Terça, 08 Março 2022 17:34

Laboratório da Unifesp mobiliza ocupação de artistas no centro de São Paulo

UC de curricularização da extensão permitiu a estudantes uma nova abordagem em história da arte

Por Juliana Cristina

Estudantes trabalhando na montagem da exposição
Estudantes trabalhando na montagem da exposição

Desenvolvida pelo II Laboratório de mediação e curadoria da Universidade Federal de São Paulo, sob coordenação dos docentes Pedro Fiori Arantes e Vinicius Pontes Spricigo, ambos do Departamento de História da Arte da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH/ Unifesp) - Campus Guarulhos, a disciplina de extensão Ouvidor63.lab surgiu em 2021 com a proposta de abordar uma “história da arte urbana”. A disciplina permitiu integração entre estudantes do curso de História da Arte da instituição e coletivos de artistas da ocupação cultural e artística Ouvidor 63 no centro de São Paulo. “O laboratório é um espaço de experimentação prática dos estudantes de História da Arte e, por ser extensionista, pressupõe a articulação e diálogo com a sociedade. A pandemia foi um desafio e, mesmo com as atividades à distância, conseguimos que os estudantes que tivessem a possibilidade de estar em encontros presenciais desenvolvessem um projeto de curadoria, mediação e expografia junto com os artistas dessa ocupação no centro de São Paulo”, ressalta Arantes.

O projeto nasceu graças à iniciativa do estudante Marcelo Lauton, graduando do segundo semestre do curso de História da Arte e professor de artes na rede pública de ensino. Ele comenta que, com base em sua experiência de três anos tentando passar no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e por ver que a maioria das pessoas da região onde morava (bairro dos Pimentas, em Guarulhos) não tinha acesso à universidades públicas, começou a pensar em maneiras de “fazer mais”. Em seu primeiro semestre na Unifesp, Lauton visitava com frequência a Ouvidor 63, além de participar de projetos e ter criado uma relação bastante próxima com os artistas da ocupação. Ele comenta: “Eu apresentei um seminário na aula do professor Pedro sobre as ‘Contranarrativas Artísticas dos Grupos de Luta por Moradia’, e falei da Ouvidor 63, porque é uma ‘Ocupação Cultural’, algo novo para o Estado e para a sociedade, porque as pessoas não estão ali em prol de luta por moradia, por exemplo, tanto que uma das ideias é que um dia lá seja reconhecido como um ponto de estudo de arte. O Pedro adorou o trabalho, e perguntou se eu poderia organizar uma visita com os alunos, seguindo todos os protocolos de segurança e tudo o mais”. Lauton ressalta que, sob o ponto de vista antropológico, social e artístico, o projeto é um lugar muito rico e fascinante. “A partir desse ponto não sou apenas eu para fazer esse link com a Unifesp, agora são várias pessoas, e o intuito é esse!”, completa.

Em setembro de 2021 os estudantes se organizaram em grupos para realizar visitas presenciais e optativas na ocupação cultural. Isabella Mendes, membro da Comunicação do projeto e estudante do quinto semestre do curso de História da Arte, comenta: “Foi um fôlego de vida poder trabalhar dentro desse espaço! Para a gente foi muito importante, depois desses dois anos de pandemia, ter algo para trabalhar, se inspirar, algo que bombeasse vontade de viver, fazer e construir”. Os estudantes destacam que a integração com os artistas da ocupação foi construída a partir de uma relação de humildade, na qual nenhum deles se colocou em posição de superioridade por serem estudantes de uma universidade. “Em muitos dos materiais criados sobre a Ouvidor, eles mesmos relatam, as pessoas se colocaram num lugar de superioridade. O que a gente fez foi um movimento oposto, de humildade, compartilhamento e troca. Acho que a relação foi estabelecida com muito respeito e vontade de se entregar ao projeto justamente por termos chegado de maneira humilde, querendo participar e aprender com eles, se colocar num processo de troca, ao invés de só observar”, ressalta Mendes.

