Quarta, 30 Novembro 2016 13:43

Grupo de Trabalho Perus realiza audiência pública

Encontro teve como objetivos apresentar o panorama dos trabalhos realizados e as perspectivas para a análise das ossadas

Por José Luiz Guerra

Membros do Grupo de Trabalho Perus apresentando o andamento dos trabalhos de identificação das ossadas
Membros do Grupo de Trabalho Perus apresentando o andamento dos trabalhos de identificação das ossadas 

O Grupo de Trabalho Perus (GTP) realizou no último dia 28 de novembro uma audiência pública com o intuito de apresentar o panorama dos trabalhos realizados e as perspectivas para continuidade das análises das ossadas encontradas em vala clandestina no Cemitério Dom Bosco, em Perus, na década de 1990. O evento foi realizado no Centro de Arqueologia e Antropologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp). O GTP é composto pela Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo, pela Unifesp e pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos do Governo Federal.

Compuseram a mesa de discussão o coordenador científico do GTP, Samuel T. G. Ferreira, o representante da Unifesp no comitê gestor do GTP, Javier Amadeo, a secretária especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça, Flavia Piovesan, a reitora da Unifesp, Soraya Smaili, a presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Eugênia Gonzaga, a coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Prefeitura de São Paulo (PMSP), Carla Borges e o secretário de Direitos Humanos da PMSP, Felipe de Paula. Também estiveram presentes a professora titular do departamento de Medicina Preventiva da Unifesp e ex-ministra da Secretaria de Política para as Mulheres, Eleonora Menicucci de Oliveira, o ex-secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sotilli, além de parentes de desaparecidos políticos que podem estar entre as ossadas analisadas e da equipe de peritos, antropólogos e voluntários do CAAF.

Na abertura da audiência, Javier Amadeo, falou sobre o contexto das investigações, tanto em relação aos trabalhos quanto aos investimentos. “O ano de 2016 tem sido difícil do ponto de vista de turbulências políticas e de cortes orçamentários, mas apesar disso os trabalhos nunca foram paralisados”. Amadeo demonstrou otimismo em relação ao atual estágio dos trabalhos. “Nunca estivemos tão perto de concluir esse processo de identificação”, completou.

O coordenador científico do GTP e perito médico legista, Samuel Ferreira, apresentou aos convidados o andamento dos trabalhos desde o seu início, em setembro de 2014, até o presente momento e citou os próximos passos a serem dados pela equipe. Em uma frente de trabalho, o grupo levantou preliminarmente os livros de registros do Cemitério Dom Bosco, os livros de corpo de delito do Instituto Médico Legal (IML), o histórico dos locais nos quais as ossadas foram armazenadas anteriormente, entrevista com familiares para determinação de características de seus entes desaparecidos e elaborou um relatório das pesquisas realizadas pelo grupo no ante mortem. “Tudo isso são informações preliminares fundamentais para nos dar subsídios para confrontar com os dados post mortem e para que os trabalhos continuem”, disse Ferreira.

Outra frente foi a análise dos restos mortais feitas pelo laboratório do CAAF/Unifesp, correspondentes aos trabalhos post mortem. Das 1.049 caixas que guardam os restos mortais, 582 já foram abertas e seus conteúdos foram limpos e preparados para a análise dos peritos, que buscaram identificar sexo e idade aproximados e traumas ou lesões relevantes, que podem trazer subsídios às investigações. Dentre as caixas abertas, 551 já foram analisadas e 25% delas possuíam restos mortais de mais de um indivíduo. “Trabalhamos até agora com, pelo menos, 701 indivíduos”, explica o coordenador.

A genética, terceira frente das análises, visa comparar o perfil genético dos familiares com os dos restos mortais, para o estabelecimento de algum vínculo de parentesco. Quanto às coletas de amostras, foram realizadas 74 coletas em 16 municípios brasileiros, correspondendo a 38 famílias até o momento. “Esperamos concluir a coleta dessas amostras no primeiro trimestre de 2017”, disse Ferreira. 

Para complemento das análises, o GTP está em processo de contratação dos trabalhos da Comissão Internacional sobre Pessoas Desaparecidas (ICMP, sigla do nome em inglês International Commission on Missing Persons), organização internacional especializada em investigação humana e com experiência em escavação de mais de três mil valas coletivas e identificação de pessoas desaparecidas em contextos de violações de direitos humanos e em análise de amostras em larga escala. Para tanto, foi disponibilizada pela deputada federal Luiza Erundina (PSOL/SP) uma emenda parlamentar no valor de U$ 540 mil dólares, suficientes para a análise de 750 amostras de DNA. “Se compararmos os trabalhos em setembro de 2014 com o momento atual, conseguimos muitas coisas. É um trabalho intenso das pessoas e instituições que estão aqui, dos peritos e da gestão. Conseguimos muito, mas precisamos de mais para concluirmos o projeto”, completa Ferreira. Para ele, é necessário garantir a contratação de novos peritos e ter efetivado o repasse de verbas de 2016 para a Unifesp por parte do Ministério da Educação (MEC) e garantir também recursos da Prefeitura de São Paulo e do Ministérios da Justiça.

