Por Rogerio Schlegel e Amanda Freitas*
Nos Estados Unidos, a disputa entre Trump e Biden gerou uma epidemia de ansiedade eleitoral que atingiu mais de dois terços do eleitorado e está sendo objeto de recomendações da American Psychological Association. No Brasil, há evidências de que o contrário ocorre com as eleições municipais: a alta voltagem de 2018 deu lugar a uma baixa ansiedade eleitoral, acompanhada de um refluxo na polarização e no compartilhamento de material político nas redes sociais em 2020. Agora, essa constatação será colocada à prova no segundo turno.
Chegamos a esse diagnóstico a partir da realização de grupos focais com eleitores de diferentes partes do país com foco nas formas de se informar e lidar com fake news em 2018 e 2020, parte da pesquisa Nova Política?, desenvolvida na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No grupo focal, pessoas “comuns” debatem livremente temas e estímulos apresentados pelos pesquisadores. Trata-se de um método qualitativo, em que o conteúdo gerado não pode ser considerado representativo do que toda a população pensa, mas cujo ponto forte é revelar tendências atitudinais e estratégias de persuasão que podem se reproduzir na sociedade.
Atitudes dos eleitores ouvidos em três grupos focais on-line realizados na segunda quinzena de outubro constroem um relato recorrente: pessoas com envolvimento intenso em 2018, quando questionavam a escolha de conhecidos e chegaram a romper amizades, agora se sentem distantes da política, avessas aos confrontos gerados pela polarização e sem vontade para alimentar as redes sociais com repasse de material político. Não é que os estímulos não cheguem aos celulares. Na avaliação predominante, mais campanhas e de linhas políticas mais diversificadas estão lançando mão de peças digitais. O eleitor e a eleitora é que estão com menor disposição para passar as mensagens adiante.
Os próprios eleitores explicam essa mudança de comportamento. Uma das principais justificativas é o sofrimento trazido pela intensidade da mobilização de 2018. “Eu me afastei de pessoas muito próximas, como amigos que eram muito queridos, tive muito problema com isso e isso me chateou muito”, conta uma profissional liberal e pós-graduanda. Outra explicação é o fato de as eleições municipais envolverem questões menos apaixonantes, que favorecem menos a polarização e dão centralidade à gestão das cidades. “As pessoas, principalmente da quebrada, estão preocupadas com o que acontece no dia a dia, como a rua alagada”, raciocina um jovem universitário. “Quando alaga a rua da comunidade, a pessoa nem quer entender por que tá alagando, só vai culpar o político atual que tá ocupando o espaço de poder.”
Um terceiro fator com destaque é o próprio lugar ocupado pela comunicação via rede sociais. Eleitores de diferentes faixas etárias relatam estar mais atentos e céticos diante do que considerarem fake news. Talvez céticos até demais: diante de mensagens verdadeiras, participantes dos grupos focais algumas vezes deram motivos vagos para avaliarem que o conteúdo era falso, como a hashtag atrelada a um movimento de que discordam ou a baixa qualidade de uma imagem.
Nenhuma dessas tendências quer dizer que o sentimento antipolítica que ajudou a eleger Jair Messias Bolsonaro tenha passado. O desencanto que tem múltiplas causas e foi catalisado por anos de Operação Lava-Jato permanece. Algumas intervenções sugerem que o próprio Bolsonaro começa a ser incluído no que ajudou a apelidar de “velha política”. Diz uma bolsonarista da safra 2018: “Muitos candidatos ainda estão tentando surfar na onda do bolsonarismo, mas as pessoas estão cansadas”. É mais uma peça no quebra-cabeças para entender por que os candidatos explicitamente apoiados pelo atual presidente vão mal nas pesquisas de intenção de voto.
Uma questão que ainda nos intriga, como pesquisadores, é o nível de resiliência do antipetismo que marcou as últimas eleições. Ansiedade e polarização em baixa antes do primeiro turno levavam cidadãos que fizeram campanha contra o PT a demonstrarem indiferença diante de candidatos “de esquerda”. Esse estado de dormência resistirá a chances concretas de o partido e seus aliados voltarem ao poder agora ou em 2022? Em 29 de novembro, as disputas envolvendo candidatos petistas e casos como o da cidade de São Paulo, que tem PSOL contra PSDB, prometem ser um ótimo ponto de partida para responder a essas perguntas de maneira consistente.
*Rogerio Schlegel, doutor em Ciência Política pela USP e professor da Unifesp, e Amanda Freitas, graduanda em Ciências Sociais na Unifesp, coordenam a pesquisa Nova Política? O impacto eleitoral das novas tecnologias de informação e comunicação, com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, proc. 2019/22.408-8) e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. A pesquisa é desenvolvida no Pimentalab – Laboratório de Tecnologia, Política e Conhecimento.
As opiniões expressas neste artigo não representam a posição oficial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)