Sexta, 23 Junho 2017 14:44

Opinião: Casos de demência por Corpos de Lewy são alerta de saúde pública

Pesquisador do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia (EPM/Unifesp) alerta sobre o alto número de pacientes afetados pela doença no Brasil 

 

Os dados são de 2012, mas o tema extremamente atual. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) daquele ano, cerca de 35 milhões de pessoas sofriam com demência no mundo. O Brasil é o nono país com o maior número de casos: mais de 1 milhão de pacientes. Entre as causas mais comuns, destaca-se a Demência por Corpos de Lewy.

A Demência por Corpos de Lewy ainda é pouco conhecida no país. Porém, é o terceiro tipo de demência mais comum, representando 10% dos diagnósticos, depois da Doença de Alzheimer (55% dos casos) e da demência vascular (25% dos casos). 

Fabricio Ferreira de Oliveira, doutor em Neurologia e Neurociências pela Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), aborda o tema no artigo a seguir. O pesquisador afirma que, entre os anos de 2014 e 2017, verificou a presença de Demência com Corpúsculos de Lewy em 33 de seus pacientes, um número alto comparado ao de casos de pessoas atendidas com Parkinson (14).

Diante da informação, ele adverte: é necessária uma atenção maior a esse recente problema de saúde pública, a começar pela criação, no país, de uma associação leiga voltada ao tratamento de indivíduos afetados pela Demência por Corpos de Lewy.

Por Fabricio Ferreira de Oliveira*

As síndromes demenciais por corpos de Lewy constituem a segunda forma mais comum de demência primária em idosos, atrás apenas da demência da doença de Alzheimer. Receberam certa atenção recentemente por causa da morte do ator norte-americano Robin Williams, que desenvolveu grave depressão em decorrência do acúmulo de corpos de Lewy no cérebro.

Corpos de Lewy são agregados de neurofilamentos que ficam nas células do sistema nervoso, concentrando-se principalmente em uma região do tronco encefálico chamada ‘substância negra’ (no caso da doença de Parkinson), e difundindo-se pelo córtex cerebral nas demências por corpos de Lewy. As principais formas de demências por corpos de Lewy são a demência da doença de Parkinson e a demência com corpos de Lewy. A principal diferença entre as duas consiste em sua manifestação. No caso da demência por doença de Parkinson, os sinais de parkinsonismo surgem pelo menos um ano antes da demência em si. Já no caso da demência com corpos de Lewy, a demência se manifesta integralmente antes ou ao mesmo tempo em que o parkinsonismo.

demencia
Outros sinais e sintomas costumam ser bem parecidos entre estas doenças: alucinações visuais bem formadas (normalmente visões de pessoas conhecidas ou animais), parkinsonismo sem relação com uso de medicamentos no início do quadro (principalmente com rigidez e instabilidade postural), depressão e delírios, agitação durante o sono, e flutuações do nível de consciência ou da memória ao longo do dia ou em dias diferentes. É muito comum, porém, que características da doença de Alzheimer se associem ao quadro, por vezes causando confusão diagnóstica ou mesmo sobreposição de sintomas. Como ainda não há um exame complementar para o reconhecimento das demências por corpos de Lewy, o diagnóstico é predominantemente clínico.

No caso particular da demência da doença de Parkinson, a prevalência pontual fica em torno de 30%, chegando a 80% ao longo de toda a evolução da doença; ou seja, cerca de 80% dos pacientes com demência da doença de Parkinson vão desenvolver demência em algum momento, justificando a importância de seu estudo.

Os critérios diagnósticos para a demência com corpos de Lewy datam de 2005, e não foram renovados desde então. Existe atualmente uma busca mundial por biomarcadores que ajudem a diagnosticar com maior certeza esta doença, da mesma forma que vem ocorrendo, principalmente a partir de 2011, no caso da demência da doença de Alzheimer. Um projeto de pesquisa do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina almeja contribuir para consolidar critérios diagnósticos mais específicos para a demência com corpos de Lewy.

*Professor Afiliado do setor de Neurologia do Comportamento do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e Pesquisador Pós-Doutor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Bibliografia Consultada:


1. McKeith IG, Dickson DW, Lowe J, Emre M, O’Brien JT, Feldman H, Cummings J, Duda JE, Lippa C, Perry EK, Aarsland D, Arai H, Ballard CG, Boeve B, Burn DJ, Costa D, Del Ser T, Dubois B, Galasko D, Gauthier S, Goetz CG, Gomez-Tortosa E, Halliday G, Hansen LA, Hardy J, Iwatsubo T, Kalaria RN, Kaufer D, Kenny RA, Korczyn A, Kosaka K, Lee VMY, Lees A, Litvan I, Londos E, Lopez OL, Minoshima S, Mizuno Y, Molina JA, Mukaetova-Ladinska EB, Pasquier F, Perry RH, Schulz JB, Trojanowski JQ, Yamada M. Diagnosis and management of dementia with Lewy bodies: Third report of the DLB consortium. Neurology 2005;65:1863-1872.
2. Oliveira FF, Machado FC, Sampaio G, Marin SMC, Chen ES, Smith MC, Bertolucci PHF. Contrasts Between Patients With Lewy Body Dementia Syndromes and APOE-ε3/ε3 Patients With Late-onset Alzheimer Disease Dementia. Neurologist 2015;20:35-41.
3. Biblioteca Virtual da FAPESP: http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/161804/analise-comparativa-de-marcadores-liquoricos-e-sericos-na-demencia-com-corpusculos-de-lewy-e-na-deme/

 As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

Lido 64690 vezes Última modificação em Quarta, 26 Setembro 2018 14:52

Mídia