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Tratamento de obesidade demanda cuidado interdisciplinar

Pesquisa com adolescentes conclui que o controle do processo inflamatório associado ao sobrepeso é tão ou mais importante do que o próprio combate à síndrome metabólica

José Luiz Guerra

Ilustração de perfil um menino obeso

Controlar o processo inflamatório associado à obesidade e reduzir a ocorrência da síndrome metabólica é tão ou mais importante do que o controle do sobrepeso. Essa foi uma das conclusões da tese de doutorado da nutricionista Deborah Masquio, sob a orientação de Ana Dâmaso, docente do programa de pós-graduação em Nutrição da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo. A pesquisa avaliou 69 adolescentes obesos, todos voluntários do Grupo de Estudos da Obesidade, que é ligado ao programa.

A síndrome metabólica é um conjunto de alterações metabólicas que elevam o risco cardiovascular e a taxa de mortalidade. Entre suas características estão o excesso de gordura na região abdominal, níveis elevados de triglicérides, alterações nos valores do colesterol, glicemia e pressão arterial e aumento de circunferência da cintura (o que pressupõe a adiposidade abdominal). Já o processo inflamatório é caracterizado pela secreção de substâncias pelo tecido adiposo, as quais são capazes de elevar o risco cardiovascular.

Os voluntários selecionados foram divididos em dois grupos, ambos com diagnóstico de obesidade: o primeiro, com 19 portadores de síndrome metabólica, e o segundo, com 50 indivíduos isentos da doença. Todos se submeteram a tratamento de um ano, que consistia na realização de exercícios físicos três vezes por semana; intervenção nutricional em grupos semanais, associada à consulta individual a cada mês; atendimento psicológico semanal – individual, para os casos mais específicos, ou em grupos; avaliação por fisioterapeuta; e acompanhamento mensal com médico endocrinologista.

No início, na fase intermediária e no final do tratamento, os voluntários foram avaliados por meio dos seguintes instrumentos: pletismografia por deslocamento de ar e ultrassonografia abdominal, ambos destinados a verificar a composição corporal; medição antropométrica de peso e estatura; ultrassonografia da artéria carótida; e exames de sangue. A ultrassonografia abdominal permitiu estimar a adiposidade visceral e subcutânea da região abdominal, enquanto os exames de sangue determinaram os níveis de glicose e insulina, o perfil lipídico e o perfil inflamatório de variáveis como leptina, adiponectina e ativador de plasminogênio-1 (PAI-1), que é um marcador de risco pró-trombótico.

Masquio explica que o excesso de gordura corporal, principalmente na região abdominal, está diretamente ligado ao processo inflamatório. “A gordura em excesso, principalmente visceral, secreta substâncias consideradas pró-inflamatórias, que são denominadas adipocinas (proteínas), como a leptina, o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), a interleucina-6 (IL-6) e também o PAI-1, que forma trombos ou coágulos. Nesse contexto, temos uma redução da adiponectina, que é uma adipocina também secretada pelo tecido adiposo, cuja ação é anti-inflamatória e que se encontra reduzida na obesidade.” A alteração desses marcadores eleva o risco de doenças cardiovasculares, pois eles atuam em diversas fases do processo de aterosclerose, que é o acúmulo de placas de gordura, colesterol e outras substâncias nas paredes das artérias. Isso restringe o fluxo sanguíneo e pode levar a graves complicações de saúde.

Com a intervenção interdisciplinar, a pesquisadora verificou que a prevalência da síndrome metabólica no primeiro grupo caiu de 27,5% para 13%. Além disso, reduziu-se significativamente a prevalência de alterações na circunferência da cintura (de 91,3% para 57,9%), nos níveis de glicose no sangue (de 10,1% para 2,9%), nas pressões sistólica (de 34,8% para 8,7%) e diastólica (de 21,7% para 1,45%) e no excesso de insulina (de 53,6% para 23,2%) e de leptina (de 66,7% para 40,6%) no sangue. Por outro lado, houve um aumento dos níveis de adiponectina, controlando-se a produção de leptina e o processo inflamatório. Do ponto de vista nutricional, a autora afirma que, para minimizar o processo inflamatório, foi necessário reduzir o excesso de gordura na região abdominal. “Um dos focos principais da intervenção nutricional foi o aumento do consumo de frutas, verduras e legumes e o estímulo à ingestão de substâncias antioxidantes que diminuem o processo inflamatório.”

