Avanço em pesquisa traz congresso internacional do esporte para a Unifesp
Soraya Smaili
Reitora da Unifesp

No dia 12 de junho, a Copa do Mundo foi aberta por Juliano Pinto, brasileiro paraplégico de 29 anos. Utilizando um exoesqueleto criado pelo neurocientista Miguel Nicolelis, Juliano chutou a “brazuca”. Foi um momento emocionante, infelizmente muito pouco divulgado pelos meios de comunicação de massa. O exoesqueleto é uma estrutura metálica que dá sustentação ao corpo e reage a comandos do cérebro, incluindo a realização de movimentos complexos como andar e chutar. É uma das alternativas propostas pela ciência para garantir melhor qualidade de vida aos que, por qualquer razão, não podem movimentar-se contando apenas com os próprios recursos. O pontapé inicial da Copa, dado por Juliano, coloca em evidência o papel fundamental que a ciência desempenha para o desenvolvimento do esporte no mundo contemporâneo.
A Unifesp tem muito a contribuir nesse setor. Não por acaso, nossa universidade irá sediar, em 2016, o Congresso Internacional de Ciência, Educação e Medicina Esportiva, evento organizado em conjunto com o Ministério do Esporte e a Prefeitura Municipal de Santos, que ocorrerá no Campus Baixada Santista. A escolha da Unifesp foi feita pelo comitê internacional que examinou a candidatura de outras grandes universidades brasileiras. A realização do congresso significará a coroação dos esforços que todos nós, como comunidade, estamos mobilizando para construir uma universidade cada vez mais integrada, capaz de encarar os desafios postos pelo processo de expansão.
Ao longo dos últimos vinte anos, o investimento em pesquisa permitiu a ampliação de áreas e o início de projetos interdisciplinares, incluindo aqueles voltados à saúde integral, preventiva ou reabilitadora. Conduzimos estudos pioneiros em Medicina, Biomedicina, Fisiologia do Esporte e Fonoaudiologia. Uma amostra do que é produzido pela Unifesp nesse sentido pode ser conferida na matéria de capa desta edição. Simultaneamente, programas de pesquisa científica que abordam os níveis celular e molecular deram saltos nessa direção. Posteriormente, introduzimos outros currículos integradores, tais como Educação Física, Fisioterapia, Psicologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social.
Mas ainda enfrentamos obstáculos consideráveis para o pleno desenvolvimento de nossas ações em pesquisa. Em muitos casos, detectamos um grande distanciamento entre pesquisadores e dificuldades no reconhecimento de trabalhos produzidos. Por outro lado, há um número elevado de jovens extremamente interessados e esperançosos em integrar as linhas de pesquisa e produzir conjuntamente.
A integração e a organização de grupos é prática corrente nos países que mais desenvolveram a pesquisa em esporte no plano mundial. Porém, no Brasil, ainda sofremos com os resquícios do passado: não raro, por exemplo, grupos agregam profissionais pouco dispostos a compartilhar equipamentos, geralmente adquiridos com recursos públicos. Felizmente, o próprio amadurecimento das instituições coloca em xeque práticas retrógradas e conservadoras, estimulando pesquisadores a desenvolverem programas mais ambiciosos e abrangentes, mediante a união de esforços.
Na Unifesp, mantivemos a tradição e o interesse na elaboração de pesquisas e nos estudos de pós-graduação, exploramos grande diversidade de áreas do conhecimento e contamos com um conjunto altamente qualificado e dedicado de doutores experientes que servem de referência aos mais jovens. Cabe à instituição e a seus mantenedores criar as condições para potencializar os grupos existentes, propiciar um ambiente cada vez mais interativo, pleitear melhores condições, organizar a infraestrutura e adquirir equipamentos que permitam mais encontros – presenciais ou virtuais.
Nesse sentido, o Congresso Internacional de Ciência, Educação e Medicina Esportiva representa não só um grande evento de destaque internacional, mas também o marco de uma nova fase em nossa trajetória como universidade. Integrar as atividades, compartilhar os conhecimentos e construir conjuntamente um centro de reconhecida qualidade, no Brasil e no mundo. Este é o desafio que encaramos com grande entusiasmo e otimismo.
Rumo à multi, inter e transdisciplinaridade
Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni
Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
Mais do que um jargão em moda nas discussões sobre política universitária ou ciência e tecnologia, é inegável que há uma forte necessidade de interação entre áreas do conhecimento para solução de problemas e enfrentamento de novos desafios, seja na perspectiva multidisciplinar – na qual prevalece a soma de conhecimentos de diversas áreas; interdisciplinar – que privilegia o trabalho colaborativo entre profissionais de diferentes áreas, mantendo-se ainda a atuação disciplinar; ou transdisciplinar – que propõe a interação mais intensa e profunda, com significativa apropriação do conhecimento de uma área pela outra. Após uma fase de grande avanço do conhecimento em campos muito específicos, hoje nos deparamos com a necessidade de sair da zona de conforto e de nos encontrarmos com colegas de outras áreas para criar algo que seja, de fato, novo.
Para estimular importantes discussões teóricas e promover o intercâmbio de conhecimento, é essencial criar instrumentos de incentivo à colaboração e comunicação, presencial e virtual. Nesta edição, Entreteses apresenta um panorama dos centros e plataformas multiusuários já existentes nos diversos campi da Unifesp, além de propor um debate necessário sobre a filosofia que deve embasar o funcionamento dessas estruturas. A comunidade é convidada a participar desse esforço, por meio dos programas de pós-graduação.
As plataformas têm como intuito otimizar os escassos recursos existentes e criar uma filosofia de uso responsável e sustentável. Além disso, quando se colocam lado a lado pesquisadores de diversas áreas e campi, pode-se facilitar a interação e o surgimento de novas propostas de pesquisa e inovação. A discussão sobre as regras de funcionamento de tais plataformas toca em importantes aspectos da política universitária e em temas relativos à ciência, tecnologia e inovação, à meritocracia e aos mecanismos mais adequados para apoiar e incentivar jovens pesquisadores.
Mas não paramos por aí. Uma reportagem sobre saúde mental apresenta o trabalho de um grupo de pesquisadores do Campus Baixada Santista, preocupados com o resgate da dimensão do sujeito portador de transtorno mental, e ao mesmo tempo suscita polêmica quando questiona o papel do diagnóstico. A emoção também tem vez na ciência – principalmente quando se trata da paixão pelo que se faz e do empenho para tornar o sonho realidade. Acreditamos que este seja o segredo do sucesso em qualquer setor – o que também podemos inferir da entrevista com o professor Armando Milioni, ex-diretor do Campus São José dos Campos, e da leitura do perfil de Luiz Juliano Neto, professor titular do Departamento de Biofísica da Escola Paulista de Medicina.
A Unifesp evidencia ainda sua pluralidade – já destacada na seção Carta da Reitora –, trazendo temas na área de esportes e demonstrações de como a Física, a Química e a Medicina podem unir-se para propiciar melhores condições para o aleitamento materno e sintetizar substâncias com potencial para tratamento do câncer e da leishmaniose. Mostramos também como a Química pode contribuir para desenvolver sensores luminosos e transformar o bagaço de cana em energia elétrica renovável.
Conheça, nesta edição, mais um pouco do que se faz e pensa na Unifesp. Mas não se restrinja ao exemplar impresso. Encontre nas páginas virtuais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa informações atualizadas sobre os programas de pós-graduação, visite seus sites específicos e estabeleça novos contatos e parcerias com nossos pesquisadores – sejam eles docentes, técnicos ou estudantes.
Leia, informe-se e colabore para a construção da verdadeira transdisciplinaridade em nossa universidade.
“A ciência não sabe para onde vai”
Olgária Matos critica a fragmentação do saber científico, cada vez mais subordinado aos interesses das indústrias que financiam pesquisas
Rosa Donnangelo

As novas tecnologias, como a internet, fazem com que os conhecimentos tornem-se mais voláteis, de acordo com a avaliação de Olgária Chain Féres Matos, titular da Universidade de São Paulo (USP) e professora visitante do curso de Filosofia da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da Unifesp – Campus Guarulhos.
Olgária, que é doutora em Filosofia pela USP e mestre na mesma área pela Universidade Paris 1, concentra suas pesquisas no campo da história da Filosofia. Opõe-se à instrumentalização da ciência pela indústria, preocupada com produtividade e lucro, e propõe a construção de uma prática capaz de integrar saberes e disciplinas científicas. Em sua visão, a ciência teria que recuperar o respeito ao tempo e à duração própria dos fenômenos que ela pretende observar e explicar.
Entreteses • O que significam os termos interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade?
Olgária Matos • Há um ponto de convergência entre a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Os saberes não são compartimentados, não existem alas ou áreas específicas que não transitem entre outras, há uma semelhança de objetivos ou de modos de trabalho entre diversas disciplinas. Por exemplo, entre a Física e a Química existe a Físico-Química, entre a Matemática e a Biologia existe a Biomatemática. A ideia é que os saberes, na atualidade, demandam a colaboração simultânea de vários campos do conhecimento para se desenvolverem.

E. • O conhecimento se modificou ao longo do tempo e as formas de obtê-lo também. Como a senhora enxerga essas mudanças?
O.M. • A ciência depende das mudanças culturais. Até o século XVIII, havia uma relação com o conhecimento que não era pragmático. Por várias razões, na Grécia Antiga, a ciência era contemplativa, aquela em que o elemento teórico, o elemento de busca do conhecimento pelo próprio conhecimento, predominava. O conhecimento era público e só tinha valor quando compartilhado por todos. A privatização dos saberes, os direitos autorais e toda forma de contenção da partilha do conhecimento não existiam. Partia-se da ideia de que tudo o que existe destina-se a realizar uma finalidade que lhe é própria: nada existe por acaso ou de maneira arbitrária. A ciência buscava sempre a excelência. Não era uma cultura do excesso como a nossa, da aceleração e intensificação dos estímulos nervosos. Hoje, nos esportes, como nas corridas ou levantamento de peso, não se trata de correr bem, mas de correr cada vez mais depressa, de levantar objetos cada vez mais pesados. A ciência medieval era voltada para conhecer as maravilhas da natureza e o homem, os fenômenos da natureza, mas como criação divina. Isso chega até o século XVIII, quando a perda da ideia de transcendência do divino se estabelece, e se firma o fenômeno da secularização, portanto sem referências, levando em consideração uma ideia de verdade objetiva, seja ela garantida pela própria natureza ou por um Deus, ou deuses. Significa que a ciência vai buscar, por ela mesma, critérios para sua própria fundamentação. A partir daí, você tem o homem sendo a medida de todas as coisas. Essa ideia de que a ciência pode se desenvolver infinitamente, cada vez mais e em qualquer direção, fez com que ela perdesse sua finalidade. A ciência, hoje, não sabe para onde vai, pode tanto orientar-se para a emancipação da humanidade quanto para a destruição do planeta. A técnica moderna é interventiva, ela contraria a causalidade natural das coisas. Então é um fenômeno cultural. Há um problema de princípio, uma circularidade que oblitera a crítica, impede-nos de pensar criticamente o que a ciência faz hoje. Se não é a linguagem da ciência que se fala, não há legitimidade. Há uma multiplicidade de dispositivos científicos que dão uma legitimidade para coisas que a ciência, às vezes, não tem. Não se fala mais em infância, mas em “pedagogia”; em natureza, mas em “ecologia”; em desejo, mas em “sexologia”.
