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Nanoexplosivos contra vírus e bactérias

Energia liberada por moléculas de dodecanitrofulereno poderia vir a ser empregada para destruir micro-organismos nocivos à saúde humana, inclusive o vírus da Aids

 

Da Redação
Com a colaboração de Patricia Zylberman

Entreteses04 p101 buckybomba

À esquerda, buckyminsterfulereno ou C60 (puro), chamado também de buckybola
Acima, buckybomba com seus grupos energéticos NO2. Os átomos de carbono, nitrogênio e oxigênio estão respectivamente representados nas cores verde, azul e vermelha. Ela forma o menor explosivo já criado

Diferentemente do que afirma o senso comum, as bombas não existem somente para finalidades bélicas. Algumas poderiam funcionar de modo a atender a necessidades médicas, como é o caso dos dodecanitrofulerenos [C60(NO2)12], também designados como buckybombas.

Idealizadas pelos professores Eudes Fileti e Vitaly Chaban, do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT/Unifesp) - Campus São José dos Campos, em conjunto com o professor Oleg Prezhdo, da Universidade de Southern California, as buckybombas são derivadas do buckyminsterfulereno (ou simplesmente C60), composto cujo nome homenageia o arquiteto Richard Buckyminster Fuller e é usualmente denominado buckybola.

“Nesse derivado que propusemos, a superfície do C60 é modificada pela adsorção de grupos energéticos (nitratos ou NO2). [Adsorção é o processo em que um fluído adere à superfície de uma substância e é retido por ela.] Um material similar, convencional, já bastante comercializado e usado em diversas aplicações industriais, é o combustível nitrometano”, afirma Fileti. A pesquisa – que, no Brasil, é financiada pela Fapesp, CNPq e Capes e, no exterior, pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos – teve início após o período em que esses professores focaram seus trabalhos nas nanoestruturas de carbono. Segundo o pesquisador, tais estruturas constituem um dos pilares da nanotecnologia, já estando presentes em diversos produtos comerciais como cosméticos, revestimentos e materiais esportivos.

Entreteses04 p102 pesquisadores

Da esquerda para a direita, os professores Eudes Fileti (Unifesp), Oleg Prezhdo (University of Southern California) e Vitaly Chaban (Unifesp)

“A ideia de transformar uma dessas nanoestruturas, o buckyminsterfulereno, em um material altamente energético surgiu de forma natural, ao analisarmos as diversas possibilidades de modificação da estrutura desse material”, esclarece Fileti. Algumas modificações levam o C60 à solubilidade, outras à biocompatibilidade. Mas o resultado mais positivo foi a obtenção de um material altamente energético, que pode explodir quando estimulado além de uma temperatura crítica – no caso, cerca de 1.000 K (700°C). Este seria, então, o exemplo do primeiro explosivo em nanoescala. Tal proposta – desenvolvida por simulação em computador – foi muito bem aceita pela comunidade científica e foi divulgada em diversas publicações internacionais, como as revistas New Scientist e Physics Today.

A produção dos nanoexplosivos passa por um processo químico denominado nitração, que consiste na adsorção de grupos de nitratos sobre a superfície do fulereno. Pressupõe-se que – de modo semelhante à dinamite, inventada por Alfred Nobel – as buckybombas realizem sua explosão pela propagação de reações químicas exotérmicas, ou seja, mediante um processo no qual há maior liberação de energia, em forma de calor, para o meio externo do que absorção. “Essas reações são favorecidas, exatamente, pela presença do grupo funcional nitrato”, explica o professor.

Para comprovar a explosão do dodecanitrofulereno [C60(NO2)12], os pesquisadores precisaram simular a temperatura de 1.000K (700°C) por 70 a 250 picossegundos. Um picossegundo, abreviado por ps, equivale a 10-12 do segundo. A partir de então, os grupos presentes de NO2 passam a rearranjar-se com os átomos de C60. Logo após, os compostos de C60 perdem elétrons e suas estruturas são modificadas; então, a molécula desintegra-se em vários pedaços de carbono diatômico (C2). Ao fim, resta uma mistura de gases, que incluem CO2, NO2, N2 e C2.

