Por Daniela Testoni Costa Nobre* e Carlos Kiffer**
(Imagem ilustrativa/freepik)
A Declaração do Milênio da ONU foi assinada no ano de 2000 por diversos líderes mundiais com objetivo de reduzir a pobreza extrema por meio do cumprimento de oito objetivos que deveriam ser alcançados até 2015. [1] O quarto objetivo era reduzir a mortalidade na infância e a meta era reduzir em dois terços a mortalidade de crianças menores de cinco anos, em comparação aos dados de 1990. O Brasil alcançou essa meta em 2010, quando apresentou uma redução da mortalidade abaixo de 5 anos de 59,6 (1990) para 19,4 em cada mil nascidos vivos. [2] Em 2015, essas metas foram revistas e 17 novos objetivos foram traçados. Esses objetivos foram chamados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). [3] O terceiro ODS é garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; sendo uma das metas acabar, até 2030, com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos.
Para se atingir esse e outros objetivos de saúde são necessárias políticas públicas que atenuem os principais problemas sociais do país. Entretanto, os recursos para implantação dessas políticas são limitados tornando necessários ampla avaliação e planejamento para que essas políticas sejam efetivas. Nesse contexto, a universidade, por meio da geração de conhecimento, pode contribuir e muito para o planejamento dessas políticas públicas. Nosso trabalho, publicado recentemente na revista PLOS ONE, é um exemplo da contribuição do conhecimento gerado no âmbito acadêmico para a elaboração de políticas em saúde. [4]
Por meio do uso de um sistema de informação geográfica (SIG), avaliamos a distribuição espacial da mortalidade neonatal associada à asfixia no Estado de São Paulo no período de 2004 a 2013. O uso da geografia para explicar processos de saúde não é algo novo. Um dos exemplos clássicos desse processo é o mapeamento dos casos de cólera na cidade de Londres no ano de 1854 pelo Dr. Jonh Snow, considerado o pai da epidemiologia moderna. Com o mapeamento dos casos de cólera na cidade, ele foi capaz de levantar a hipótese de que a epidemia estava relacionada principalmente a um dos poços de abastecimento de água da cidade e, com o fechamento desse poço, foi capaz de praticamente acabar com a ocorrênica de novos casos de cólera. [5] Existe uma ampla associação entre as relações sociais e econômicas com o espaço em que essas relações acontecem e, portanto, uma grande influência do local nos processos de saúde e doença.
Em nosso estudo utilizamos um abordagem analítica e hierarquizada de geoprocessamento para identificar as áreas de maior risco de ocorrência de altas taxas de mortalidade neonatal associadas à asfixia no Estado de São Paulo, entre 2004 e 2013. [4] Observamos que a distribuição desta causa específica de mortalidade neonatal não ocorre ao acaso, sofrendo forte influência da geografia. Utilizamos a mesma metodologia para avaliar a distribuição do produto interno bruto (PIB) per capita no Estado de São Paulo para o mesmo período. Com essas análises, foi possível observar a correspondência de algumas áreas de risco para a mortalidade neonatal associada à asfixia com um baixo PIB per capita. Alguns estudos anteriores ao nosso também mostraram a associação de indicadores econômicos com a mortalidade neonatal, mas sabemos que diversos outros fatores estão associados a esta causa específica de mortalidade neonatal e devem ser estudados. [6, 7]
Por meio da análise realizada observamos a presença de aglomerados, ou “clusters” de alta ocorrência de óbitos neonatais associados à asfixia nas regiões Sul, Sudeste e Noroeste do Estado. Também observamos “clusters” de baixo PIB per capita nas regiões Sul e Sudeste do Estado. Embora nosso estudo não tenha sido realizado para estudar relação de causa e efeito entre o PIB e mortalidade neonatal estudada, ele serviu para apontar as areas de risco para a ocorrencia desta mortalidade. Logo, o trabalho pode contribuir para o planejamento de políticas de saúde que visem a redução da mortalidade neonatal e, consequentemente, em menores de 5 anos. [4] Pois, como sabemos, apontar com precisão os locais dos problemas é uma forte ferramenta para resolvê-los de forma mais eficiente, eficaz e efetiva.
*Professora adjunta da Disciplina de Neonatologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp)
**Professor adjunto da Disciplina de Infectologia do Departamento de Medicina da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp)
Referências
[1] United Nations General Assembly . United Nations Millennium Declaration: Resolution. United Nations; New York: 2000. https://undocs.org/en/A/RES/55/2 (accessed Aug 27, 2021).
[2] Marinho CSR, Flor TBM, Pinheiro JMF, Ferreira MAF. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: impacto de ações assistenciais e mudanças socioeconômicas e sanitárias na mortalidade de crianças. Cadernos de Saúde Pública. 2020, v. 36.
[3] United Nations . Sustainable Development Goals. United Nations; New York: 2015. http://www.un.org/sustainabledevelopment/summit/ (accessed Aug 27, 2021).
[4] Testoni Costa-Nobre D, Kawakami MD, Areco KCN, Sanudo A, Balda RCX, Marinonio ASS, Miyoshi MH, Konstantyner T, Bandiera-Paiva P, Freitas RMV, Morais LCC, Teixeira MP, Waldvogel B, Almeida MFB, Guinsburg R, Kiffer CRV. Clusters of cause specific neonatal mortality and its association with per capita gross domestic product: A structured spatial analytical approach. PLoS One. 2021 Aug 17;16(8):e0255882. doi: 10.1371/journal.pone.0255882.
[5] Musa GJ, Chiang PH, Sylk T, Bavley R, Keating W, Lakew B, Tsou HC, Hoven CW. Use of GIS Mapping as a Public Health Tool-From Cholera to Cancer. Health Serv Insights. 2013 Nov 19;6:111-6. doi: 10.4137/HSI.S10471.
[6] Volpe FM, Abrantes MM, Capanema FD, Chaves JG. The impact of changing health indicators on infant mortality rates in Brazil, 2000 and 2005. Rev Panam Salud Publica. 2009 Dec;26(6):478-84. doi: 10.1590/s1020-49892009001200002.
[7] Maruthappu M, Watson RA, Watkins J, Zeltner T, Raine R, Atun R. Effects of economic downturns on child mortality: a global economic analysis, 1981-2010. BMJ Glob Health. 2017 Apr 18;2(2):e000157. doi: 10.1136/bmjgh-2016-000157.
As opiniões expostas aqui não refletem a posição oficial da Unifesp