Por Carine Mota
A poluição emitida pela cidade de Manaus (AM) altera o estado físico das partículas presentes na atmosfera amazônica, aumentando a fração de material particulado sólido mesmo em uma situação de alta umidade relativa do ar. O funcionamento dos ecossistemas e do clima é influenciado de acordo com a composição da atmosfera, que está ligada à concentração de gases e a presença de partículas de aerossóis, entre outros condicionantes. É o que aponta o estudo Sub-micrometre particulate matter is primarily in liquid form over Amazon rainforest, publicado no periódico Nature Geosciences no início de dezembro. A professora Luciana Varanda Rizzo, docente do Campus Diadema e uma das coautoras do estudo, responde algumas questões sobre o trabalho e o assunto.
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1. Qual o grande objetivo do projeto GOAmazon (Green Ocean Amazon)?
O objetivo geral do projeto é investigar as interações entre as emissões atmosféricas urbanas e as emissões naturais da floresta. Explicando com mais detalhe, as regiões florestais emitem naturalmente partículas e gases traço para a atmosfera, conhecidas como emissões biogênicas. Durante a época de queimadas, cujo pico ocorre em setembro, somam-se emissões de queimadas às emissões biogênicas. As regiões urbanas também emitem partículas e gases traço, mas em grandes quantidades e com características físico-químicas distintas das emissões naturais. A combinação desses diferentes tipos de emissão altera a composição da atmosfera, com potenciais impactos sobre o clima e o ciclo hidrológico regional, bem como possíveis danos ao ecossistema e à saúde humana. Assim, o projeto foi delineado para investigar essas questões.
2. De que forma a Unifesp está envolvida no projeto GoAmazon? Qual foi sua contribuição para realização do estudo e preparação do artigo?
A Unifesp está envolvida no projeto desde a sua concepção até a coleta e análise de dados experimentais, por meio da participação de docentes e estudantes do Laboratório de Clima e Poluição do Ar (LabClip) do Campus Diadema. Minha contribuição particular para o estudo consistiu na análise da relação entre o tamanho das partículas observadas em uma região de floresta e a umidade relativa do ar.
3. Como a poluição de Manaus afeta a atmosfera no local de estudo, pensando nas condições das chuvas? É possível dizer que esses efeitos podem ser parecidos em cidades de grande porte e que produzem poluentes atmosféricos?
Essa é uma pergunta bastante abrangente e que ainda está por ser respondida, com base em todo o conjunto de observações coletadas ao longo do projeto GoAmazon e em experimentos anteriores, e com a contribuição de cientistas de diversas especialidades. O que sabemos até agora é que as características das nuvens em geral dependem basicamente de dois fatores: condições meteorológicas e propriedades da população de partículas atmosféricas. As condições meteorológicas podem ser afetadas por perturbações tanto de escala global, como por exemplo mudanças climáticas e eventos de El Niño, quanto de escala regional, como por exemplo a conversão de florestas em áreas urbanas e agrícolas. As propriedades das partículas atmosféricas naturais da Amazônia são perturbadas por emissões urbanas e por emissões de queimadas, produzindo um aumento na sua concentração e alterações em diversas propriedades físico-químicas das partículas. Em particular, o estudo publicado na Nature indica que a maioria das partículas naturais da Amazônia são líquidas, e que a quantidade de partículas sólidas aumenta em massas de ar contaminadas com a pluma urbana. Este é um exemplo de alteração nas propriedades das partículas atmosféricas com potencial impacto sobre a formação de nuvens. A combinação de todas essas perturbações, tanto de condições meteorológicas, quanto de características das partículas atmosféricas, pode resultar na formação de nuvens com maior ou menor eficiência de chuva. As emissões de áreas urbanas como São Paulo também afetam as características das nuvens e sua eficiência de precipitação. Porém, no caso da região sudeste é difícil contrapor o estado perturbado com o estado natural da atmosfera, já que toda a região é influenciada por emissões antrópicas (decorrentes da atividade humana) durante o ano inteiro. A vantagem de fazer pesquisas na Amazônia é que lá, em certos momentos, ainda é possível observar a atmosfera em seu estado natural, com pouca interferência de emissões antrópicas.
4. A partir do estudo, pode-se pressupor que a poluição atmosférica das cidades e das queimadas de florestas deixam as chuvas mais pobres em nutrientes? Como isso pode prejudicar os ecossistemas, o clima e as atividades humanas?
Não, a partir desse estudo não podemos fazer inferências acerca da distribuição de nutrientes pelas chuvas. Há outros artigos que tratam mais especificamente desta questão. O artigo publicado na Nature trata da influência das emissões urbanas sobre o estado físico das partículas atmosféricas. O estudo indica que as emissões urbanas produzem um aumento na proporção de partículas sólidas em relação às partículas líquidas naturais da floresta. Essa alteração pode ter impactos tanto na formação de nuvens e eficiência de chuvas, quanto no clima, já que as partículas interagem com a luz do Sol. O estudo não trata especificamente das consequências e impactos para o meio ambiente, porém, em linhas gerais, sabe-se que:
1) As emissões urbanas em geral podem influenciar a quantidade e a duração das chuvas, com impactos para o ecossistema e para as atividades humanas.
2) As emissões urbanas de partículas influenciam o clima regional. O efeito majoritário é de resfriamento, quando a presença de partículas "devolve" o calor do sol de volta para o espaço. Mas também pode haver um efeito de aquecimento quando há presença de muitas partículas de fuligem, que absorvem o calor do sol.
3) O aumento na concentração de partículas influencia a fotossíntese em áreas florestais e agrícolas, afetando as taxas de crescimento da vegetação e a assimilação de CO2 (gás-carbônico), que é um gás de efeito estufa. Estudos indicam que, se o aumento na concentração de partículas não for excessivo, ele pode ser benéfico para a vegetação, aumentando a assimilação de CO2. Porém, se a concentração exceder um certo limite, como ocasionalmente acontece durante as queimadas, diminui a taxa de crescimento da vegetação e a produtividade agrícola.
4) As emissões urbanas podem resultar em chuva ácida, com danos à vegetação e ao patrimônio.
5) Inúmeros estudos associam emissões urbanas e de queimadas à ocorrência de doenças respiratórias e cardiovasculares.
6) As emissões urbanas e de queimadas geralmente resultam na formação de ozônio troposférico, um poluente que possui impactos sobre a saúde humana e que causa danos à vegetação.
5. Quais são os próximos passos do projeto e em que ações os pesquisadores da Unifesp estão envolvidos?
A etapa de coleta de dados experimentais encerra-se em 2015. Os docentes e estudantes do laboratório de Clima e Poluição do Ar estão atualmente envolvidos em análises relacionadas ao impacto da pluma urbana de Manaus na produção de ozônio troposférico, no clima regional e nas características das nuvens da região. Essas análises resultarão em outros artigos científicos, que serão desenvolvidos em colaboração com instituições como a Universidade de São Paulo, a Universidade Estadual do Amazonas, a Universidade de Harvard (EUA) e o Instituto Max Planck (Alemanha).