Sexta, 25 Novembro 2016 13:48

Futuro do ensino depende das lutas sociais

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Roberto Leher, reitor da UFRJ, discorre sobre principais dificuldades enfrentadas pela maior universidade federal do país

 

Da redação,

Colaborou João Gabriel

Roberto Leher, 54 anos, eleito em julho ao cargo de reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma história de vida e militância marcada pela luta em defesa do ensino público, gratuito e democrático que, no ano 2000, o conduziria ao cargo de presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes). Em entrevista ao Entrementes, o reitor Leher comenta o papel das greves no atual contexto nacional, fala sobre os desafios postos para as instituições públicas de ensino superior, suas consequências e os caminhos para enfrentar os problemas estruturais, sempre mantendo os princípios que escolheu defender ao longo de sua trajetória

Entrementes: Como a atual conjuntura - especificamente o ajuste fiscal e as medidas do governo - afeta o projeto de educação pública no Brasil?

Roberto Leher: A educação pública brasileira ainda não é uma educação universalizada, particularmente no ensino superior. Quando o ajuste fiscal incide sobre gastos sociais e, particularmente, gastos da educação, isso afeta de maneira estrutural a universidade. O ajuste fiscal traz restrições que podem levar à desarticulação de projetos de pesquisa importantes ou comprometer a participação dos estudantes em grupos de pesquisa por falta de infraestrutura: nós temos hoje um número grande de professores jovens nas universidades que não têm gabinete de trabalho.Tudo isso desorganiza a universidade, podendo acarretar prejuízos estruturais para o futuro do ensino, da pesquisa e da extensão no país.

E: Se chegou a falar em 50% de corte nas verbas da UFRJ. Esse dado é correto? Quanto foi cortado para este ano?

RL: Na realidade nós tivemos um corte de 50% de recursos de investimento e 10% de recursos de custeio. Mas esses cortes devem ser agregados aos cortes de 2014 que em geral não são muito mencionados. A UFRJ teve R$ 70 milhões contingenciados, inclusive recursos próprios, no ano passado, que fizeram com que o orçamento deste ano fosse duramente restrito, por isso chegaremos ao final deste ano com um déficit muito grande. Estamos trabalhando junto ao Ministério da Educação (MEC) para buscar uma forma de equacionar esse enorme déficit que hoje a maior universidade federal do país possui.

E: Como o corte afeta a universidade? Quais os setores serão mais afetados e quais serão priorizados?

RL: Hoje o investimento que temos que fazer em infraestrutura afeta muito diretamente a pesquisa, pois interfere na tecnologia. Os alojamentos estudantis e restaurantes universitários são insuficientes, considerando que a UFRJ traz estudantes do país inteiro – um quarto dos nossos estudantes vem de fora do Rio de Janeiro – e isso significa que nós precisamos de uma política de assistência estudantil robusta, compatível com o tamanho da instituição. Hoje não temos infraestrutura suficiente para dar suporte a muitos grupos de pesquisa que apresentam projetos, que demandam novos investimentos. Isso trava os grupos de pesquisa e cria uma situação de incerteza em relação ao futuro. Temos, hoje, uma situação muito grave, e particularmente uma expectativa dos novos professores e técnicos na universidade para os quais nós, literalmente, não temos local de trabalho para todos.

E: Vimos nos últimos anos uma política de privatização, terceirização e parcerias público-privadas na educação. Qual a consequência disso para a educação em geral e universitária especificamente?

RL: Obviamente nos preocupa o fato de que a aposta para a expansão da educação superior tenha como pressuposto que, no Brasil, ela vai ser assegurada pela ampliação da rede privada mercantil. Entretanto, essas instituições privadas são majoritariamente parte de uma engrenagem vinculada a fundos de investimento, os private equity, que são espaços de investimento de fundos de pensão de vários países, que têm como objetivo central o próprio fundo e não as instituições de ensino. Isso reconfigura de maneira radical a natureza dessas instituições privadas. Enquanto no período de 2007 a 2014 os recursos de investimento das federais foram de cerca de R$ 9 bilhões, somente em 2014 o FIES demandou R$ 13,5 bilhões do orçamento federal. Isso mostra uma prioridade muito problemática e que, ao nosso ver, tem que ser revista, pois o correto é a expansão do ensino público, pois é este que melhor responde às demandas da sociedade brasileira, da juventude, e sobretudo às demandas que a sociedade busca na universidade: uma capacidade crítica de produção de conhecimento novo e de buscar outra forma de solução dos grandes problemas que atingem os povos.

E: Agora na posição de reitor, como lidar com as greves da comunidade acadêmica em crítica a uma política que não está propriamente nas mãos do reitor, mas com a qual ele tem que lidar?

RL: A relação tem sido muito dialógica e estreita no que diz respeito à preocupação com o comum. Quando os estudantes entram em greve demandando mudanças na política de assistência estudantil; os professores, melhorias na carreira; e os técnicos administrativos, o aperfeiçoamento de carreira, da organização do trabalho, ou por serem contra os cortes orçamentários, as relações são vistas, por parte da Diretoria, como um processo de apreço à universidade; entendemos como pautas construtivas, somos solidários a ela. A Reitoria tem sua própria institucionalidade, os movimentos têm sua própria forma de auto-organização. Deve haver uma separação nítida e precisa do movimento - que deve ser sempre autônomo – e da Reitoria, mas compreendendo que essas lutas fazem parte de um processo que produz uma convergência no sentido de que todos estamos preocupados com o futuro da universidade pública.

E: Diante desse quadro que vimos, como enfrentar esses problemas estruturais partindo do conceito de educação pública pelo qual você sempre lutou?

RL: Eu creio que devemos retomar a reflexão que Florestan Fernandes fez, ao final dos anos 1980, na qual destacou que o futuro da educação pública dependeria necessariamente de um amplo protagonismo social. Os setores dominantes do Brasil têm uma visão instrumental e restrita da educação, basicamente pensada como capital humano e um capital humano para um capitalismo dependente. Ou seja, para inserção da juventude em forma de trabalho simples. Daí a ideia de que é possível formar de maneira minimalista a população. A contratendência a esse processo depende de amplo engajamento de movimentos sociais, entidades acadêmicas, movimentos sindicais, setores que estão comprometidos historicamente com a questão da educação pública, de modo que seja possível ampliar o protagonismo social e pressionar para que a educação ocupe outro lugar nas prioridades do Estado brasileiro. Esse é o grande horizonte, a formulação de Florestan com a qual estou de total acordo.

 

entrementes 12 nov 2015  Sumário do número 12

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