Por Valquíria Carnaúba
(Foto: Programa Regional Seguridad Energética y Cambio Climático en América Latina - EKLA/Divulgação)
O Tratado de Cooperação Amazônica, celebrado em Brasília em 1995, está esvaziado, "abandonado", denuncia Regiane Bressan, professora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (Eppen/Unifesp) - Campus Osasco. De acordo com ela, a fragilização dessa organização somada ao descaso com o contexto geopolítico da Amazônia, favorece e vai agravar episódios como o de junho deste ano: o desaparecimento na Amazônia do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
Não por menos, a região abriga 43% dos municípios mais violentos do Brasil. E não é de hoje nem o reconhecimento do problema, nem a busca de soluções. "Tenta-se há bastante tempo, criar acordos regionais para haver uma cooperação para preservação da Amazônia. Porém, isso muitas vezes implica em dar autonomia a essas instâncias em detrimento da soberania nacional. E isso torna tudo muito mais complexo", explica.
Para Bressan, existe uma real dificuldade de criar e manter acordos que garantam a segurança ambiental dos países envolvidos. "Após o Tratado de Cooperação Amazônica, por exemplo, não surgiram outras novas (e eficientes) organizações que tangenciem as problemáticas contemporâneas ao meio ambiente. Temos outros tratados internacionais, multilaterais, que tensionam para uma renovação dessa agenda regional. Mas ainda existem barreiras no diálogo entre os países, que se sobrepõem aos desafios ambientais", reflete.
Vivência na Amazônia real
Bressan estava na região da tríplice fronteira entre Colômbia, Brasil e Peru, município de Letícia, no dia 6 de junho de 2022, um dia após os noticiários revelarem o desaparecimento do indigenista e do jornalista. A pesquisadora atua em uma pesquisa financiada pela Fundação Konrad Adenauer (KAS), organização política alemã independente e sem fins lucrativos.
Como é sabido, trata-se de uma região onde ocorrem diversos problemas de fronteira. E, de acordo com a docente, o principal deles é a invasão do território por dragas para garimpo ilegal – equipamentos responsáveis pela escavação dos rios ou dos portos, normalmente usados para exploração de minérios preciosos.
"O exército colombiano nos recebeu e detalhou a tecnologia utilizada para detectar as invasões, como drones invisíveis. Recentemente, detectaram a entrada de 16 dragas brasileiras, via Rio Amazonas, cada uma delas com valor equivalente a meio milhão de dólares. Isso nos leva a crer que esses exploradores recebem muitos recursos para realizarem essas invasões", relata.
O grande risco, segundo a docente da Unifesp, é o enfraquecimento da atuação do exército perante a força que adquiriram esses mineradores aqui no Brasil. "O máximo que acontece é essas dragas retornarem ao nosso território". Essas dificuldades em lidar com a segurança na Amazônia, além de ameaçar o meio ambiente, são um risco à soberania nacional dos outros países.
O capítulo que envolve o assassinato de Bruno Pereira e de Dom Phillips é mais um triste capítulo dessa situação. "As falas mais recorrentes de moradores da região e até de agentes do Estado eram questionamentos sobre quem deu ordem, autorização, para ambos estarem naquele local. Isso deixa evidente que o Estado não está presente no Amazonas, e que hoje é uma terra sem lei, cujos ocupantes se sentem donos que se arbitram o direito de exigir autorização para que outros adentrem o espaço", aponta.
Para Bressan, o contexto desenhado na Amazônia evidencia a importância crescente da segurança ambiental, um conceito que orienta políticas e ações voltadas à proteção do meio ambiente e do estoque de recursos naturais, a fim de garantir alimentos, água, saúde e segurança pessoal, tanto aos indivíduos como às comunidades.
Rede latinoamericana pela segurança ambiental
Bressan integra a Rede Latinoamericana de Segurança Ambiental, formada em 2022 por pesquisadores de países da região, como Colômbia, Argentina, Chile, Peru, Equador e Brasil, com a finalidade de mapear os aspectos ambientais na América do Sul.
Essa rede integra o Programa Regional Seguridad Energética y Cambio Climático en América Latina (Ekla), financiada pela Fundação Konrad Adenauer (KAS) – organização política alemã, independente e sem fins lucrativos.
De acordo com o grupo, a América do Sul é uma das regiões mais vulneráveis aos efeitos e impactos das mudanças climáticas, devido à sua ampla variabilidade climática e à situação de pobreza de milhões de pessoas que estão em perigo iminente da menor mudança em sua maneira de subsistência.