Quarta, 14 Agosto 2019 15:11

Manifestação do Conselho Universitário sobre o “Future-se”

MANIFESTAÇÃO

do Conselho Universitário da Unifesp sobre o “Future-se”


Diante da apresentação, por parte do MEC, no dia 17 de julho de 2019, do Projeto de Lei do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras - Future-se, o Conselho Universitário (Consu) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) se reuniu em duas sessões, em 7 e 14 de agosto, e vem a público manifestar nossa posição a respeito de aspectos da proposta apresentada:

1. O documento não está alinhado e sequer menciona a existência do Plano Nacional de Educação-PNE. Existe Futuro para as Universidades e Institutos Federais ignorando o Plano decenal que pactuou diretrizes e metas para a Educação Brasileira até 2024? O documento também ignora as responsabilidades acadêmicas, pedagógicas e científicas das Universidades Federais, que não podem ser resumidas a fomento ao empreendedorismo.

2. Vemos inerente risco à autonomia universitária em proposições que dirigem as decisões administrativas e de gestão das Universidades para um único modelo de acesso a recursos advindos dos fundos, isto é, a obrigatória contratação de Organizações Sociais (OS). A definição de contratualização tripartite das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com a OS e com o MEC; a previsão de Ato do Ministro para definição de metas e indicadores de governança; e, um Conselho Gestor do Programa (do qual não se sabe a composição, a ser definido por decreto complementar) com amplas atribuições de ingerência nas IFES, OS e Fundos – são todas propostas que cerceiam a autonomia de gestão universitária, garantida constitucionalmente.

3. O Future-se prevê que as OS contratadas terão diversas atribuições de gestão, governança e finalísticas, se sobrepondo às das próprias IFES. Entre elas, gerir os recursos de "fundos de autonomia" a serem constituídos pelas receitas decorrentes do aluguel e da concessão de terrenos e imóveis ociosos das instituições; da “prestação de serviços” como estudos, pesquisas, consultorias e projetos; de mensalidades de pós-graduação lato sensu; de doações feitas às instituições, e até da comercialização de bens e produtos com a marca das instituições e da cessão de seus campi ou edifícios para patrocínio de empresas privadas. Tais atribuições não só explicitam mais uma vez a perda da autonomia acadêmica e de governança, a partir da delegação da administração do patrimônio e gestão das IFES para OS, como também o caráter anti-público do projeto.

4. Se a autonomia estiver restrita à escolha de aderir ou não ao programa, quais as garantias às Universidades e institutos que não aderirem, de que receberão financiamento público na forma e volume de "recursos suficientes para manutenção de suas atividades", como preveem o Art. 211 da Constituição Federal e o Art. 55 da Lei de Diretrizes e Bases   da Educação-LDB ?   Na conjuntura atual, o Governo Federal não está garantindo estes "recursos" e acena com a manutenção do bloqueio de orçamento de custeio e capital e sua redução na PLOA de 2020. A presente situação orçamentária é gravíssima e ainda acentuada pela conduta do atual governo. Ou seja, tal convite à adesão seria mesmo uma opção ou tais fundos seriam, em verdade, substitutivos do orçamento público em franca redução?

5. Temos dúvidas a respeito da proposta em relação ao sistema de fundos apresentado, que não é clara em diversos aspectos. Entre eles: a legalidade jurídica; a viabilidade fiscal (com devida autorização para uso das diversas desonerações e incentivos previstos); a rentabilidade financeira (qual liquidez dos imóveis da União para gerar funding de R$ 50 bilhões?), e o fato de ignorar a Lei de Fundos Patrimoniais, recém aprovada (Lei nº 13.800/19). O que está claro é que grande parte do patrimônio, das receitas e fontes de financiamento propostos continua sendo pública, além da própria renúncia fiscal de arrecadação prevista. Ou seja, por que não garantir o funcionamento das IFES com essas mesmas fontes públicas, sem violar a autonomia universitária?

6. Os fundos propostos não estariam submetidos à conjuntura econômica, com risco de contingenciamento (como estão outros fundos federais) ou de perdas em função de crises financeiras? Por exemplo, por que não descontingenciar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FNDCT, atualmente com 79,9% de recursos bloqueados, no valor de R$ 3,3 bilhões?

