Por Daniel Patini
A semana seria de comemorações por conta do Dia das Mães. Porém, maio de 2006 ficou marcado por episódios de grande violência nas cidades brasileiras e de grave violação aos direitos humanos. Entre os dias 12 e 21, uma onda de ataques, promovida por agentes do Estado e integrantes do PCC, resultou em 564 mortes e em mais de uma centena de feridos.
Já se passaram 11 anos dos chamados Crimes de Maio, e a maioria desses casos continuam sem solução. Desde abril do ano passado, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF/Unifesp) desenvolve um projeto com o objetivo de mostrar a existência de indícios que apontem que as pessoas assassinadas nesses episódios foram mortas como resultado da violência de Estado.
Fruto de uma colaboração entre o CAAF e o Centro Latino Americano – Escola de Estudos Interdisciplinares, da Universidade de Oxford, o Projeto Violência do Estado no Brasil: um estudo dos Crimes de Maio de 2006 na perspectiva da Antropologia Forense e da Justiça de Transição também visa capacitar pesquisadores e especialistas em antropologia forense, de forma a erradicar a violência institucional e fortalecer a democracia.
Com previsão para ser concluído em setembro deste ano, os trabalhos do projeto já estão em fase de fechamento. A pesquisa está focada na análise de 71 casos de pessoas assassinadas por arma de fogo, durante maio de 2006, nas regiões periféricas de seis cidades da Baixada Santista.
Até o momento, foram feitas a delimitação do universo de pessoas assassinadas durante esse período, a construção de um banco de dados, a coleta das narrativas dos familiares dessas vítimas, além da realização de georreferenciamento dos locais onde ocorreram os crimes, a partir dos endereços levantados pelos pesquisadores. Ainda faltam as narrativas dos familiares dos policiais também mortos naquela época e a reconstrução 3D dos crimes.
Apresentação parcial dos dados aos familiares das vítimas em fevereiro deste ano (Foto: Valéria Aparecida de Oliveira)
Movimento Mães de Maio
Um desses casos é o de Mateus Andrade de Freitas. Ele foi assassinado aos 22 anos no caminho de volta para a casa ao ser dispensado da escola mais cedo devido aos episódios de violência que estava acontecendo. Morreu no dia 17 de maio de 2006, a cerca de 200 metros de casa.
O pai dele, João Inocêncio Correia de Freitas, integra o Movimento Mães de Maio que reúne mães e parentes das vítimas e que hoje participa ativamente do projeto. Atualmente, eles batalham pela federalização dos casos, dentre outras demandas. Com isso, segundo ele, a investigação seria realizada por uma equipe mais centralizada, fortalecida e independente.
“De cara, me manifestei de forma favorável ao projeto. Não sei qual será o seu resultado, mas pode ser que ele fortaleça o pedido de federalização dos casos. Estou aguardando. Essa é uma luta que não deve parar. O segredo é perseverar. É o meu filho quem está lutando”, declara.
Para Aline Rocco, uma das pesquisadoras, o Movimento Mães de Maio contribuiu para trazer essa discussão sobre violência de Estado para dentro da universidade. “Antes disso, era algo muito objetivo, sem aprofundamento e distante da realidade. O movimento faz o acolhimento das famílias vítimas da violência, o que o Estado não faz”, relata.
A equipe espera que, de alguma forma, o relatório final dessa pesquisa contribua com o objetivo e com as reivindicações desses familiares. “Nos esforçamos muito para buscar elementos que contribuam com o movimento, como a reabertura de processos arquivados, por exemplo. Tenho convicção de que esse relatório vai proporcionar um direcionamento para esses familiares”, diz a também pesquisadora Valéria Aparecida de Oliveira.
Sobre a impunidade que impera no país, João é categórico. “Costumo dizer que 2006 é o nosso presente. É como se ele estivesse acontecendo agora. Não podemos nos distanciar dele. Esses tipos de crimes continuam acontecendo porque não tem justiça. Se ela funcionasse, não teriam ocorrido”, conclui.
Aline Rocco (à esquerda) e Valéria Aparecida de Olivera (à direita) integram a equipe de pesquisadores do projeto sobre os crimes de maio de 2006. Completam a equipe da Unifesp: os professores Javier Amadeo, Ana Nemi, Bruno Comparato, Raiane Severino Assumpção, Claudia Plens, Elizete Kunkel e Rimarcs Ferreira; e os pesquisadores Marina Figueiredo, Rebeca Padrão, Juliana Magalhaes Carrapeiro, Edson Barbosa da Rocha, Débora Maria da Silva, Thabata Ganga, Delphine Denise Lacroix e Lorrane Rodrigues. Pela Universidade de Oxford, participam os professores e pesquisadores Leigh A. Payne, Francesca Lessa, Gabriel Pereira e Laura Bernal-Bermudez.