Quinta, 01 Agosto 2019 14:41

Opinião: Desafios para o controle do ressurgimento do sarampo

O sarampo é uma doença de alta transmissibilidade causada por um vírus da família Paramyxoviridae. Um doente pode transmiti-la para até 18 pessoas no mesmo ambiente

Por Eduardo Alexandrino Servolo Medeiros*

Mão segurando um ampola
(Imagem ilustrativa)

A doença é potencialmente grave e causa febre, coriza, conjuntivite e manchas vermelhas pelo corpo, que têm início na região atrás das orelhas e dissemina-se pelo corpo, além de lesões de Koplik, que surgem no início do exantema e depois desaparecem. Algumas das complicações do sarampo são otite média, pneumonia e encefalite, especialmente em crianças menores de cinco anos, desnutridos e imunodeprimidos. Crianças com deficiência de vitamina A têm a evolução mais grave, sendo uma das principais causas de cegueira nesta população. Uma complicação crônica rara é a panencefalite esclerosante subaguda, doença degenerativa do encéfalo que afeta crianças e adultos jovens anos após a infecção aguda. Na gravidez, o sarampo está associado a um aumento do risco de complicações, incluindo aborto, parto prematuro, doença neonatal, baixo peso ao nascer e morte materna.

Em 2016, o Brasil recebeu da Organização Mundial da Saúde o certificado de erradicação da doença. O sarampo, no entanto, voltou a circular no país em 2018, com mais de 10.000 casos notificados, causando o avanço da epidemia que ocorre até os dias atuais.

Por que o sarampo ressurgiu no Brasil?

O vírus entrou no Brasil inicialmente na Região Norte do país, devido à baixa cobertura vacinal, junto com turistas e migrantes suscetíveis que adquiriram a doença. Depois disseminou-se para áreas mais populosas como a Região Sudeste, com maior impacto na grande São Paulo. Mesmo São Paulo tendo em torno de 90% da população vacinada, isso não foi suficiente para conter a expansão do sarampo. O Estado de São Paulo tem mais de 500 casos confirmados. No mundo, os casos notificados da doença cresceram 300% nos primeiros três meses de 2019, em comparação com o mesmo período de 2018. A Organização Mundial de Saúde alertou que até o final de março de 2019, 170 países haviam notificado 112.163 casos.

A vacinação é o meio mais seguro e eficaz de manter a população livre do sarampo e impedir a circulação do vírus. Infelizmente, grupos antivacinas no Brasil e no mundo divulgam falsas informações nas redes sociais, como graves eventos adversos da vacina, influenciando pessoas a não vacinarem seus filhos e não se vacinarem. Apesar das numerosas campanhas de vacinação em São Paulo, feitas em locais públicos e de grande circulação de pessoas, a aderência está em torno de 10% do público alvo.

Devem ser vacinados:

  • Crianças de seis a doze meses de idade (a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo incluiu em 22 de julho uma dose adicional para este público, além das demais vacinas já previstas no calendário vacinal);
  • Jovens de 15 a 29 anos, mesmo que vacinados anteriormente;
  • Pessoas de 30 a 59 anos, mesmo que vacinados anteriormente;
  • Profissionais de saúde (devem tomar duas doses de vacina, independentemente da idade).

A vacina não é indicada para os maiores de 60 anos, pois acredita-se que já foram expostos ao vírus selvagem e desenvolveram imunidade. As gestantes e os imunodeprimidos não devem ser vacinados, pois a vacina é constituida de vírus vivo atenuado. A profilaxia deve ser realizada com imunoglobulina endovenosa.

As entidades de saúde pública municipal, estadual e federal têm realizado ações priorizando a cadeia de transmissão, vacinando pessoas em hospitais, escolas e na comunidade na qual estão inseridas. O sarampo é doença de notificação compulsória e deve ser notificada na suspeita para que sejam tomadas as medidas necessárias de bloqueio. Todo paciente internado com a doença deve ser mantido em precauções padrão e para aerossol. O paciente deve utilizar, durante o atendimento da emergência, uma máscara tipo cirúrgica para evitar a dispersão de gotículas e o profissional de saúde a máscara PFF2 ou N-95.

O atual calendário de vacinação inclui duas doses de vacina para sarampo associada à proteção para outros vírus. A primeira é a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), aplicada aos 12 meses de vida. Já a segunda, que é tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela), aos 15 meses de idade. Até os 29 anos, o indivíduo deverá ter tomado pelo menos duas doses da vacina para sarampo. Quanto mais se reduz a idade para a administração da vacina, menor a resposta imunológica do lactente, pois existem anticorpos que foram transferidos pela mãe que inativam o vírus vacinal, por esta razão, também devem ser mantidas as doses do calendário. Essa mudança foi realizada como resultado do aumento de casos de sarampo na população entre seis e 12 meses no atual surto, com maior potencial de gravidade. Até o momento a doença tem se mostrado de evolução menos grave do que conhecemos, resultando em poucos casos de internação. Algumas pessoas que tomaram duas doses da vacina na infância desenvolveram a doença, alguns, inclusive, com IgG positiva na suspeita da infecção, o que é indicativo de exposição prévia ao vírus vacinal ou selvagem. É possível que o nível de anticorpos se reduza com o passar do tempo ou a resposta imunológica ao genótipo D8 seja menos eficiente, além de fatores genéticos. Estas são apenas hipóteses para explicar algumas mudanças do que conhecemos sobre a doença.

É interessante observar que diversas doenças infecciosas que ressurgiram recentemente alteraram suas histórias naturais, tanto o quadro clínico como a cadeia epidemiológica. Com os recursos diagnósticos e técnicos atuais está sendo possível conhecer melhor a patogênese e as medidas de controle, a exemplo da febre amarela, toxoplasmose, hepatites virais e, mais recentemente, o sarampo. É fundamental aproveitarmos essas oportunidades para ampliarmos a pesquisa, o ensino e atuarmos de forma eficiente na prevenção e no controle dessas infecções.

*Professor associado da disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) e presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital São Paulo (HSP/HU/Unifesp).

As opiniões expressas no artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

 

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