Fotografia de Deborah e Ana, elas estão lado a lado

Deborah Masquio, à esquerda, e Ana Dâmaso

Fotografia de Flávia, ela está em um sentada e sorri

Flávia Corgosinho

Para Dâmaso, o controle do processo inflamatório associado à obesidade é tão ou mais importante do que o controle do peso. “Por meio desse estudo, Deborah mostrou que, além de reduzir a espessura da carótida, que é um marcador subclínico importante da aterosclerose, foi possível controlar a razão leptina/adiponectina; houve, então, o controle do processo inflamatório, o que favoreceu a redução da espessura da carótida e de todos os marcadores da síndrome metabólica”, resume a docente.

Genética e emagrecimento

Outra tese, elaborada pelo Grupo de Estudos da Obesidade, também sob a orientação de Dâmaso, concluiu que, em razão de uma variação genética encontrada no gene receptor da leptina (LEPR), alguns adolescentes obesos não conseguiram as mesmas reduções de índices dos que não portavam a variação. A leptina é um hormônio importante que desempenha um papel-chave na regulação do balanço energético, inibindo a fome e aumentando o gasto energético dos tecidos periféricos – entre os quais, o tecido adiposo.

A nutricionista Flávia Corgosinho, responsável pelo estudo, selecionou 76 voluntários considerados obesos e classificou-os em dois grupos, de acordo com a incidência daquela variação genética. Dentre os voluntários, 39 pertenciam ao grupo dominante (classificado como TT), que não possuíam a variação genética, enquanto os 37 restantes compunham o grupo heterozigoto ou recessivo (definidos, respectivamente, como CT e CC), que eram portadores da alteração.

Após um ano de tratamento, que incluiu a prática de exercícios físicos e o acompanhamento médico, nutricional e psicológico, a pesquisadora observou que os portadores dos genótipos CT e CC não haviam conseguido reduzir o perfil lipídico, a resistência à insulina e a produção de leptina aos mesmos níveis do grupo dominante. De modo similar, não lograram êxito em diminuir o índice de massa corporal (IMC) na mesma proporção do grupo TT. “Percebemos que os adolescentes com essa variação genética tinham níveis significativamente maiores de neuropeptídeos orexígenos (estimuladores da fome)”, explica Corgosinho. “O fator genético conseguiu justificar parcialmente por que alguns adolescentes com obesidade respondiam melhor à terapia e outros, não”, acrescenta.

Ainda em relação à produção de leptina, o grupo isento de variação genética conseguiu fazê-la recuar em cerca de 30%, ao passo que o outro obteve redução praticamente insignificante. “E nós sabemos que esse estado de hiperleptinemia (excesso de produção de leptina) é um dos principais fatores que dificultam a perda e a manutenção do peso corporal. O excesso de leptina é um fator pró-inflamatório que vai gerar consequências para a saúde do indivíduo, aumentando o risco cardiovascular”, esclarece.

Para a pesquisadora, os resultados do estudo indicaram que é necessário buscar estratégias auxiliares para aqueles que apresentam alterações genéticas relativas à leptina, as quais interferem no processo de emagrecimento e dificultam o controle de risco cardiovascular, incluindo-se a redução de triglicérides e de insulina e o aumento de adiponectina. Ela atribui à Nutrigenômica – ciência que estuda a interação entre os compostos bioativos na estrutura e na expressão dos genes – a possibilidade de tornar-se uma das opções de tratamento no futuro. No entanto, outras tentativas para solucionar o problema podem ser válidas, como a otimização da terapia, com atividades físicas mais frequentes ou mais intensas. “Talvez seja necessário que esses indivíduos percam 10% ou mais do peso corporal para obter os mesmos resultados do grupo sem alteração genética”, conclui.

Artigos relacionados:

MASQUIO, Deborah C. L.; PIANO, Aline de; CAMPOS, Raquel M. S.; SANCHES, Priscila L.; CARNIER, June; CORGOSINHO, Flávia C.; NETTO, Bárbara D.M.; CARVALHO-FERREIRA, Joana P.; OYAMA, Lila M.; NASCIMENTO, Claudia M. O.; MELLO, Marco Túlio de; TUFIK, Sergio; DÂMASO, Ana R. The role of multicomponent therapy in the metabolic syndrome, inflammation and cardiovascular risk in obese adolescents. British Journal of Nutrition, Cambridge (UK), v. 113, n. 12, p. 1920-1930, jun. 2015.

CORGOSINHO, Flávia C. Influência do polimorfismo no gene LEPR no estado de hiperleptinemia e na resposta ao tratamento interdisciplinar para mudança do estilo de vida. 2015. 122 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo