcado por episódios de grande violência nas cidades brasileiras e de grave violação aos direitos humanos. Entre os dias 12 e 21, uma onda de ataques, promovida por agentes do Estado e integrantes do PCC, resultou em 564 mortes e em mais de uma centena de feridos.

Já se passaram 11 anos dos chamados Crimes de Maio, e a maioria desses casos continuam sem solução. Desde abril do ano passado, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp) desenvolve um projeto com o objetivo de mostrar a existência de indícios que apontem que as pessoas assassinadas nesses episódios foram mortas como resultado da violência de Estado.

Fruto de uma colaboração entre o CAAF e o Centro Latino Americano – Escola de Estudos Interdisciplinares, da Universidade de Oxford, o Projeto Violência do Estado no Brasil: um estudo dos Crimes de Maio de 2006 na perspectiva da Antropologia Forense e da Justiça de Transição também visa capacitar pesquisadores e especialistas em antropologia forense, de forma a erradicar a violência institucional e fortalecer a democracia.

Com previsão para ser concluído em setembro deste ano, os trabalhos do projeto já estão em fase de fechamento. A pesquisa está focada na análise de 71 casos de pessoas assassinadas por arma de fogo, durante maio de 2006, nas regiões periféricas de seis cidades da Baixada Santista.

Até o momento, foram feitas a delimitação do universo de pessoas assassinadas durante esse período, a construção de um banco de dados, a coleta das narrativas dos familiares dessas vítimas, além da realização de georreferenciamento dos locais onde ocorreram os crimes, a partir dos endereços levantados pelos pesquisadores. Ainda faltam as narrativas dos familiares dos policiais também mortos naquela época e a reconstrução 3D dos crimes.

Apresentacao Parcial da Pesquisa BS Por Valeria de Oliveira 02.17
Apresentação parcial dos dados aos familiares das vítimas em fevereiro deste ano (Foto: Valéria Aparecida de Oliveira)

Movimento Mães de Maio

Um desses casos é o de Mateus Andrade de Freitas. Ele foi assassinado aos 22 anos no caminho de volta para a casa ao ser dispensado da escola mais cedo devido aos episódios de violência que estava acontecendo. Morreu no dia 17 de maio de 2006, a cerca de 200 metros de casa.

O pai dele, João Inocêncio Correia de Freitas, integra o Movimento Mães de Maio que reúne mães e parentes das vítimas e que hoje participa ativamente do projeto. Atualmente, eles batalham pela federalização dos casos, dentre outras demandas. Com isso, segundo ele, a investigação seria realizada por uma equipe mais centralizada, fortalecida e independente.

“De cara, me manifestei de forma favorável ao projeto. Não sei qual será o seu resultado, mas pode ser que ele fortaleça o pedido de federalização dos casos. Estou aguardando. Essa é uma luta que não deve parar. O segredo é perseverar. É o meu filho quem está lutando”, declara.

Para Aline Rocco, uma das pesquisadoras, o Movimento Mães de Maio contribuiu para trazer essa discussão sobre violência de Estado para dentro da universidade. “Antes disso, era algo muito objetivo, sem aprofundamento e distante da realidade. O movimento faz o acolhimento das famílias vítimas da violência, o que o Estado não faz”, relata.

A equipe espera que, de alguma forma, o relatório final dessa pesquisa contribua com o objetivo e com as reivindicações desses familiares. “Nos esforçamos muito para buscar elementos que contribuam com o movimento, como a reabertura de processos arquivados, por exemplo. Tenho convicção de que esse relatório vai proporcionar um direcionamento para esses familiares”, diz a também pesquisadora Valéria Aparecida de Oliveira.

Sobre a impunidade que impera no país, João é categórico. “Costumo dizer que 2006 é o nosso presente. É como se ele estivesse acontecendo agora. Não podemos nos distanciar dele. Esses tipos de crimes continuam acontecendo porque não tem justiça. Se ela funcionasse, não teriam ocorrido”, conclui.

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Aline Rocco (à esquerda) e Valéria Aparecida de Olivera (à direita) integram a equipe de pesquisadores do projeto sobre os crimes de maio de 2006. Completam a equipe da Unifesp: os professores Javier Amadeo, Ana Nemi, Bruno Comparato, Raiane Severino Assumpção, Claudia Plens, Elizete Kunkel e Rimarcs Ferreira; e os pesquisadores Marina Figueiredo, Rebeca Padrão, Juliana Magalhaes Carrapeiro, Edson Barbosa da Rocha, Débora Maria da Silva, Thabata Ganga, Delphine Denise Lacroix e Lorrane Rodrigues. Pela Universidade de Oxford, participam os professores e pesquisadores Leigh A. Payne, Francesca Lessa, Gabriel Pereira e Laura Bernal-Bermudez.

 

Lido 10226 vezes Última modificação em Quarta, 06 Junho 2018 13:45

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