E. • Por que a senhora escolheu Filosofia?
O.M. • Na época de meus estudos escolares, na década de 1960, havia algo muito mais razoável do que se tem hoje, que eram os cursos clássico e científico. No clássico, prevaleciam as Humanidades e Ciências Sociais; no científico, Engenharia e Ciências Médicas e Biológicas. Todas as áreas tinham todas as disciplinas. Eu gostava mais das Ciências Humanas. Comecei os cursos de Psicologia e Filosofia, optando por manter somente o último. A Filosofia pretendia elaborar, em pensamento, apesar de isso estar mudando, aquilo que os homens vivem dispersamente no cotidiano. A impressão que se tem é a de que a Filosofia está muito longe da vida, que é um saber muito abstrato, teórico, por não ter aplicação imediata. Mas, conforme você vai aprofundando o conhecimento, percebe que aquilo de que ela fala é a vida, e na Filosofia a complexidade dos fenômenos exige um rigor homólogo ao rigor que se tem nas ciências da natureza. Escolhi Filosofia, em parte, pelos professores que tive. O professor que você é capaz de admirar desperta o desejo de conhecer aquilo que ele conhece.
E. • Qual deve ser o papel do professor para que o conhecimento interdisciplinar se realize?
O.M. • O professor precisa ser competente na sua área, ser muito bem formado na complexidade do saber que vai transmitir. O difícil é transformar o complexo em simples sem banalizá-lo ou empobrecê-lo. Por isso que, quanto mais intimidade se tem com o conhecimento que será desenvolvido, mais habilidade haverá para transmiti-lo. Você estuda História no ensino fundamental e médio, e depois volta a estudá-la na universidade. Primeiro, o professor explica o essencial, aquilo que faz com que os estudantes pensem no objeto que foi dado; posteriormente, eles recebem explicações sobre as diversas interpretações sobre determinado fato. O esforço é tentar contar a história do que aconteceu naqueles tempos, à luz do que podemos saber deles hoje. Mas atualmente os professores não sabem muito bem como ensinar e o que ensinar, porque não há mais conteúdo fixo nas disciplinas. Acho que existe uma grande desorientação. Se não houver uma sequência progressiva do ensino, o estudante lê um pouco de cada coisa e cria-se a desinformação, a fragmentação. A transdisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade tentam, inclusive, corrigir esse processo.
E. • Como se dá a interdisciplinaridade tal como praticada hoje e como ela se relaciona com o legado humanista?
O.M. • A escola dos humanistas tenta unir conhecimento e vida. Os humanistas do Renascimento queriam transmitir pela escola todos os saberes que dignificavam a natureza e o homem. O conhecimento técnico era o conhecimento do saber fazer, uma técnica inteligente. Por exemplo, na Grécia clássica, um artesão de sela de cavalo não era julgado por outro artesão de sela de cavalo e sim por um usuário. Hoje, a competência é medida assim: um economista fala de outro economista. O saber fazer não estava separado do prazer do conhecimento e hoje está. Claro que, atualmente, diante da complexidade dos saberes e da sua conversão em especialidade, as competências não poderiam ser medidas pelo usuário. Por exemplo, o que eu posso falar para um piloto de avião? Nada. Então, são questões de competência. E esse é um dos problemas da sociedade hoje: o que se entende por democracia na sociedade e democracia nas instituições, como se todo o mundo pudesse opinar sobre tudo. A questão da especialidade ou da perda da especialidade pode ser muito comprometedora quando se confunde democracia nas instituições com democracia política, na qual cada cabeça expressa um voto.
E. • A ciência e a tecnologia ainda deslumbram a sociedade?
O.M. • Existe uma duplicidade. Ao mesmo tempo, há uma espécie de sentimento pós-moderno de desencorajamento, desânimo, desconfiança e descrença de tudo, mas há também a ideia de que a ciência explica o mundo e vai mudar a vida dos homens. E é verdade. A autonomia das pesquisas está cada vez mais comprometida, porque os investimentos econômicos acabam sendo privados e determinam o rumo dessas pesquisas segundo os seus próprios interesses. A indústria farmacêutica investe naquilo que ela julga ser interessante do ponto de vista econômico, não naquilo que a ciência gostaria de pesquisar e necessitaria fazê-lo. Hoje, existe o peso de as pesquisas serem ideologizadas de um lado e, de outro, há uma aceleração do conhecimento e o fetiche da inovação. É necessário saber se é preciso inovar, aprofundar ou mudar a direção das pesquisas. A tecnologia é caríssima e os interesses são enormes. Está muito difícil dissociar o poder econômico das pesquisas científicas.
E. • Como a senhora enxerga o conhecimento especializado?
O.M. • O conhecimento especializado não é um absurdo no sentido da competência, mas sim quando ele compartimenta o saber. A pesquisa perde o sentido, sua única referência é ele mesmo. É o problema, por exemplo, da Bioética. Não existe uma prateleira dividida em várias éticas. A ideia de ética supõe a ideia de limites e valores estáveis. Mas, em um mundo no qual a ciência e a sociedade não têm limites, no qual os valores mudam no curto tempo de uma mesma geração, como se pode ter valor ético? Ética demanda duração; como hoje tudo muda muito rápido, não se pode ter ética. Impor limites éticos à ciência está fadado ao fracasso. A ciência não pensa, ela faz.
E. • Unir o saber tecnológico ao conhecimento abstrato é uma proposta do ensino interdisciplinar?
O.M. • Acho que não diretamente. A técnica era auxiliar da ciência. Para realizar certas pesquisas e desenvolver conhecimento teórico, a ciência necessitava de algumas técnicas. Mas com o desenvolvimento do capitalismo, o aumento da produção e otimização dos recursos, a ciência se associou à técnica, e a tecnociência foi criada. O aumento da produção e da produtividade, próprio à racionalidade do mercado, acabou por abranger a ciência e a técnica, instaurando-se uma tecnociência a serviço do mercado e das inovações científicas e tecnológicas. Não se pensa mais na natureza e para onde vai esse conhecimento. Acho que ensinar a ciência e a técnica com os saberes formadores deve ser feito sem perder o rumo até onde se pode chegar, beneficiando o desenvolvimento da ciência.
E. • Qual o papel que a universidade exerce na produção do conhecimento interdisciplinar?
O.M. • No Brasil nós praticamente não temos centros de pesquisa fora das universidades, em particular as públicas. Como as pesquisas são feitas nas universidades, é de sua responsabilidade desenvolvê-las da maneira mais rigorosa e especializada, para que possam presidir à tradução disso nos vários campos da aplicação prática na sociedade. Acredito que é uma responsabilidade grande o saber da competência, entendida não só como a especialidade isolada, mas também como uma especialidade que se pergunte pelo sentido daquilo que ela pesquisa e da destinação daquilo que ela faz. A tendência é a especialização precoce, que deve existir mesmo, mas que não deveria estar separada da formação com as disciplinas que pensam aquilo que a ciência faz, como a Filosofia e as Humanidades em geral, em especial a Literatura.
E. • Como fica o aluno perante o conhecimento fragmentado, em face da possibilidade de, futuramente, ser ele próprio um pesquisador?
O.M. • Acho que existe uma preocupação, sobretudo nos anos de formação no ensino médio, de todos os saberes serem integrados. Eles não são integrados porque, propositadamente, se produz a integração, integram-se “espontaneamente”. É o tempo e a maturidade no conhecimento que propicia compreender as relações da pintura impressionista com a Física corpuscular, dos contos de Machado de Assis com a filosofia de Schopenhauer. Não se pode fazer um professor falar de Física, Química, Geografia, História etc, cada um em sua disciplina, “integradamente” de maneira forçada. É a maturidade que faz convergir esses saberes. Cada conhecimento em uma determinada área deve ser desenvolvido ao máximo de sua complexidade pelo professor para poder ser transmitido, o contrário de acreditar que uma apostila e um caderno de respostas podem permitir ao professor transmitir o conhecimento. A interdisciplinaridade surge da maturidade dos vários anos de formação.
E. • Pesquisar exige tempo. No entanto, os pesquisadores são guiados pelos prazos determinados pelas necessidades do mercado. Essa lógica de tempo versus conhecimento prejudica o conhecimento interdisciplinar?
O.M. • Prejudica o conhecimento e o conhecimento interdisciplinar. Há uma aceleração do tempo que é industrial. Novas tecnologias, como a internet, fazem com que os conhecimentos sejam muito voláteis. Eles são fragmentados, aleatórios e dispersos. Nós abrimos uma janela cá, outra acolá, no computador – e não se reúne mais nada. A incidência da aceleração do tempo, as novas tecnologias e as revoluções tecnológicas muito rápidas acabam incidindo na universidade, que exige um tempo mais lento, fora dos padrões de produção. A universidade, a escola e as instituições de pesquisa são dominadas heteronomamente, ou seja, é de fora que vem a designação do que as universidades devem fazer e em quanto tempo. Tudo acaba tendo um tempo, e respeitá-lo é fundamental para garantir o financiamento. Muitas vezes, resultados são maquiados só para pedir novo financiamento e dar continuidade à pesquisa. Algumas recebem financiamento para dois anos ou quatro anos e, às vezes, elas precisam de quinze anos para a conclusão. Aumenta-se a quantidade de pesquisa, mas não a qualidade, porque esta permanece ligada ao tempo.
E. • Qual o espaço que o conhecimento interdisciplinar ganha na lógica de ensino atual?
O.M. • A interdisciplinaridade vem quando cada especialista, compreendendo a complexidade do seu conhecimento, estabelece relações entre os diferentes campos do saber. O professor de História está falando sobre a Revolução Francesa – dos fatos, das causas – e, enquanto explica, já pode fazer relações e comentar sobre a filosofia dessa revolução, do estatuto das artes em relação ao passado etc. Quando esse percurso já está feito é que pode haver áreas de pesquisa transdisciplinares. É uma questão de tempo, mas é também de formação. Como rompemos com a ideia de tradição e de história, hoje se tem ideia de que o cientista inventa o saber que ele está produzindo, ao passo que – se houvesse, junto com a formação, a história desse saber – a interdisciplinaridade já se faria presente. O pragmatismo levou ao desconhecimento do desenvolvimento das potencialidades humanas, o prazer que o conhecimento poderia trazer. Produz-se um conhecimento isolado nele mesmo e excluído de sua história. O que seria da Filosofia sem a história da Filosofia? O que seria da Literatura sem a história da literatura? Essa “história”, hoje, está se perdendo.
Alguns dos prêmios conquistados por estudantes e docentes pesquisadores da Unifesp nos últimos dois anos
Prêmio do Instituto Britânico de Pesquisa em Saúde
No início de 2014, o Instituto Britânico de Pesquisa em Saúde (UK’s National Institute for Health Research - NIHR) selecionou os pesquisadores do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da EPM –Campus São Paulo pelo trabalho sobre a efetividade do uso do plasma rico em plaquetas para lesões musculoesqueléticas dos tecidos moles. O prêmio de incentivo do NIHR foi concedido a Vinícius Moraes, Mário Lenza, Marcel Tamaoki, Flávio Faloppa e João Carlos Belloti. A obra se encontra na Biblioteca Cochrane e está disponível no link: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD010071.pub2/abstract
Destaque em revista científica alemã
A conceituada revista científica alemã Thrombosis and Haemostasis, especializada em trombose e Biologia Vascular, elegeu em sua primeira edição de 2014 o artigo produzido pela disciplina de Biologia Molecular da EPM – Campus São Paulo como um dos principais na área, segundo os editores da publicação, Christian Weber e Gregory Lip.
O artigo, que tem como autores Marcelo de Almeida Lima, pós-doutorando em Biologia Molecular, e Helena Bonciani Nader, professora titular da mesma disciplina, analisou as propriedades anticoagulantes das heparinas de peso molecular ultrabaixo.
Mostra Túnel da Ciência Max Planck premia estudantes
A exposição multimídia Túnel da Ciência Max Planck, inédita no Brasil, realizada entre 30 de janeiro e 21 de fevereiro de 2014, em São Paulo, premiou três estudantes da Unifesp, selecionados para trabalhar como mediadores da mostra: Leonardo Martins, estudante de pós-graduação em Biologia Molecular; Rodrigo Carlini Fernando, doutorando do Departamento de Oncologia Clínica e Experimental; e Hugo Silva, aluno de graduação em Ciências Econômicas.
A premiação será outorgada em cerimônia oficial, ainda não agendada, na qual os estudantes receberão o certificado de participação e uma quantia em dinheiro.
Homenagem da Marinha do Brasil

A professora titular da disciplina de Biologia Molecular da EPM – Campus São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Bonciani Nader, foi condecorada no dia 13 de dezembro de 2013 com a medalha Mérito Tamandaré, a maior honraria concedida pela Marinha do Brasil. A homenagem deveu-se aos anos de contribuição da pesquisadora à ciência nacional e internacional.
Na mesma data, a cirurgiã pediátrica da EPM Maris Salete Demuner recebeu a medalha Amigo da Marinha, insígnia destinada a personalidades que se tenham destacado em atividades relacionadas à corporação. Maris é coordenadora do programa que a EPM mantém em parceria com a Marinha para atender populações ribeirinhas que vivem em locais de difícil acesso.
Menção honrosa conferida pelo Inpe
Belchior Elton Lima da Silva, Maria Lívia G.T.X. da Costa e Raquel Aparecida Barros Marcondes, alunos do Instituto de Ciência e Tecnologia – Campus São José dos Campos, receberam no dia 23 de agosto menção honrosa pelo bom nível dos trabalhos apresentados durante o Sicinpe 2013 - Seminário de Iniciação Científica e Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, promovido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Projeto de pesquisa é finalista em programa de bolsas do Santander Universidades

A Unifesp foi vencedora em 2013 do Programa de Bolsas Ibero-Americanas Jovens Professores e Pesquisadores, que selecionou como finalista o projeto de pesquisa em saúde de autoria de Luciene Covolan, docente da disciplina de Neurofisiologia e Fisiologia do Exercício da EPM – Campus São Paulo. O programa, patrocinado pelo Santander Universidades, oferecerá cinco mil euros à pesquisadora para custear os estudos em instituições internacionais.
Artigo da pós-graduação em Farmacologia alcança primeira posição em lista do ScienceDirect
O estudante Leandro Bergantin, do programa de pós-graduação em Farmacologia, alcançou a primeira posição da lista Top 25 Hottest Articles do ScienceDirect com o artigo de sua autoria intitulado Novel Model for ‘Calcium Paradox’ in Sympathetic Transmission of Smooth Muscles: Role of Cyclic AMP Pathway. Atualmente Bergantin é bolsista de doutorado-sanduíche da Universidad Autónoma de Madrid, na Espanha.
Professor de Guarulhos recebe Prêmio Jabuti de Literatura
O professor de Filosofia da Psicanálise da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Campus Guarulhos, Tales Ab’Saber, conquistou o Prêmio Jabuti de Literatura, em sua 55ª edição, a mais importante distinção literária que é concedida no Brasil. A premiação – realizada em novembro de 2013 – foi conferida ao docente pela segunda vez e contempla as melhores obras inéditas nas categorias de romance, livro didático, ilustração e projeto gráfico, entre outras.
Destaques pela Capes
A tese de doutorado Educação Musical, Percepção Musical e suas Relações com a Leitura de Crianças com Problemas de Leitura: uma Revisão Sistemática – Ensaio Clínico Randomizado sem Placebo e Modelagem Estrutural, de autoria de Hugo Cogo Moreira, aluno do programa de pós-graduação em Psiquiatria e Psicologia Médica, foi selecionada pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como o melhor trabalho na categoria Medicina II.
Além dessa premiação, ocorrida em outubro de 2013, os trabalhos elaborados pelas alunas Rosa Maria Monteiro Lopes e Simone dos Santos Barreto, dos respectivos programas de pós-graduação em Saúde Coletiva e em Distúrbios da Comunicação Humana, receberam menção honrosa.
Melhor trabalho no XV Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica
A tese de doutorado produzida por Deborah Cristina Landi Masquio, estudante do programa de pós-graduação em Nutrição, foi contemplada com o prêmio de melhor trabalho na área clínica, entre os 300 apresentados durante o XV Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, realizado em Curitiba no período de 30 de maio a 1º de junho de 2013.
Os principais resultados do estudo demonstraram que a redução de massa corporal diminuiu os índices de diabetes e gordura no fígado, além dos riscos cardiovasculares.
Universidade trabalha em parceria com a comunidade
Projeto de Extensão no Campus Osasco leva em conta a percepção dos moradores de áreas vulneráveis na elaboração de estudos e propostas para a região
Ana Cristina Cocolo
Um levantamento socioeconômico e ambiental na cidade de Osasco, realizado por alunos de graduação da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Unifesp – Campus Osasco, tem por objetivo apreender como os moradores que vivem no entorno de córregos enxergam a sua relação com as águas e com suas condições de vida. A pesquisa busca oferecer subsídios à criação de linhas de ensino, pesquisas, programas, ações e propostas de políticas públicas em uma perspectiva interdisciplinar, multidisciplinar e transdiciplinar nas áreas de meio ambiente, justiça, direitos humanos, saúde e administração pública.
O estudo faz parte do projeto de extensão universitária do campus e pretende entender as dificuldades e as potencialidades das políticas públicas relacionadas aos recursos hídricos e uso da água, à ocupação urbana e às questões ambientais na cidade desenvolvidas pela prefeitura. Para isso, uma equipe do campus – composta por cinco alunos de graduação (três bolsistas e dois voluntários) e três professores na coordenação – foi encarregada de colher dados com moradores e líderes comunitários de duas comunidades (Fazendinha e Raio de Luz) estabelecidas, respectivamente, no Jardim Padroeira. Nas entrevistas, os alunos captaram as percepções desses moradores sobre os córregos, os problemas, as carências e a efetividade limitada de políticas públicas que refletem diretamente em sua qualidade de vida.
De acordo com Karen Fernandez Costa, cientista política e uma das coordenadoras do levantamento, o trabalho, iniciado em maio de 2013, também envolve escutar órgãos públicos, em especial a prefeitura e suas secretarias, organizações não governamentais (ONG) e membros do Programa de Agentes Comunitários (PAC) da Unidade Básica de Saúde (UBS) Getulino José Dias. “O projeto está possibilitando maior comunicação e interação entre a academia e a população local, que é o escopo da extensão universitária, para compreender as condições de privação presentes em regiões periféricas de alta vulnerabilidade social”, explica. “ Através da observação crítica estamos identificando as demandas latentes das comunidades entrevistadas para pensar em políticas públicas dentro das capacidades reais dos órgãos administrativos oficiais”.

Parte da equipe dos alunos de graduação que participaram do projeto
Além de objeto de discussão entre os envolvidos, os resultados do projeto – que também conta com a coordenação dos cientistas sociais Fábio Alexandre dos Santos e Ana Paula Galdeano Cruz – serão apresentados nos congressos de extensão universitária e iniciação científica da Unifesp após sua catalogação, prevista para acontecer em novembro.
Panorama geral da região
O município de Osasco, localizado na região metropolitana de São Paulo, possui 65 km2 de área. É uma das mais ricas e populosas cidades do estado de São Paulo, com cerca de 700 mil habitantes. A atividade econômica do município apresenta grande dinamismo, principalmente nos setores comercial e de serviços. De acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município ocupa o 12º lugar no cenário nacional e o 4º no estado em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Apesar de ser considerada “cidade trabalho” e ter um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alto, a incidência da pobreza na região é de 38,75%.
A região metropolitana de São Paulo, na qual Osasco está inserida, apresenta um dos quadros mais preocupantes do país quanto a quantidade e qualidade de água para consumo humano e, de acordo com especialistas, já sofre de estresse hídrico. A região também apresenta inúmeros problemas sociais e desafios políticos no que se refere a violência urbana, habitação, rede de esgoto e estações de tratamento.
Para Fábio Alexandre dos Santos, o grande desafio das metrópoles do país é formular caminhos e estratégias para solucionar problemas imediatos. Porém, com olhar a longo prazo, de modo a se pensar na urgência de agir conjuntamente em prol de políticas públicas sustentáveis que reduzam os índices de pobreza e que convirjam às obras de despoluição, tratamento de resíduos, entre outros, além de programas de educação, de cidadania e de gestão eficaz dos recursos naturais.
Em 2007, a prefeitura lançou o projeto “Recuperação de Minas e Nascentes”, com o objetivo de conscientizar a população sobre a importância de se preservar as águas e incentivar a percepção de que esse recurso natural é um bem finito e essencial à vida humana. Foram identificadas 105 nascentes, 31 das quais revitalizadas. “Segundo o secretário de Meio Ambiente do município, Carlos Marx, as ações ainda não atingiram o seu limite e é possível avançar mais nesse programa”, afirma Karen. “Há, no entanto, dificuldades relacionadas com as nascentes aterradas por empreendimentos imobiliários e com a desapropriação dos imóveis construídos sobre ou próximos às nascentes”.
Projeto de Extensão Universitária: A percepção dos moradores sobre as águas do córrego João Alves. Um levantamento socioeconômico e ambiental como subsídio para políticas públicas de Osasco
Autores: Ana Paula Galdeano Cruz, Fábio Alexandre dos Santos, Karen Fernadez Costa
Equipe de alunos: Alexandre Rosenberg, Rebeca Marques Rocha, Rodrigo Guth Esteves, Mariana Venturini, Paula Heiss
Artigo relacionado: GALDEANO, Ana Paula; FELTRAN, Gabriel. As periferias de São Paulo: novas dinâmicas e conflitos. Revista Contraste. No prelo.
Pesquisa aborda inovações no ensino da Matemática
Trabalho de dissertação estuda a trajetória do ensino do conceito de número para crianças
Bianca Benfatti

Ao contrário do que supomos comumente, as pesquisas mostram que os saberes ensinados na escola não são meras adaptações das ciências, dos saberes científicos. Há todo um processo, no interior da própria escola, que transforma os anseios sociais sobre o que ensinar naquilo que, de fato, faz parte do dia a dia das aulas. E esse processo pode ser compreendido estudando-se a história da Educação e das disciplinas escolares. Quem expõe essas considerações é a doutoranda Nara Vilma Lima Pinheiro, vinculada ao programa de pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da Unifesp – Campus Guarulhos – e autora da dissertação de mestrado sobre a trajetória do ensino de Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental.
Por conta das dificuldades apresentadas nas avaliações escolares, a Matemática é uma das disciplinas que mais chamam a atenção e requerem o desenvolvimento de estudos pedagógicos. A pesquisa mencionada, que se intitula Escolas de Práticas Pedagógicas Inovadoras: Intuição, Escolanovismo e Matemática Moderna nos Primeiros Anos Escolares, analisa ao longo do tempo as propostas inovadoras para o ensino de um dos primeiros temas matemáticos presentes na escola: o conceito de número. Foi apresentada no âmbito do programa de pós-graduação já referido, dando origem a um pôster de divulgação que recebeu menção honrosa durante o V Fórum Integrador de Pesquisadores da Unifesp.
Adotou-se, no caso, um recorte temporal de quase 100 anos (1880 a 1970), durante o qual foram selecionadas três instituições que serviram de modelo para as demais e que representaram os períodos de inovação no ensino da Matemática: Escola Americana (1880-1920), Escola Normal da Praça (1930-1950) e Escola Experimental Vera Cruz (1960-1970).
Em diferentes momentos históricos, foram mobilizados elementos com vista à renovação dos métodos e conteúdos de ensino que poderiam proporcionar aos alunos condições mais favoráveis ao aprendizado da Matemática. Em específico, um dos expedientes presentes nessas propostas inovadoras dizia respeito ao uso de materiais didáticos que poderiam auxiliar o professor. Diferentes processos de ensino usaram desde materiais encontrados no dia a dia até sofisticados conjuntos de formas, elaborados para atender à chamada Psicologia Cognitiva.
A Escola Americana, a primeira estudada, associada à religião protestante e berço da atual Universidade Mackenzie, aboliu a prática de castigos físicos e estipulou o ensino por série, graduado, inovando no ensino de Matemática. Além disso, importou dos Estados Unidos o chamado ensino intuitivo. Nele a novidade era o objeto usado: materiais de uso diário (palitos e sementes, por exemplo), incorporados para facilitar o aprendizado. “Em se tratando do conceito de número, o primeiro conteúdo matemático ensinado, a professora levava os objetos e transformava-os em objeto de ensino por meio do diálogo, pergunta e resposta”, explica Nara.
No fim da década de 1920, outro movimento de inovação começa a vigorar – a Escola Nova –, destacando-se nesse cenário a Escola Normal da Praça, focada na experimentação da criança. No caso da Escola Americana, a criança passava a manipular os objetos apresentados pelo ensino intuitivo, e seu interesse era despertado quando aprendia noções matemáticas de forma natural, diz Nara. Já na Escola Nova, o processo era diferente: o interesse era o ponto de partida, motivado por jogos, histórias, cantigas e contos que estimulavam a atenção do aluno. O conteúdo era passado numa segunda etapa.
A partir da década de 1960, o movimento da Matemática Moderna propôs um novo método, implantado pela Escola Experimental Vera Cruz. O conceito de número deixou de ser o primeiro conteúdo a ser ensinado, por ser algo muito abstrato. A criança deveria, antes, aprender outros conceitos.
“Assim, ela iria estudar elementos da teoria dos conjuntos, aprender a classificar, a ordenar e depois entraria no conceito de número”, explica Nara. Os materiais concretos ou “estruturados” – que ainda fazem parte do ensino – tinham a função de tornar o aprendizado mais fácil, pois permitiam que o aluno entendesse a dinâmica de funcionamento daquele conteúdo.