Quando o processo é finalizado, uma grande quantidade de calor é liberada; no primeiro picossegundo a temperatura vai de 1.000K a 2.500K. Nesse ponto, a molécula torna-se instável; nos 50 picossegundos seguintes, a temperatura chega a 4.000K, quando a pressão pode alcançar um valor equivalente a 10 mil vezes a pressão atmosférica. Com esse experimento, os cientistas comprovaram que o calor e a energia são fornecidos pela alta intensidade das energias covalentes, provenientes das ligações dos átomos de carbono no grupo C60. Quanto mais NO2 for adicionado à reação, maior a quantidade de energia fornecida durante as explosões.

Atualmente, as buckybombas ainda estão em fase de experimentação e as reações que elas poderiam desencadear estão sendo realizadas pelos pesquisadores somente em computador. Isso é possível porque os programas de simulação fornecem ferramentas virtuais que permitem observar uma grande variedade de processos de detonação do explosivo sem qualquer perigo e a um custo muito menor.

Por ser um explosivo em nanoescala, as buckybombas seriam de grande utilidade se aplicadas para destruir os vírus, bactérias e outros micro-organismos nefastos, bem como as células cancerígenas – neste caso, substituiriam tratamentos químicos prejudiciais à saúde. É necessário ressaltar, entretanto, que nenhum experimento com seres vivos foi realizado nesse campo até o presente. “Os mecanismos químicos subjacentes poderiam oferecer um controle de alta precisão sobre a liberação de energia. Seria possível, por exemplo, gerar uma temperatura local extremamente elevada e exterminar um vírus como o da Aids”, pondera Fileti.

Richard Buckyminster Fuller (1895 – 1983)

Entreteses04 p102 Richard Buckyminster Fuller

O buckyminsterfulereno foi assim batizado em homenagem ao arquiteto estadunidense Richard Buckyminster Fuller, criador de formas geométricas que têm permitido criar modelos utilizados em áreas científicas, os quais incluem a estrutura dos vírus, os quase-cristais e o próprio C60.

Fuller nasceu em 12 de julho de 1895, na cidade de Milton (Massachusetts, EUA). Ao longo da carreira, teve uma importante atuação na área de sua especialidade, na Filosofia e, principalmente, nas ciências. Em suas obras buscava antecipar – e solucionar por meio da tecnologia – os problemas que a humanidade poderia vir a enfrentar. Publicou 28 livros e foi considerado doutor honoris causa por diversas instituições ligadas às Ciências da Natureza, Engenharia, Artes e Ciências Humanas.

Nos anos 1950, projetou a importante cúpula geodésica, uma estrutura esférica formada por triângulos, que apresenta, segundo estudiosos, uma extraordinária resistência e leveza em relação a seu tamanho. Essa cúpula, que constitui uma obra-prima da arquitetura, pode ter qualquer dimensão desde que o tamanho de suas barras seja calculado corretamente.
Fuller faleceu em 1.° de julho de 1983.

Entreteses04 p103 cupula geodesica

A cúpula geodésica idealizada por Richard Buckyminster Fuller é uma estrutura esférica formada por triângulos. É notável a similaridade dela com a mólecula buckybola, que recebeu a denominação de buckyminsterfulereno em homenagem ao arquiteto mencionado

Artigos relacionados:

CHABAN, Vitaly V.; FILETI, Eudes Eterno; PREZHDO, Oleg V. Buckybomb: reactive molecular dynamics simulation. The Journal of Physical Chemistry Letters, Washington, DC, v. 6, n. 5, p. 913-917, 2015. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2015.

FILETI, Eudes Eterno; CHABAN, Vitaly V.; PREZHDO, Oleg V.  Exploding nitromethane in silico, in real time. The Journal of Physical Chemistry Letters, Washington, DC, v. 5, n. 19, p. 3415-3420, 2014. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2015.

FILETI, Eudes Eterno; CHABAN, Vitaly V.  Imidazolium ionic liquid helps to disperse fullerenes in water. The Journal of Physical Chemistry Letters, Washington, DC, v. 5, n. 11,  p. 1795-1800, 2014. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2015.