Quarta, 22 Agosto 2018 13:00

Opinião: Fatores que predizem início ou declínio neurológico de pacientes com doença de Alzheimer

*Por Fabricio Ferreira de Oliveira

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Idade de início, índices de declínio cognitivo e funcional, e sintomas neuropsiquiátricos variam amplamente nos pacientes com doença de Alzheimer. Os fatores de risco cerebrovascular (hipertensão arterial, diabetes mellitus, hipercolesterolemia, uso de álcool e tabagismo), particularmente quando presentes na meia-idade, reduzem a idade de início tanto da forma esporádica quanto da forma familiar da síndrome demencial da doença de Alzheimer de início tardio; por outro lado, considerando que a baixa irrigação sanguínea cerebral é uma característica esperada do envelhecimento, os fatores de risco cerebrovascular podem prevenir o declínio cognitivo e funcional na doença de Alzheimer quando presentes em idade avançada, possivelmente por aumento da pressão de irrigação cerebral. Estes fatores de risco também podem ser expressos sob a forma de índices, como o risco coronariano estimado pelos escores de Framingham, ou a depuração da creatinina, considerando que o cérebro, o coração e os rins são todos órgãos-alvo da aterosclerose.

Influências sobre a idade de início da doença de Alzheimer de início tardio

No Brasil, foi demonstrado que os alelos ε4 do gene da apolipoproteína E (APOE), obesidade, tabagismo, história de depressão, e história familiar de doenças cardiovasculares foram os principais fatores associados com início mais precoce da doença de Alzheimer. Fatores de risco cerebrovascular acumulados (hipertensão arterial, diabetes mellitus, hipercolesterolemia, uso de álcool e tabagismo) também reduziram a idade de início da doença, enquanto pacientes Brasileiros tiveram início da síndrome demencial quase 4,5 anos mais cedo do que estrangeiros residentes no Brasil; acredita-se que mecanismos genéticos possam explicar estas diferenças, porém estudos mais aprofundados são necessários para elucidar os motivos deste achado.

Influências sobre o declínio neurológico da doença de Alzheimer de início tardio

Também no país, já se constatou que os pacientes com início mais tardio da síndrome demencial da doença de Alzheimer apresentam declínio cognitivo e funcional mais rápido. Isto pode representar a perda da resistência às alterações patológicas da doença, resistência esta que era conferida pela reserva cerebral. A reserva cerebral não influencia as alterações patológicas da doença de Alzheimer, mas protege o cérebro principalmente pelo reforço das sinapses em virtude dos efeitos da educação, da complexidade ocupacional, das atividades físicas, intelectuais e de lazer ao longo da vida.

O uso de álcool foi o principal fator de risco cerebrovascular a acelerar o declínio cognitivo e funcional da doença em pacientes Brasileiros. Por outro lado, a escolaridade retardou o declínio cognitivo principalmente para mulheres e portadores dos alelos ε4 do gene APOE, efeito este que foi cumulativo – quanto mais alta a escolaridade, maior a proteção. Condições de saneamento básico, atividades físicas e complexidade ocupacional ao longo da vida também tiveram efeitos protetores sobre o declínio cognitivo, porém foram menos importantes do que a escolaridade.

Para portadores dos alelos ε4 do gene APOE com doença de Alzheimer, o aumento progressivo da pressão arterial pode estabilizar o desempenho cognitivo e funcional por meio da melhora da irrigação cerebral, enquanto a duração mais longa do diagnóstico da hipertensão arterial antes do início da síndrome demencial pode acelerar o declínio cognitivo e funcional para portadores de outros alelos do gene APOE. Isto ocorre porque portadores dos alelos ε4 do gene APOE já apresentam anormalidades da regulação do fluxo sanguíneo cerebral antes mesmo do declínio cognitivo, enquanto portadores de outros alelos requerem o fator de risco (hipertensão arterial) para que haja aceleração do declínio. Na idade avançada, já se demonstrou que o mecanismo compensatório da hipertensão arterial sobre a melhora da irrigação cerebral é mais importante na doença de Alzheimer especificamente do que em outras doenças neurodegenerativas.

História prévia de trauma de crânio com perda de consciência causou aceleração do declínio cognitivo na doença de Alzheimer somente para portadores dos alelos ε4 do gene APOE, novamente demonstrando a interação de fatores genéticos e ambientais no declínio neurológico. Nem todos os estudos mostram diferenças na evolução da doença de Alzheimer entre os gêneros, mas as mulheres tiveram declínio cognitivo mais rápido na amostra Brasileira, possivelmente em virtude de efeitos genômicos de mecanismos hormonais na neurodegeneração.

Já se demonstrou também que a ciência do risco cerebrovascular pelos cuidadores tem impactos positivos na adesão dos pacientes a uma nutrição balanceada e à terapia farmacológica, confirmando o papel fundamental da educação dos cuidadores no tratamento da doença de Alzheimer e na prevenção da fragilidade no envelhecimento.

Gene APOE: fator determinante

O gene da apolipoproteína E (APOE) é o principal fator genético relacionado com a doença de Alzheimer de início tardio, embora não determine necessariamente a incidência da doença. Apesar dos alelos ε4 do gene APOE reduzirem a idade de início da síndrome demencial, seu papel sobre o declínio cognitivo e funcional ainda é controverso, aparentemente exercendo influência indireta sobre outros fatores de risco na evolução da doença. Mesmo assim, portadores dos alelos ε4 do gene APOE que sejam altamente escolarizados, que pratiquem atividades físicas e de lazer regularmente, e que sejam saudáveis sob o ponto de vista vascular, costumam ter preservação cognitiva semelhante à de portadores de outros alelos. Os efeitos dos alelos ε4 do gene APOE podem se iniciar precocemente durante a vida, inclusive associando-se com maior frequência de sedentarismo em pacientes Brasileiros com a síndrome demencial da doença de Alzheimer, sugerindo que a modulação da atividade física nesta doença é geneticamente mediada.

Vale lembrar que o Setor de Neurologia do Comportamento da Escola Paulista de Medicina tem publicado vários artigos que elucidaram os fatores específicos que interferem na idade de início e no declínio neurológico dos pacientes com doença de Alzheimer na população do Brasil.

Bibliografia Consultada:
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2. De Oliveira FF, Pereira FV, Pivi GAK, Smith MAC, Bertolucci PHF. Effects of APOE haplotypes and measures of cardiovascular risk over gender-dependent cognitive and functional changes in one year in Alzheimer’s disease. Int J Neurosci 2018; https://doi.org/10.1080/00207454.2017.1396986
3. De Oliveira FF, Chen ES, Smith MAC, Bertolucci PHF. Longitudinal lipid profile variations and clinical change in Alzheimer’s disease dementia. Neurosci Lett 2017; https://doi.org/10.1016/j.neulet.2017.03.003
4. Oliveira FF, Chen ES, Smith MAC, Bertolucci PHF. Associations of cerebrovascular metabolism genotypes with neuropsychiatric symptoms and age at onset of Alzheimer’s disease dementia. Rev Bras Psiquiatr 2017; https://doi.org/10.1590/1516-4446-2016-1991
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*Professor afiliado do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) e pesquisador pós-doutor pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

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