Carine Mota
“Estamos diante de uma geração que utiliza os meios tecnológicos como recurso principal para lidar, superficialmente, com seus problemas de relacionamento”, afirma Denise De Micheli,chefe da disciplina Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (Dimesad) do Departamento de Psicobiologia da Unifesp. Em entrevista, Denise discute algumas das características do perfil dos adolescentes usuários de internet e mídias digitais, e a possível influência desse comportamento na sua qualidade de vida. Boa parte dos dados foram obtidos a partir de uma pesquisa para dissertação de mestrado orientada por Denise e apresentada em 2014 por Fernanda Davidoff ao Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da Unifesp.
Entrementes - Há uma relação entre o aumento no uso das redes sociais com o crescimento dos casos de depressão e suicídio?
Denise De Micheli - Não há, até onde sabemos, uma relação linear. O que se percebe é que devido ao aumento no uso de redes sociais pelos adolescentes, esses estão construindo outros níveis de amizade e sociabilidade. Níveis estes considerados distantes e superficiais, sem aquisição de vínculo. Isso sim sabe-se que é muito prejudicial.
E – É possível um uso controlado das redes sociais e aplicativos de relacionamentos?
DDM -Em se tratando de adolescentes, a questão do controle é mais complicada, pois o momento que eles vivem, do ponto de vista neurobiológico, não permite ainda um controle dos impulsos e autorregulação. Nesse caso, são necessárias interferência e monitorização dos pais, por meio do estabelecimento de regras de uso e tempo.Quando se trata dos adultos, o controle também não é tão simples, embora do ponto de vista neurobiológico o adulto já tenha maior controle de impulsos. Já existem alguns estudos que mostram que a navegação na internet, como em casos de jogos, por exemplo, ativa alguns neurotransmissores (a dopamina em especial) em áreas de recompensa do cérebro e isso causa prazer. É extremamente reforçador. Neste caso, o autocontrole também acaba sendo difícil. Por essa razão já existem alguns serviços para atender dependentes de redes sociais.
E -Pessoas que buscam relacionamentos em aplicativos, portais e sites têm que tomar quais precauções?
DDM -As pessoas devem tomar muito cuidado. Uma das questões que se observa na rede é que as pessoas, em geral, expõem seu melhor lado e muitas vezes mentem ou omitem informações de acordo com sua conveniência. Esse é o maior perigo. Os pais devem monitorar os filhos, orientando-os a não manter conversas com desconhecidos, a não fornecer informações pessoais a ninguém.;
E - Quais os prejuízos do uso excessivo das tecnologias, principalmente antes de dormir?
DDM -O indivíduo que se mantém conectado antes de dormir não permite que seu corpo e mente relaxem. Não são raras as pessoas que adormecem com o celular nas mãos, por estarem conectadas e interagindo em redes sociais até tarde da madrugada. Isso impede o completo relaxamento, não permite que o indivíduo tenha as horas de sono necessárias para seu bem-estar no dia seguinte. E, com isso, tem-se uma pessoa cansada física e mentalmente.
E - Como os pais podem orientar seus filhos ao utilizarem as redes?
DDM -Uma conversa transparente e verdadeira é sempre o melhor caminho. Explicar os perigos reais que crianças e adolescentes podem correr ao se exporem, mantendo contato com estranhos na internet, é sempre o melhor a se fazer. Os jovens precisam entender as razões pelas quais eles não devem se conectar a estranhos. Caso contrário, não fará sentido esse alerta e certamente irão burlar ou infringir as regras. Eles devem saber que podem correr perigo ao passar informações pessoais, como endereço, telefone, entre outras coisas.
E - Por que atualmente os jovens e adultos têm mais dificuldade para interagir fora do mundo virtual?
DDM Cada vez mais as pessoas apresentam dificuldades em lidar com seus sentimentos e dificuldades. A internet e as redes sociais acabam alimentando essa dificuldade, uma vez que proporcionam um contato à distância e de forma superficial. Hoje muitos adolescentes iniciam e terminam um relacionamento por meio do WhatsApp, e com isso não estabelecem vínculos, tampouco vivenciam a expectativa do sim do início do namoro e nem a tristeza do término. Tudo fica banal e simples, não se lida com sentimentos.
E - Como os pais podem perceber que seus filhos sofrem cyberbullying e como os jovens podem se proteger dessas agressões?
DDM - Os pais devem sempre estar atentos a qualquer manifestação de comportamento diferente dos filhos, seja para o lado do isolamento e depressão, seja para o lado da euforia e extroversão. Qualquer um dos extremos deve ser observado com atenção.
E - Quais fatores do cyberbullying fazem os jovens chegarem ao ponto de pensarem no suicídio?
DDM - O jovem que pensa em suicídio já vivencia uma situação interna emocional grave. O cyberbullying somente vem a agravar a situação.
O número de usuários de telefones móveis cresceu 7% no Brasil de outubro de 2014 para março de 2015, correspondendo a quase 39 milhões de novos adeptos. O país é líder global em maior tempo gasto nas redes sociais e elas atendem a uma demanda social 60% maior que a média mundial.
São gastos em média 21 minutos em cada rede, tempo 60% maior que a média mundial; 650 horas nas redes sociais/mês e 290 horas a mais nelas do que navegando em portais. Segundo a ComScore, o sistema Android corresponde a 72% do acesso móvel dos brasileiros, seguido por 15% do sistema IOS.
O percentual de brasileiros de 10 anos ou mais que são usuários de internet chegou a 55%, o que corresponde a 94,2 milhões de usuários. A atividade mais realizada pelos usuários nos três meses anteriores à pesquisa é o envio de mensagens instantâneas, como por exemplo o chat do Facebook, Skype ou WhatsApp (83% dos usuários de internet). A participação em redes sociais figura entre as ações mais citadas, com 76%.
Os dados são da 10ª edição da pesquisa TIC Domicílios, divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).