Por Denis Dana
Até recentemente, a historiografia que retratava a Independência do Brasil abordava muito pouco sobre a participação indígena. Teriam os(as) indígenas desempenhado alguma forma de organização em busca de mudanças? Seriam eles(as) alheios às questões políticas? Às vésperas do Bicentenário da Independência, o trabalho de pesquisadores(as) com a exploração de arquivos e documentos tem revelado como eles percebiam a nova ordem política e como se organizavam para o período de mudanças de rumo no Brasil.
“A análise dos arquivos que reúnem a documentação de aldeamentos e ofícios encaminhados por governos provinciais nos ajudam a compreender algo que a historiografia não nos contava. Os(as) indígenas não eram alheios(as) ao debate político. Ao contrário, eles(as) conseguiam interpretar o momento e os acontecimentos ao seu modo e, inclusive, utilizar dessa interpretação para reivindicarem mudanças e melhores condições de vida”, destaca o historiador André Machado, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Embora estejamos celebrando o bicentenário da Independência, Machado destaca que, “apenas nos últimos vinte anos, os(as) pesquisadores(as) exploraram os arquivos de modo que pudéssemos construir um pedaço importante da história da nossa Independência, agora inserindo a participação indígena, algo que, se não foi negado categoricamente, jamais recebeu a merecida atenção”.
Em sua pesquisa, o professor da Unifesp encontrou alguns documentos do século XIX que revelam requerimentos redigidos em português por lideranças indígenas com questionamentos acerca das condições de trabalho a que eram submetidos, bem como cartas endereçadas à Coroa com alguns pleitos envolvendo condições melhores de trabalho.
“Em um pedido redigido em 1822, os(as) indígenas(as) reivindicavam a deposição do intendente do Arsenal da Marinha, um dos lugares onde o trabalho compulsório era mais pesado. O documento fazia a referência da liberdade dos(as) trabalhadores(as) indígenas(as) com a ideia de liberdade então promovida pelo movimento liberal do Porto, onde a sociedade deveria frear e inibir o poder absolutista da monarquia”, relata Machado.
Para o historiador, “esse é apenas um dos inúmeros exemplos e documentos que precisam ser explorados nas próximas décadas e que nos farão aprender com mais detalhes um lado de nossa história que até então não vinha sendo contada”.