Por Juliana Narimatsu
O Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da EPM/Unifesp, referência no Brasil em pesquisas sobre os avanços do tratamento do ceratocone e do método Crosslinking corneano, manifesta sua satisfação com a inclusão dessa técnica, pouca invasiva e de baixo custo, no Sistema Único de Saúde (SUS).
A introdução desse procedimento na tabela SUS está relacionado, entre outros fatores, à Lei nº 12.401 de 2011, que estabelece padrões para a incorporação de tecnologias no sistema público de saúde. Há uma análise baseada em evidências, considerando aspectos como eficácia, efetividade e segurança, e também há uma avaliação econômica dos benefícios e dos custos quando comparados com equipamentos e procedimentos já existentes. Em agosto deste ano, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), vinculado ao Ministério da Saúde, recomendou a incorporação do Crosslinking corneano no SUS. A Portaria foi publicada na última quinta-feira (22). A técnica será incluída mediante a publicação de um protocolo de uso, que está em elaboração.
“Sem dúvida, isso é um avanço para que nossos pacientes com ceratocone recebam tratamento adequado, além de diminuir suas chances de terminar em um transplante de córnea. É uma medida com grande impacto socioeconômico: pacientes jovens poderão evitar que sejam submetidos à um procedimento mais complexo, com maior tempo de afastamento de suas atividades, maiores riscos de complicações e, consequentemente, maior custo para a sociedade”, comenta Luciene Barbosa, chefe do Setor de Doenças Externas Oculares e Córnea da Unifesp.
O ceratocone é uma doença degenerativa do olho, não-inflamatória e indolor, caracterizada pela deformidade e progressiva perda da rigidez da parte central da córnea, resultando no seu abaulamento, ou seja, ficando no formato de cone. Os sintomas são distorção e embaçamento das imagens, irritação ocular e fotossensibilidade. Segundo o “Relatório para a Sociedade”, desenvolvido pela Conitec, a incidência é de um a cada 2.000 indivíduos, principalmente em adolescentes e adultos jovens.
O tratamento, por sua vez, quando feito no início do diagnóstico, pode contribuir para a diminuição da quantidade de transplantes de córnea, procedimento recomendado em cerca de 10% a 20% dos casos de ceratocone. O distúrbio também é um dos principais motivadores desse transplante. No ano de 2014, por exemplo, dos 13.456 transplantes de córnea, 31% foram por consequência da doença – dados apresentados no relatório “Crosslinking Corneano para Ceratocone” da Conitec.
Um dos primeiros pacientes do departamento que passaram pela técnica do Crosslinking corneano. Crédito: Oftalmologia/Unifesp.
Desta forma, o Crosslinking corneano é uma alternativa benéfica, visto que possui baixo custo, quando comparado com outros métodos, e risco reduzido de complicações. É um procedimento terapêutico minimamente invasivo e rápido, com o objetivo de impedir a progressão da doença, contribuindo ainda para a prevenção ou protelação do transplante de córnea, por meio da técnica que aumenta a sua rigidez. “O tratamento apelidado de CXL é também conhecido como Cirurgia Química da Córnea e trata-se do embebimento dessa região com uma solução de Riboflavina ou Vitamina B2, seguido da aplicação de luz ultravioleta. É necessário retirar cirurgicamente uma camada fina e superficial da córnea para permitir a penetração da Vitamina B2, o que é feito por aproximadamente 30 minutos. Após o embebimento, aplica-se a luz com o paciente deitado em ambiente cirúrgico, por mais 30 minutos. Não há dor, já que a córnea é facilmente anestesiada e o incômodo da exposição à luz é tolerado até por crianças antes da adolescência”, explica Paulo Schor, chefe do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Unifesp. “Não existem outros tratamentos disponíveis para parar a progressão do ceratocone, ou seja, preventivos. Os métodos ópticos atuais, que incluem a colocação de anéis intracorneanos ou os transplantes de córnea lamelar ou total, são indicados após existir perda importante da visão, diferente do CXL, que é indicado no início da doença, quando ainda não há perda e, sim, visão boa”, complementa.
Por conta dos estudos desenvolvidos nessa área, já foram submetidos ao procedimento, realizado pelo departamento, mais de 200 pacientes. Para Schor, essa medida será uma revolução na área dos transplantes. “Já vemos publicações dando conta da redução do número de transplantes em vários centros do mundo e, levando-se em consideração que esse procedimento tem um longo prazo de recuperação, além de riscos como rejeição, infecção e astigmatismo, é uma novidade técnica que deve ser de conhecimento de toda a população. O método também deve ser reconhecido especificamente por pediatras e ginecologistas, já que o ceratocone tende a desenvolver dos 8 aos 16 anos e, em alguns casos predispostos, durante a gravidez”, pontua.