Carine Mota
Multiplicação de aplicativos, chats e redes dedicadas a relacionamentos coincide com o crescimento global da solidão, depressão e de taxas de suicídio entre jovens O mundo contemporâneo apresenta um paradoxo: a internet multiplica quase ao infinito as possibilidades de encontros entre pessoas, ao passo que também há uma epidemia global de casos de solidão, depressão e aumento no surgimento de doenças psíquicas. Algumas são versões de aflições antigas, apenas renovadas pela era da banda larga móvel. Outras são específicas dos novos tempos. São bem conhecidas, e usadas por milhões, as redes sociais, aplicativos, chats, portais e sites de relacionamentos, como o Facebook, Tinder, Happn, Flert, DateMe, Par Perfeito, Namoro On, Pof e muitos outros. Há também aplicativos mais especializados - como o Coroa Metade, Amor de Peso, Scruff, Grindr, Namoro Estável - que oferecem opções variadas, por exemplo, para pessoas com idade acima de 40 anos, obesos, homossexuais, funcionários públicos ou para aqueles que buscam relacionamentos casuais.Mas, o isolamento físico, típico do usuário que fica horas diante da tela do computador, contribui para piorar os sentimentos de depressão e solidão.
Um estudo realizado em 2012 pelo Human-Computer Interaction Institute, da Carnegie Mellon University, dos Estados Unidos, com 1,2 mil usuários do Facebook, aponta que o uso excessivo da rede social acentua a solidão. Especialistas alertam para o fato de que há uma diferença entre a palavra solidão e estar sozinho. Estar sozinho é uma escolha e a pessoa sente prazer nisso. Já a palavra solidão expressa algo mais profundo, o estado de quem se acha ou se sente solitário. Já o psiquiatra Aderbal Vieira Jr., professor e pesquisador da Unifesp, nota que nem toda tristeza é depressão. “A depressão não é qualquer estado de angústia, e nem a internet é um transtorno etiológico que causa a depressão. Mas uma pessoa tímida que usa a internet pode ser depressiva”.
Segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio já é a segunda principal causa de morte em todo mundo para jovens de 15 a 29 anos (1,3 milhão morrem no mundo anualmente, vítimas de causas evitáveis ou tratáveis). No Brasil, o índice é de 6,9 casos para cada 100 mil habitantes, relativamente baixo, se comparado aos países que lideram o ranking - Índia, Zimbábue e Cazaquistão, com mais de 30 casos. O Brasil é o 12º na lista de países latino-americanos com mais mortes desse tipo. O número de mortes nessa faixa etária só perde para acidentes de trânsito (11,6%); já para os casos de suicídio a porcentagem é de 7,3%. De acordo com a OMS, 800 mil pessoas tentam se matar todos os anos – para cada morte há pelo menos outras 20 tentativas fracassadas.
A chefe da disciplina Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas da Unifesp (Dimesad) Denise De Micheli afirma que não há uma relação linear entre o uso exacerbado de redes sociais com o aumento no número de suicídios (veja a entrevista, na página ao lado). Renato Cruz, jornalista e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, diz ser difícil estabelecer uma relação de causa e efeito entre as tendências ao aumento do uso de redes sociais e os casos de depressão e de suicídio. “Uma não é correlação da outra. Tem que estudar a metodologia das duas causas”.
Uma tese de mestrado, apresentada em 2014 por Fernanda Davidoff ao Programa de Pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da Unifesp, reportando uma pesquisa com 264 estudantes entre 13 e 17 anos, revela que 68% sofrem de dependência moderada em relação às tecnologias atuais (como smartphones, tablets e internet), enquanto que 20% são dependentes graves. “Possivelmente, estamos diante de uma geração que utiliza os meios tecnológicos como recurso principal para lidar, superficialmente, com seus problemas de relacionamento”, conclui Denise, orientadora da pesquisa.
Erica Queiroz, consultora em relacionamentos, conheceu seu atual marido em uma rede social há 8 anos. A consultora escreveu um livro e mantém um blog para ajudar pessoas a encontrar sua alma gêmea. “As pessoas sempre têm que se precaver, coletar o máximo de informações que puderem sobre a pessoa em questão e passá-las para alguém, por segurança. Também marcar o primeiro encontro em um local público, cheio de gente”, ressalta.
Outra usuária conheceu seu marido há quase 3 anos em um chat. A conversa passou para o Facebook e depois para o Skype, onde podiam se ver e se falar. “Acredito que nosso relacionamento deu certo porque nos aproximamos por interesses em comum e a química acabou ficando para um segundo momento”, conta. Hoje ela mora com o parceiro e eles têm um filho de dois anos. Apesar disso, reconhece que há uma certa tendência de pessoas com problemas de relacionamento usarem a internet como refúgio. A usuária recomenda desconfiar e usar a intuição, pesquisar muito sobre a pessoa antes de encontrá-la pessoalmente. Uma boa opção é utilizar ferramentas de vídeo para se comunicar.
No Brasil, onde é vertiginoso o crescimento do uso das redes sociais (veja o box, na página ao lado), há uma crescente apreensão, por parte de pais e responsáveis, sobre a exposição de crianças e adolescentes. Uma pesquisa feita por uma agência especializada, a TIC Kids Online Brasil, mostra que 35% deles se preocupam com o desempenho escolar, 23% com um eventual tratamento abusivo por outras crianças, 32% com a exposição a conteúdos inapropriados e 41% com a abordagem de estanhos.
De janeiro a junho de 2014, 108 casos de exposição de imagens íntimas (prática criminosa chamada de sexting) foram registrados no país, segundo dados da ONG SaferNet (organização que trabalha no enfrentamento de crimes e violações aos direitos humanos na internet).No mesmo período, em 2013, houve39 ocorrências. O aumento não se deve necessariamente ao número de incidentes,e sim ao aumento das denúncias. A maioria das vítimas é composta de mulheres (77,14%), das quais 35,7% são adolescentes com idades entre 13 e 15 anos e 32,1% são jovens adultas de 18 a 25 anos. “A internet cria a possibilidade de alguém mandar uma foto, provocar o vazamento e gerar uma situação traumática. Possibilita a atitude inconsequente, mas não é causa”, alerta Aderbal Vieira Jr.
A violência praticada contra alguém por meio da internet, uma conduta repetida, persistente e recorrente recebe a denominação de cyberbullying (assédio virtual). Uma pesquisa de 2014 da SaferNet aponta que 12% dos jovens entrevistados, com idade entre 18 e 23 anos, já sofreram bullying nas redes sociais, 35% já tiveram um amigo que sofreu e 49% têm medo que esse tipo de violência aconteça com eles.
Uma mensagem disponibilizada de forma acidental não caracteriza cyberbullying. Segundo Raquel Lemos, professora e consultora jurídica, há também uma diferença dessa ação entre jovens e adultos. “Essa violência está muito vinculada a jovens e crianças. Já nos adultos se chama assédio moral”. Raquel observa, ainda, que o trauma provocado pelo ataque é agravado pela falta de ambiente para discuti-lo dentro de casa. “É importante ter diálogo, pois no ambiente doméstico ainda há muito constrangimento”, afirma. Em qualquer caso de cyberbullying é necessário recorrer a ajuda do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC).