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Problemas causados pelo consumo custam 7,3% do PIB

Além de ser a primeira causa evitável de doenças, o álcool traz relevantes problemas sociais, causando prejuízo nas funções laborativas, além de gastos com emergências clínicas e psiquiátricas decorrentes do seu uso. Essa característica está intimamente ligada ao fato de o álcool ser culturalmente aceito em diversas sociedades e de ser uma droga lícita, afirmam pesquisadores do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad). De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se uma perda de 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em decorrência de problemas relacionados ao álcool, ou seja, cerca de R$ 372 bilhões em 2014. Incluem-se, entre outros prejuízos para a economia, os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com o tratamento de doenças associadas ao uso de álcool e às perdas da capacidade de trabalho em decorrência de acidentes de trânsito provocados por motoristas bêbados, desemprego e afastamento do trabalho custeado pela Previdência Social.

Homem deitado ao lado de um copo de uísque, a fotografia é escura

Colaboraram neste artigo
Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp: Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid)
Departamento de Psicobiologia da EPM/Unifesp: Unidade de Dependência de Drogas (Uded) e Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias (Nepsis), setores que são da Disciplina de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (Dimesad)
Departamento de Psiquiatria da EPM/Unifesp: Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad), Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Inpad/CNPq)

47 milhões de anos de vida são perdidos por incapacitação, diz OMS

A dependência de álcool é um dos quatro principais problemas relacionados ao trabalho. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 47 milhões de anos de vida são perdidos por incapacitação atribuídos ao seu consumo. O número anual de mortes diretamente relacionadas à substância, em todo o mundo, é de 774 mil pessoas, além de sua associação com acidentes automobilísticos, episódios de violência e agressão, atividade sexual não planejada e conflitos com a lei.

O uso do álcool está presente na nossa estrutura social, estando relacionado a momentos festivos e religiosos e, nos tempos atuais, estimulado por interesses econômicos. É a substância psicoativa lícita mais consumida no mundo e também uma das mais prejudicais à saúde pública, tanto em termos de morbidade como mortalidade. Das mortes atribuídas ao álcool, quase metade deve-se a acidentes (como afogamentos, queimaduras, intoxicações e quedas) ou a atos deliberados de violência contra si mesmo ou outros. Segundo o Relatório Global sobre Álcool e Saúde de 2014 da OMS, o álcool é consumido praticamente em todo o mundo.

Segundo estimativas, pessoas com 15 anos ou mais consumiram em torno de 6,2 litros de álcool puro em 2010 (equivalente a cerca de 13,5g por dia). No Brasil, estimava-se, na época, um consumo total de 8,7L por pessoa. Homens consumiam 13,6L por ano e mulheres 4,2L. Eliminados os abstêmios, a média sobe para 15,1L de álcool puro.

O uso nocivo de álcool destaca-se entre os fatores de risco de maior impacto para a morbidade, mortalidade e incapacidades em todo o mundo, estando associado a quase 6% de todas as mortes. Além disso, 22% dessas doenças e incapacidades estão relacionadas a violências interpessoais.

O consumo nocivo de bebidas alcoólicas, especialmente durante os episódios de intoxicação, está associado ao risco para a perpetração de atos violentos, incluindo homicídios, crimes sexuais e violência familiar. O abuso de álcool por agressores e/ou vítimas está presente em 30% a 70% dos casos de estupro. Uma proporção bastante variável de mulheres abusadas sexualmente (30 a 55%) refere história regular de uso de álcool e de outras substâncias. Estudos apontam para uma grande frequência de abuso e dependência de álcool entre mulheres vítimas de agressão sexual familiar, segundo as quais seus agressores estavam sob a influência de álcool em 53,3% dos casos.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Referência em Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, apurou que adolescentes que bebem excessivamente são influenciados pelo consumo dos pais. A pesquisa envolveu mais de 500 pacientes entre 12 e 17 anos, dos quais 86% são do sexo masculino. Desses, 256 afirmaram ter parentes que também fazem uso abusivo de álcool. O estudo mostra ainda que 4,36% dos entrevistados referem o álcool como droga que mais consomem. Dos entrevistados que apontaram o álcool como droga principal, 22% começaram a beber aos 13 anos de idade e 15% aos 11 anos.

Os efeitos do uso nocivo de álcool representam um relevante fardo na economia, uma vez que geram gastos públicos para o sistema de saúde, judiciário e de outras instituições. Estima-se em 30% as taxas de absenteísmo e de acidentes de trabalho causadas por dependência de álcool na Costa Rica. Na França, os acidentes de trabalho ocasionados pelo uso de álcool atingem números que variam de 10% a 20% do total de acidentes dessa natureza ocorridos no país.

• Dartiu Xavier da Silveira, Thiago Marques Fidalgo, Adriana Moro Maieski, Claudia Chaves Dallelucci – Proad

Binge potencializa os efeitos entre os jovens

A gravidade das consequências do consumo de álcool depende da frequência e das quantidades consumidas. Um padrão de consumo de risco que tem despertado interesse internacional e que nos últimos anos começou a ser investigado no Brasil é denominado de Binge Drinking (BD) ou “beber em binge”. Esse padrão é caracterizado pelo consumo de, no mínimo, quatro doses de álcool em uma única ocasião por mulheres e cinco doses por homens. Os episódios de uso abusivo agudo de álcool não apenas têm influência na mortalidade geral, mas contribuem para desfechos agudos como acidentes e agressões. O BD está associado a maiores índices de abuso sexual, tentativas de suicídio, sexo desprotegido, gravidez indesejada, overdose alcoólica, quedas, gastrite e pancreatite.

O álcool é a droga mais consumida pela população brasileira e, apesar de ser uma droga lícita, sua venda e consumo não são permitidos para menores de 18 anos. Apesar disso, estudo realizado pelo Cebrid, em 2010, em uma amostra nacional de estudantes de ensino fundamental e médio nas 27 capitais brasileiras, evidenciou que não só os adolescentes bebem, como o seu padrão mais comum é o BD. Cerca de três em cada dez adolescentes relatou que este comportamento ocorreu pelo menos uma vez no ano anterior à pesquisa.

O fato de uma criança experimentar bebida alcoólica na infância, mesmo que apenas um gole, aumenta em quase 60% a chance de ela ser uma praticante do beber em binge na adolescência. Além disso, este comportamento está associado a questões parentais, como a falta de percepção de punição. Adolescentes que acreditam que não serão punidos apresentam 2,2 vezes mais chance de se engajarem em binge na adolescência. Além disso, ser filho de mãe que bebe com frequência e estar em uma escola particular também aumentam a chance desta prática. Por fim, é mais comum que o binge ocorra entre adolescentes mais ricos. A associação entre classe socioeconômica e binge é mais forte nas regiões norte e nordeste do Brasil.

O BD também é o comportamento de risco mais prevalente em baladas em São Paulo. Estudo realizado em 2013, entre baladeiros dos mais diferentes perfis, evidenciou que cerca de 30% dos entrevistados saiu do estabelecimento com dosagem no sangue equivalente à prática de binge. O BD, nas baladas, multiplica por 9, para homens, e por 5, para mulheres, a chance de que ocorra um “apagão”, ou seja, que eles não saibam o que ocorreu após a saída do estabelecimento, quando comparados a baladeiros que beberam, mas não praticaram o binge.

As festas open bar favorecem este comportamento em ambos os sexos. O fato de cobrarem uma quantia fixa (em geral, baixa) e permitirem que o frequentador beba quanto quiser, “até cair”, faz com que este se sinta compelido a ingerir o máximo que pode. É crucial, por isso, que a sociedade debata a adequabilidade deste tipo de festas.

• Zila van der Meer Sanchez Dutenhefner – Cebrid

No Brasil, cresce a taxa de usuários frequentes

O Brasil tornou-se um dos principais mercados de substâncias psicoativas legais e ilegais. O aumento da renda per capita de uma nação é geralmente acompanhado por um elevado consumo de substâncias recreativas. Uma combinação de fatores, tais como uma indústria não regulamentada, um grande mercado e uma rede ampla e organizada de drogas ilícitas, pode levar a um resultado negativo e facilmente previsível. A obtenção de dados epidemiológicos é fundamental para estabelecer estratégias nacionais e locais para a prevenção, tratamento e controle do uso dessas substâncias.

No Brasil, como em muitas economias emergentes, há uma grande disponibilidade de álcool, graças à profusão de pontos de venda, à falta de regulamentação quanto a horários permitidos para sua comercialização e preços relativamente baixos. Embora as taxas de abstinência continuem idênticas nos últimos 6 anos (48% em 2006 e 52% em 2012, diferença não significativa), houve um aumento de 20% na proporção de bebedores frequentes (que bebem uma vez por semana ou mais), que subiu de 45% para 54%. Destaca-se um aumento maior entre as mulheres, de 29% em 2006 para 39% em 2012. Entre 2006 e 2012, houve um aumento significativo do consumo no padrão binge (5 ou mais doses na mesma ocasião), que passou de 45% para 59% entre bebedores.

Fotografia da equipe Uniad, aparecem seis mulheres e três homens. Eles estão na calçada, em frente a placa de identificação do local - Uniad/Inpad

Clarice Sandi Madruga, ao centro, com a equipe da Uniad/Inpad

Outra maneira de avaliar a forma como a população ingere álcool é calcular a distribuição do volume consumido: 5% dos adultos que mais bebem são responsáveis pela ingestão de 24% de todo álcool consumido por adultos e os 10% que mais consomem por 45%. A maioria (80%) da população bebe menos da metade (44%) de todo o álcool consumido no país e 20% bebem 56%.

O início do consumo do álcool na população jovem ocorre pouco abaixo dos 15 anos (3 anos antes da idade permitida por lei). Não há diferença entre os sexos na etapa inicial. Praticamente metade dos jovens consome álcool, e esta taxa é de 26% entre os menores de idade. Grande parte dos adolescentes e jovens que relataram beber fazem uso nocivo de álcool (em forma de binge).

A associação do consumo de álcool com violência é largamente conhecida. Contudo, a disponibilidade de dados referentes a este fenômeno ainda é escassa no Brasil. Na segunda edição do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), observou-se que 8% da população possuía pelo menos uma arma de fogo. Entre homens, a prevalência de andar armado era de 5% e esta proporção aumenta quando analisamos esse comportamento entre bebedores problemáticos (com abuso ou dependência de álcool), chegando a 10.3% entre adultos jovens (com menos de 30 anos de idade).

A proporção de homens que relatam terem se envolvido em alguma briga com agressão física, em 2015, aumenta exponencialmente quando são considerados fatores de risco, como uso de álcool e de substâncias ilícitas.

O consumo do álcool também aumenta a tendência a comportamentos agressivos, nas ruas e dentro de casa. A violência física na infância é um grande problema. Crianças que sofrem abuso precocemente têm maiores chances de desenvolverem doenças psiquiátricas e de se tornarem usuárias problemáticas de álcool e drogas ilícitas na vida adulta. O II Lenad constatou que dois a cada dez brasileiros já sofreram algum tipo de violência física na infância. Destes, em 20% dos casos a vítima relatou que o abusador havia ingerido alguma bebida alcoólica na situação de abuso.

Cerca de 6% dos brasileiros relataram terem sido vítimas de agressão física por seu parceiro(a). Observou-se relação com o consumo de álcool na metade destes casos.

• Clarice Sandi Madruga, Ilana Pinsky, Marcelo Ribeiro, Ronaldo Ramos Laranjeira, Sandro Mitsuhiro, Sergio Duailibi - Uniad/Inpad

Associação perigosa

A partir da década de 1990, aumentou o consumo de álcool associado a bebidas energéticas. Os primeiros estudos científicos controlados, em seres humanos e em animais de laboratório, sobre esta interação foram realizados no início dos anos 2000, pelos pesquisadores Sionaldo Eduardo Ferreira e Maria Lucia O. S. Formigoni. Eles demonstraram que as bebidas energéticas aumentam o efeito estimulante do etanol e potencializam a sensibilização (o efeito se torna progressivamente maior com uso crônico). Além disso, as bebidas energéticas induziram estimulação em animais que não apresentavam este efeito após a administração de etanol isoladamente. Se o mesmo ocorrer em seres humanos, o uso desta associação poderá levar a um aumento da proporção de pessoas com problemas associados ao uso de álcool. Usuários brasileiros relataram recorrer à combinação para reduzir os efeitos de sonolência e amplificar os efeitos estimulantes do álcool. Entretanto, foi demonstrado que embora a sensação subjetiva de embriaguez seja atenuada, os prejuízos na coordenação motora permanecem inalterados – ou seja há uma falsa sensação de estar menos bêbado, o que pode levar uma pessoa a julgar erroneamente que estaria em condições de dirigir ou realizar outras tarefas que requerem sobriedade.

Estudos realizados em outros países mostram que os sintomas de dependência surgem mais precocemente em jovens universitários que fazem uso de bebidas alcoólicas associadas a energéticos quando comparados àqueles que utilizam somente álcool em quantidades e frequência similares.

Efeitos prejudiciais do beber

32% dos adultos que bebem referiram já ter sido capaz de conseguir parar depois de começar a beber (21,8 milhões de pessoas).

10% referiram que alguém já se machucou em consequência do seu consumo de álcool (6,6 milhões de pessoas).

8% admitem que o uso de álcool já teve efeito prejudicial no seu trabalho (7,4 milhões de pessoas).

4,9% dos bebedores já perderam o emprego devido ao consumo de álcool (4,6 milhões de pessoas).

9% admitem que o uso de álcool já teve efeito prejudicial na sua família ou relacionamento (12,4 milhões de pessoas).

A fotografia mostra copos de chopp e outra bebida em uma mesa de bar

Medidas preventivas alcançam melhores resultados

O fato de o álcool ser uma substância legalizada e com poucas restrições quanto à sua comercialização contribui para a disseminação de uma falsa ideia de que ele não causaria sérios problemas. Além disso, apesar de haver uma legislação adequada, o mesmo não se aplica à sua fiscalização. A despeito de uma rigorosa lei de trânsito, que prevê punição para quem dirige sob qualquer nível de álcool no sangue, o Brasil ainda é recordista no número de acidentes e vítimas fatais associadas ao uso da droga.

As consequências desse uso são bem heterogêneas e variam em diversos países (questões culturais, econômicas, etc.). Segundo os dados do Relatório Global sobre Álcool e Saúde, da OMS, publicado em 2014, muitas destas mortes são decorrentes de acidentes, assassinatos ou suicídios e estão aumentando na maioria dos países monitorados. Além disso, na Rússia e em países do leste europeu, uma em cada cinco mortes de homens está relacionada ao uso de álcool, sendo esta substância associada a 8% das mortes de indivíduos entre 15 e 29 anos. Aproximadamente 3,3 milhões de mortes por ano, no mundo, estão relacionadas ao abuso de álcool, sendo 30% decorrentes de cirrose hepática.

No Brasil, alguns estudos indicam que 35% dos motoristas afirmam fazer uso de bebidas alcoólicas antes ou durante o ato de dirigir. Estudantes que ingeriram, pelo menos, uma dose de álcool tiveram uma chance quatro vezes maior de pegar carona com um motorista alcoolizado. Aqueles que relataram utilizar mais de cinco doses apresentaram uma chance cinco vezes maior de se envolverem em acidentes automobilísticos.

Os impactos do uso de álcool são consideráveis na sociedade. Por exemplo, há alguns anos, um grupo de pesquisadores da Unifesp analisou 726.429 internações hospitalares decorrentes do uso de substâncias psicotrópicas entre os anos de 1988 a 1999 e observou que o uso abusivo de álcool era responsável por 90% daquelas internações. Apesar dos dados alarmantes, segundo a OMS, até o início do ano 2000, somente 34 países adotavam oficialmente algum tipo de política para reduzir os danos provocados pelo uso do álcool. Existem poucas ações de prevenção com resultados comprovados cientificamente. O antigo modelo, baseado no amedrontamento, apresenta baixa efetividade e adesão.

As mais recentes linhas preventivas mostram melhores resultados na medida em que focam em habilidades, qualidade de vida e redução de riscos relacionados ao consumo. Na perspectiva de redução de riscos (potencial de dano), o projeto School Health and Alcohol Harm Reduction Project (SHAHRP), desenvolvido na Austrália pela professora Nyanda McBride, do National Drug Research Institute e adaptado na Irlanda do Norte, tem sido apontado como efetivo para mudança de comportamento e latência dos resultados ao longo dos anos. O projeto é conduzido por professores em dois anos subsequentes, com oito sessões/aulas no 1º ano e cinco sessões no 2º ano. As atividades são interativas e informativas, com técnicas de role-playing e exercícios de tomadas de decisões focadas na redução de riscos do álcool. No Brasil, com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto SHAHRP foi adaptado e avaliado em escolas particulares, recebendo o nome de Programa de Estímulo à Saúde e Redução de Riscos Associados ao Uso de Álcool Aplicado a Ambientes Educacionais (Perae). No primeiro ano, o programa foi aplicado pela equipe do Nepsis em quatro escolas, atingindo 266 alunos do oitavo ano do ensino fundamental. Com apoio do CNPq, está em curso um estudo exploratório para avaliar as adaptações do programa para estudantes de escolas públicas.

Apesar de existir uma regulamentação sobre horário de veiculação de propagandas sobre bebidas alcoólicas, as restrições são limitadas e as sobre bebidas com menor concentração alcoólica, como as cervejas, são muito frequentes. Além disso, as propagandas apelam para supostas propriedades do álcool como facilitador da desinibição social, associando seu uso a situações alegres, de riqueza e forte apelo sexual. A advertência obrigatória sobre riscos à saúde é veiculada em poucos segundos, de forma acelerada e ineficaz.

Por ser uma molécula pequena (CH3-CH2-OH), o álcool penetra facilmente nos tecidos do corpo humano, afetando praticamente todos os órgãos e causando os mais diversos problemas, incluindo gastrite, úlceras, cirrose, vários tipos de câncer (esôfago, intestino), problemas cognitivos, de memória, demência, hipertensão, alterações ósseas, etc. O seu uso abusivo durante a gravidez pode causar danos irreversíveis ao feto, tais como malformações craniofaciais, redução de peso e perímetro cefálico ao nascer e, o mais grave, problemas cognitivos e retardo mental.

Um dos primeiros estudos nesta área resultou na tese de doutorado Álcool e Teratogênese (1981) de Vilma A. Silva, orientada por Jandira Masur (1940-1990), na época, docente do Departamento de Psicobiologia e que havia sido autora da primeira tese de doutorado defendida no Programa de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), em 1971, e uma das cientistas brasileiras pioneiras no estudo dos efeitos do álcool no sistema nervoso central. Foi desenvolvido sob sua orientação um estudo que mostrou não existir tolerância, mas sim sensibilização aos efeitos estimulantes do álcool. Essa linha de pesquisa foi continuada pelas pesquisadoras Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni e Isabel Marian Hartmann de Quadros, que, com diversos pós-graduandos, estudaram por mais de uma década, em animais, a importância da variabilidade individual no efeito estimulante do álcool. Assim como em seres humanos, alguns animais apresentavam efeitos estimulantes, reforçadores, mas outros não e isto pode ter uma importante relação com desenvolvimento do uso abusivo. Estes estudos ajudaram a entender as bases biológicas da dependência de álcool, um transtorno que atinge entre 10% e 15% da população adulta e traz muitas consequências deletérias à saúde física, mental e ao relacionamento social.

Para evitar problemas decorrentes do uso crônico de álcool, é essencial a sua detecção precoce e a oferta de intervenções breves – utilizadas para ajudar o usuário a reconhecer seus problemas e a motivá-lo a mudar seus hábitos. Esta é uma das principais linhas de atuação da equipe da Unidade de Dependência de Drogas (Uded) do Departamento de Psicobiologia, setor criado na década de 1980 por Jandira Masur e atualmente coordenado por Maria Lucia Formigoni e por José Carlos F. Galduróz. O desenvolvimento e validação, no Brasil, de um importante instrumento para detecção do uso de risco de álcool e outras drogas (Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test - Assist) associado à realização de intervenções breves, para adultos, foi desenvolvido na década de 1990 pela equipe da Uded em parceria com pesquisadores de diversos países, com o apoio da OMS, gerando alguns dos artigos mais citados na literatura da área. Na década seguinte, essas técnicas foram adaptadas para adolescentes por Denise De Micheli. De modo complementar às abordagens psicossociais, a equipe liderada por José Carlos F. Galduróz têm avaliado a efetividade de novas ferramentas farmacológicas para tratamento da compulsão de dependentes de álcool, tabaco e cocaína/crack.

O uso excessivo de bebidas alcoólicas e os problemas físicos decorrentes têm sido fortemente associados ao absenteísmo e aos inúmeros problemas de relacionamento no ambiente de trabalho e familiar. Em especial, a violência doméstica é um problema bastante complexo, que tem sido alvo de estudos do grupo coordenado por Ana Regina Noto.

• Ana Regina Noto, Denise De Micheli, José Carlos Fernandes F. Galduróz e Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni - Nepsis/Uded

Simbolo Lenad, desenho de uma garrafa sobre uma peça de quebra-cabeça Síntese dos resultados do II Lenad quanto ao consumo de álcool no Brasil

• Embora não tenha aumentado a quantidade de pessoas que bebem álcool no Brasil, houve um aumento do comportamento de uso nocivo.

• As mulheres são a população em maior risco, apresentam índices de aumento entre 2.006 e 2.012 e bebendo de forma mais nociva.

• Quase dois a cada dez bebedores consomem álcool de forma nocivas sendo bebedores abusivos ou dependentes.

• Houve uma diminuição no comportamento de beber e dirigir entre 2.006 e 2.012.

• Quase um a cada dez brasileiros possui arma de fogo, sendo que 5% dos homens andam armados. Este índice sobe para mais de 10% entre homens jovens bebedores abusivos.

• Quase um terço dos homens jovens bebedores abusivos já se envolveu em uma briga com agressão física no último ano. Este índice sobe para 57% entre os que também usam cocaína.

• Mais de dois a cada dez brasileiros relataram terem sido vítimas de violência física na infância. Em 20% dos casos, os pais ou cuidadores que agrediram haviam bebido.

• 6% dos brasileiros(as) sofreram violência doméstica no último ano. Em metade destes casos, o(a) parceiro(a) que exerceu a violência havia bebido.

• A depressão está associada ao beber problemático.

Fonte: http://inpad.org.br/lenad/