Flávia Piovesan, secretária especial de Direitos Humanos (SEDH), parabenizou as equipes de análise e gestão do CAAF. “Visitei o laboratório e conheci o trabalho primoroso e extraordinário desenvolvido aqui”. Flávia afirma que testemunhou a assinatura do acordo de criação do GTP, assinado em 2014, e se disse feliz de ver os frutos desse trabalho. Disse também que é essencial a continuidade dos trabalhos do CAAF. “Esse trabalho proporcionará o direito a verdade individual e coletiva e ao luto, interrompendo a tortura psicológica, a construção de uma memória coletiva, o fortalecimento da arqueologia forense e o fomento a uma sensibilização pública para o desafio do desaparecimento, tema que ainda lidamos no nosso cotidiano”. 

A secretária assumiu o compromisso público da continuidade dos trabalhos e anunciou a disponibilização de mais verbas para a sua manutenção. “Temos a garantia de R$ 500 mil no orçamento próprio para a manutenção e continuidade do trabalho e uma emenda parlamentar de R$ 850 mil do deputado federal Glauber Braga (PSOL/RJ)”. Destacou também a atuação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), que conseguiu, junto a parlamentares, de R$ 1,5 milhões para o orçamento de 2017 por meio de emendas. No campo do suporte às análises, a SEDH, segundo a secretária, contratou cinco consultorias, sendo uma administrativa, uma genética e três internacionais e abriu mais três consultorias para as análises post mortem, com editais já encerrados. Ela concluiu sua participação na audiência afirmando que os trabalhos do GTP são fundamentais para a manutenção de uma sociedade democrática.

A reitora da Unifesp, Soraya Smaili, no entanto, afirmou que os valores são insuficientes para manter a casa. “Não podemos deixar de lembrar que temos que contratar todos os peritos, pois não temos técnicos contratados”. Soraya lembrou que foi feito um pedido ao MEC de vagas para concursos de técnicos na área de análises. “Se queremos enraizar o CAAF como um centro de referência não só para o caso Perus, mas para o país, precisamos de pessoas contratadas permanentemente”. A reitora lembrou ainda que o MEC não fez o repasse das verbas de 2016 destinadas ao CAAF. “A casa está sobrevivendo com recursos da universidade. Foi acordado R$ 500 mil ao ano para custeio e manutenção do centro como um todo”. Ter as contratações de servidores, para a Soraya, significa não só manter o CAAF em funcionamento, mas também colaborar com a sociedade em trabalhos de identificação de desaparecidos além das ossadas de Perus. 

A reitora reivindicou ainda que o centro tenha um orçamento fixo proveniente de alguns dos ministérios envolvidos. “Tem que haver um orçamento para o CAAF. Ele é um centro de referência. Em um momento de transição os funcionários podem ficar sem receber, assim como ficaram uma vez e isso não pode acontecer. O ideal seria termos uma somatória do que é necessário para a manutenção desse centro com cerca de 10 profissionais contratados, que foram solicitadas ao MEC há dois anos”.

Felipe de Paula, secretário municipal de Direitos Humanos, falou sobre o orçamento que a pasta destinou ao GTP e que passa por votação na Câmara dos Vereadores. “Em julho anunciamos o compromisso de dobrar a verba, que era de R$ 440 mil e enviamos para a lei orçamentária de 2017 a proposta de R$880 mil. Nosso compromisso é a manutenção desse padrão ou até o aumento”. O secretário ressaltou ainda que qualquer redução que ocorrer na câmara deve ser denunciado. “Esse trabalho é muito importante para a Prefeitura de São Paulo e de extrema relevância para a cidade”. De Paula também afirmou que o país precisa de um CAAF fortalecido, pois pessoas continuam desaparecendo.

Eugênia Gonzaga, presidente da CEMDP, afirmou que o grupo move uma ação contra o Estado, no valor de R$ 3 milhões, por não promover as análises das ossadas, quando elas estiveram sob a sua guarda. “Uma juíza já veio aqui, fez uma inspeção judicial para analisar o que falta para dar continuidade na ação e o grupo está sendo importante para que se responda à altura dessa ação que já está proposta”.

Hania Pereira Rego, filha do desaparecido político Hiran de Lima Pereira e que veio do Rio Grande do Norte acompanhar a audiência, afirmou que o que está acontecendo no CAAF vai além da memória de seu pai. “Quando entrei naquela sala (de análise das ossadas), não estava procurando pelo meu pai, mas pensei em quantas pessoas podem estar no meio dessas ossadas”. Para ela, abrir esse arquivo pode viabilizar o reencontro das famílias com seus entes queridos que desapareceram por algum motivo. “Nesses dois anos, o progresso foi imensurável. Esse trabalho deve ser mantido, independentemente da forma como começou, pois temos que responder às nossas famílias e as outras famílias que possam surgir porque, infelizmente, o desaparecimento forçado parece algo institucionalizado no Brasil e temos de lutar contra isso”, completou.

Reunião com familiares de desaparecidos políticos

Antes da audiência, o GTP e a CEMDP realizaram uma reunião com parentes de desaparecidos políticos na época da ditadura civil-militar. Nela foram apresentados os detalhes do trabalho realizado até o momento e os próximos passos que envolvem a análise das ossadas.

Membros do Grupo de Trabalho Perus apresentando o andamento dos trabalhos de identificação das ossadas
Membros do Grupo de Trabalho Perus apresentando o andamento dos trabalhos de identificação das ossadas

Público presente na audiência pública
Público presente na audiência pública

Trabalho de lavagem dos restos mortais que serão analisados
Trabalho de lavagem dos restos mortais que serão analisados

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