Os graduandos envolvidos no projeto foram divididos em grupo por abordagens, através das manifestações artísticas, e por áreas de aprendizado específico/ núcleos de trabalho de acordo com seus interesses pessoais - Expografia, Cenografia e Pré-produção; Mediação em Programas Públicos; Comunicação e Parcerias; Documentação e Produção Editorial; e Coordenação (professores, artistas, representantes dos grupos e integrantes do Programa de Aperfeiçoamento Didático (PAD/ Unifesp). Além disso, para realizar as visitas à ocupação, cada grupo tinha um “anfitrião”, um artista da Ouvidor 63 que os orientava dentro do espaço, além de sugerir pessoas que poderiam ser entrevistadas. Os estudantes comentam que pretendiam romper com a tradição na qual geralmente se estuda história da arte apenas sob o viés mais institucional, “erudito” e, como enfatiza Arantes: “Colocar em foco artistas ativistas e outsiders que estão reinventando a relação entre arte e vida”.

Entre os desdobramentos do projeto, estão as produções realizadas pelos estudantes responsáveis pela Documentação e Produção Editorial: duas edições da revista “MIRA”, a primeira com textos introdutórios sobre a ocupação e reportagens sobre os artistas da Ouvidor 63, e a segunda com trabalhos individuais dos estudantes sobre produções vistas na Bienal realizada todo ano na ocupação, na mesma época da Bienal de São Paulo; além disso, o grupo também criou perfis nas redes sociais e um site, voltado para produção de ingressos para eventos, e com espaços para publicação de artigos relacionados à arte, nos quais estudantes e artistas podem publicar. Thaíssa Machado Gonçalves, estudante do quinto semestre do curso de História da Arte e membro do grupo de Documentação e Produção Editorial, comenta: “Esse é um projeto que a comunidade também está trazendo resultados. A gente pode achar muitos artigos, trabalhos desenvolvidos em relação à ocupação Ouvidor 63, mas eles não chegam de volta para a comunidade. Diferente da MIRA, por exemplo, que está sendo uma conquista também deles; eles auxiliaram, foram anfitriões da produção. Acho importante o que estamos fazendo, entregar um projeto que eles também são autores”.

Mendes ressalta que a experiência de extensão buscou dar ao público um lugar não só de plateia, mas de protagonistas e produtores, inclusive dentro da universidade, na qual os estudantes e docentes envolvidos no projeto conseguiram abrir disciplinas do próprio curso de História da Arte para que os artistas pudessem participar e se aprofundar em áreas de interesse e/ou com as quais já trabalham. “Eles puderam participar em áreas que interessavam a eles, então temos disciplinas como História do Cinema e Fotografia, por exemplo, e lá tem muitos fotógrafos, gente que trabalha com audiovisual, então foi importante para a produção deles também”, comenta Amanda de Sousa Ferreira, estudante do quinto semestre do curso de História da Arte e membro do grupo de Comunicação e Parcerias do projeto. Ela comenta que, além dos artistas, o projeto também busca envolver e estimular a participação ativa da comunidade adjacente do campus Guarulhos da universidade, e toda a comunidade acadêmica, incluindo outros campi.

Os estudantes concordam que a importância da disciplina extensionista permite não apenas o debate e discussões teóricas e abstratas, mas algo concreto, de experimentação, em que os estudantes realmente estão fazendo acontecer. Mendes comenta: “Acho que esse projeto fala por si mesmo, ele consegue ser autônomo na sua ideia, então a gente não precisa se dar muito ao trabalho de defender ou tentar convencer as pessoas de que ele é válido, porque ele mesmo já mostra isso, já fala por si”. Atualmente os extensionistas estão organizando, em conjunto com os artistas e docentes, a exposição/ evento “Reciprocriar – poéticas entre ocupação e universidade”, na qual serão realizadas oficinas, apresentações e expostas obras dos artistas e se pretende também integrar toda a comunidade do entorno do campus Guarulhos. “O evento é um desdobramento desses que seria um projeto futuro para a gente construir com eles, a gente também gostaria de fazer novas edições da MIRA durante a extensão, e o que mais aparecer, inclusive fora dos limites da universidade, porque criamos laços com eles que vão além da Unidade Curricular”, finaliza Mendes.

Para conhecer as duas edições da revista e o site produzidos pelos membros do projeto, acesse a Revista MIRA 1ª edição – “Luta, Ocupação y Arte”, Revista MIRA 2ª edição – “Arte Cíclica” e o site do projeto.


Fotos: Amanda Ferreira

 

Lido 2715 vezes Última modificação em Terça, 24 Janeiro 2023 10:03

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