7. A proposta de impor teto de gastos com pessoal, sem saber se esse limite inclui estatutários e celetistas das Organizações Sociais, representa outro risco e insegurança, com sinal de clara diretriz de terceirização. Ressaltamos que o gasto obrigatório com pessoal tem aumentado nos últimos anos em relação ao discricionário em decorrência dos cortes sucessivos que a União tem realizado no orçamento de custeio e capital que, no momento, estão inviabilizando no progressivamente o funcionamento das IFES.

8. O documento Future-se prevê, ao menos, que dezesseis Leis devam ser alteradas, mas não apresenta: análise jurídica sobre tais alterações; manifestação da Secretaria de Patrimônio da União-SPU sobre o patrimônio imobiliário a ser disponibilizado; autorização do Ministério da Economia para desonerações e benefícios fiscais; e mesmo da Comissão de Valores Mobiliários-CVM para criação de fundos público-privados com essa complexidade e porte – o que amplia a insegurança sobre a legalidade, operacionalidade e viabilidade da proposta.

9. Por fim, a forma de Consulta adotada não está sendo realizada em acordo com a legislação vigente (Decreto nº 9.191/2017), em website do governo e com as documentações complementares exigidas. Tampouco fornece as condições e prazo para franco debate com a sociedade e com as Universidades, necessário diante da amplitude e impacto da proposta.

A Unifesp defende inequivocamente a garantia de repasse de recursos públicos –  responsabilidade da União – para a manutenção das atividades universitárias, mas nem por isso tem deixado de realizar frutíferos diálogos com a iniciativa privada em projetos específicos, extra-orçamentários.

Com o objetivo de envolver diversos segmentos da sociedade em iniciativas de relevância nacional, social e científica, temos realizado projetos de pesquisa e extensão com inúmeros parceiros; trabalhamos na captação de recursos pela Lei Rouanet para edifícios culturais e acervos da Unifesp; publicamos Chamamento Público para oito possibilidades de parcerias imobiliárias; aprovamos a política de patrocínios e doações; além de colocarmos em estudo a proposta de Fundo Patrimonial próprio. Junta-se a estes, também, os acordos de parcerias públicas com governos e a cooperação com o Ministério Público Federal e com o Fundo Nacional de Direitos Difusos. Recentemente, aprovamos nossa Política de Inovação, com base no novo Marco Legal de CTI e estamos em vias de instalar nossa Agência de Inovação, com foco em inovação social e em políticas públicas. Ainda, temos uma Fundação de Apoio credenciada e ativa, que auxilia na execução de diversas parcerias.

Ressaltamos que a Unifesp tem sido muito bem avaliada em todos rankings: acadêmicos (MEC, THE, QS), estando sempre entre terceira ou quarta melhor do país; sociais (como o THE-ODS), com grande destaque, em três objetivos a melhor do país; e, de administração, indicada em 2019 a mais eficiente no ranking federal entre 184 órgãos da Administração Direta, Autárquica e Fundacional, demonstrando nossa competência de gestão.

Feitas essas considerações, o Conselho Universitário considera que a proposta Future-se cerceia a autonomia das IFES, não aborda as questões centrais que preocupam as Universidades públicas brasileiras, possui diversas fragilidades e riscos, tornando-se, ao fim, inaceitável. E sendo assim, recusamos a proposta.

Preocupados também com o presente, reivindicamos a recomposição orçamentária do financiamento público das IFES conforme a LOA 2019, garantindo o cumprimento das obrigações constitucionais e legais do Estado Brasileiro com o Ensino Superior Público.

Assim, reafirmamos nosso compromisso com a Universidade pública, gratuita, de excelência e socialmente referenciada, que atue em todas as áreas do conhecimento – o que só pode ser efetivado com financiamento público adequado e autonomia – contribuindo com a produção científica nacional e a capacidade de compreender e enfrentar os problemas que afligem nossa população.

Conselho Universitário da Unifesp

Em sessão de 14 de agosto de 2019, aprovou a manifestação por unanimidade e uma abstenção para declaração de voto.

Acesse o arquivo da manifestação clicandoo aqui.

Lido 16677 vezes Última modificação em Segunda, 11 Novembro 2019 10:37

Mídia