Por Matheus Campos
O principal desafio da Psiquiatria hoje é entender por quais razões algumas crianças desenvolvem transtornos mentais, enquanto outras mantêm boa saúde mental. Há evidências que esses transtornos iniciam cedo: 50% dos casos identificados no adulto já estavam presentes antes dos 15 anos. Contudo, o conhecimento disponível sobre as bases neurobiológicas e sociais dos transtornos mentais ainda é pouco incorporado na forma como são diagnosticados e tratados esses problemas de saúde.
Diante desse desafio, pesquisadores de universidades brasileiras estabeleceram diversas iniciativas e estudos para elucidar as causas neurobiológicas e sociais das principais doenças mentais. Assim nasceu o Projeto Conexão - Mentes do Futuro, ou Brazilian High Risk Cohort Study (BHRCS). Trata-se de um projeto envolvendo três universidades (Unifesp, USP e UFRGS), que já avaliou cerca de 10 mil estudantes de 6 a 22 anos de idade em riscos para transtornos mentais, a partir de 2009.
“Esse projeto é o mais importante estudo longitudinal acompanhando crianças e adolescentes em risco para transtornos mentais já realizado na Psiquiatria brasileira e um dos mais importantes do mundo, sendo citado recentemente em um artigo da Nature Communications, publicação internacional relevante na área”, enaltece Pedro Pan, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e vice-coordenador do Projeto Conexão.
O estudo
O Projeto Conexão - Mentes do Futuro investiga os aspectos do neurodesenvolvimento envolvidos nos transtornos de saúde mental na infância e na adolescência. A partir da triagem, iniciou-se a coleta de dados da primeira etapa de avaliação, realizada com 2.511 famílias em São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS). A segunda fase, seguimento de 3 anos, começou em 2013 e conseguiu reavaliar 80% da amostra.
Problemas de saúde mental já são causas líderes de sofrimento e prejuízo de vida produtiva na população mundial, se comparados a outras doenças crônicas. “Assim, novos conhecimentos sobre as bases neurobiológicas da depressão, por exemplo, poderão resultar em melhorias no diagnóstico e no tratamento”, analisa Pedro. “Ainda, entender os mecanismos que ocorrem no cérebro antes do quadro começar poderia abrir caminho para a prevenção, permitindo o uso de ações como estimular fatores de proteção, através, por exemplo, da prática de exercício físico ou de outras atividades saudáveis, e mitigar fatores de risco, o que se chama de prevenção indicada”, complementa.
A etapa seguinte do projeto, uma avaliação de seguimento dez anos, já alcançou 70% das famílias, realizando novamente avaliações com os pais e com os agora adolescentes.
De acordo com o pesquisador, os dados gerados nas fases anteriores propiciaram um avanço importante no entendimento dos processos do neurodesenvolvimento implicados nos transtornos mentais mais comuns. “O entendimento avançou em áreas como a genética, a neuropsicologia, a neuroimagem funcional e estrutural e a melhor caracterização fenotípica dos comportamentos e emoções de crianças e adolescentes. Além disso, o estabelecimento de colaborações com a comunidade científica internacional possibilitou compartilhamento de diferentes conhecimentos e técnicas - essas colaborações permitiram que os benefícios de geração de conhecimento e recursos humanos pudessem permanecer no território nacional”, explica Pedro.
Como parte desse estudo, uma subamostra de 750 crianças e adolescentes foi avaliada com o exame de ressonância magnética. Mais de 1000 exames de ressonância magnética cerebral já foram analisados. O estudo conseguiu, por meio dos resultados, identificar alvos específicos para estratégias de identificação precoce e prevenção da depressão nessa faixa etária. O estudo foi publicado no renomado periódico oficial da Associação Americana de Psiquiatria, o American Journal of Psychiatry e condecorado com o Prêmio Capes de Tese - Edição 2018 na categoria Medicina II.
O prêmio é oferecido desde 2005 para as melhores teses de doutorado aprovadas nos cursos de pós-graduação reconhecidos no Sistema Nacional de Pós-Graduação da Capes.
Estudo dos genes
Uma das vertentes estudadas no Projeto Conexão Mentes do Futuro avalia se os genes que estão associados ao Alzheimer nos idosos têm algum impacto na memória e no desenvolvimento neurológico de crianças e adolescentes.
“Para conduzir essa análise, as crianças passaram por testes genéticos, cognitivos e de ressonância magnética. Primeiro, calculamos o risco genético de cada criança de vir a desenvolver Alzheimer no futuro, baseado em resultados de estudos anteriores. Depois, comparamos os resultados desses testes de memória e o volume de áreas cerebrais entre crianças com alto risco genético e crianças com baixo risco genético”, explica o psiquiatra Pedro Pan, que colaborou com Luiza Axelrud e Giovanni Salum, da UFRGS, nesse estudo.
A pesquisa concluiu que pessoas com alto risco genético para o Alzheimer apresentam pior desempenho em testes de memória e menor volume do hipocampo, uma das áreas do cérebro mais relacionadas à memória, já na infância e na adolescência.
“O estudo sugere que o risco genético para o Alzheimer, uma doença caracterizada por alterações de memória no fim da vida, pode ter implicações já em estágios muito precoces do desenvolvimento. Isso abre a possibilidade de que mesmo doenças do fim da vida tenham uma origem no neurodesenvolvimento, uma hipótese bastante inovadora para o campo. Porém, é importante ressaltar que esses achados são iniciais e precisam ser replicados”, destaca Pan.
O estudo terá sequência. O objetivo dos pesquisadores é ver como a memória e o cérebro dessas crianças com alto risco genético para o Alzheimer continuarão a se desenvolver. “Isso pode nos ajudar a entender melhor como o risco genético para a doença afeta os comportamentos e o desenvolvimento do cérebro”, conclui Pedro Pan.