A Escola Normal da Praça – que já absorvera os princípios da pedagogia escolanovista – ministrava um curso para formação de professores e, junto a ela, funcionava a Escola Anexa de ensino primário, cujo objetivo era treinar os professores que lecionavam na rede pública.
“Acreditamos que cada escola possui uma cultura própria, onde as políticas acontecem. Ela influi, de certa maneira, em tudo o que ocorre no processo de aplicação das reformas e nas políticas públicas”, esclarece Nara. A escolha pelo ensino primário foi determinada pelo fato de todos os projetos do Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática (GHEMAT) – a partir do qual o trabalho dissertativo foi realizado – incidirem sobre essa faixa escolar. Além disso, o objeto de estudo faz parte do programa de pós-graduação, que é focado na infância e adolescência.
A ideia inicial do projeto – conforme esclarece a autora – ocorreu quando estava na graduação. Na época, a pesquisadora conheceu o GHEMAT, que é coordenado por seu orientador, o professor adjunto Wagner Rodrigues Valente, da EFLCH da Unifesp – Campus Guarulhos. “O grupo é composto por pesquisadores de Matemática de vários Estados brasileiros que trabalham com projetos temáticos, e o meu é um deles.”
Materiais utilizados para o ensino intuitivo
Importado dos EUA, o ensino intuitivo utilizava-se de objetos como tornos, tábuas pequenas, pauzinhos, sementes e mapas de Parker para facilitar o aprendizado
Materiais utilizados para o ensino escolanovista
Na primeira etapa do aprendizado escolanovista, o interesse pela matéria era motivado por jogos, histórias e cantigas. Nas fotos, respectivamente na primeira e segunda fileiras (da esquerda para a direita), árvore de cálculo, encartes da revista Billiken, jogos de calcular e frações
Materiais utilizados para o ensino de Matemática Moderna
Materiais estruturados, como blocos lógicos ou multibase, ainda utilizados no ensino de Matemática Moderna, permitem o entendimento da dinâmica de funcionamento do conteúdo trabalhado
Artigos relacionados:
PINHEIRO, N. V. L. Como concretizar a abstrata matemática moderna: o arquivo pessoal Lucília Bechara Sanchez, a Secretaria de Educação de São Paulo e a formação continuada de professores nos anos 1970. Revista Brasileira de História da Matemática, 2013.
VALENTE, W. R.; PINHEIRO, N. V. L. Práticas pedagógicas para a construção do conceito de número: o que dizem os documentos do arquivo Lucília Bechara Sanchez? Zetetiké – Revista de Educação Matemática, 2014.
PINHEIRO, N. V. L. Dos materiais concretos aos estruturados: as transformações na abordagem do conceito de número na escola primária. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 11., 2013, Curitiba. [Curso de curta duração ministrado].

Excluídos da história
Pesquisa retrata a invisibilidade social dos que vivenciam o fracasso escolar
Rosa Donnangelo
* As fotografias que ilustram a matéria são da pesquisadora Elizane Henrique de Mecena
A situação estrutural da escola e a área ao redor dela caracterizam o ambiente que é frequentado por alunos, professores e funcionários, podendo ser, entre outras causas, agravantes do fracasso escolar. A conclusão é de uma pesquisa realizada pela pedagoga Elizane Henrique de Mecena, apresentada como dissertação de mestrado na Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da Unifesp – Campus Guarulhos.
Sob orientação de Marcos Cezar de Freitas, livre-docente e coordenador do programa de pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e Adolescência, a pesquisadora analisou as causas do baixo desempenho da escola que recebeu os piores índices entre todas as existentes em região periférica da cidade de São Paulo, de acordo com o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). “O fracasso escolar é atravessado pela forma como o cotidiano social chega e impacta um lugar específico, a saber, as periferias das grandes cidades”, afirma Elizane.
O olhar da pesquisa voltou-se prioritariamente para o interior da instituição e seus principais personagens. “Nossa proposta foi a de mergulhar no cotidiano das pessoas que, de alguma forma, estavam vinculadas (simbólica ou diretamente) à escola, e compreender as nuances do fracasso escolar a partir das representações dos que o vivenciaram”, explica a pesquisadora. Assim, a situação estrutural da escola pesquisada e a área que a circunda determinam o contexto a que têm acesso os alunos, professores e funcionários e são agravantes do fracasso escolar.
“O ‘esquecimento’ político predominante, perceptível nas ruas abandonadas e cobertas pelo lixo nos bairros mais distantes das metrópoles, é também sentido no cotidiano da escola, em particular sob a forma de ausência dos professores. Além disso, a falta de água que atingia a escola e o atraso na chegada de materiais didáticos – habitualmente enviados pelo governo para o início das aulas – também são pequenos exemplos de que o fenômeno não se processa fora de seu lugar de origem”, argumenta Elizane.
Entre os fatores que compõem o processo de fracasso escolar está o absenteísmo dos professores, em geral desmotivados pelas diversas barreiras que enfrentam ao longo de sua trajetória profissional. Elizane cita ainda outros exemplos, como a condição estrutural da escola, inapropriada para comportar a demanda de alunos, e o fraco desempenho do alunado. “A baixa expectativa com relação ao uso do espaço escolar, pouco atraente para os alunos, profissionais do ensino e familiares, e o próprio resultado cotidiano dos alunos são evidências de que a escola é, infelizmente, palco de vivência do que geralmente chamamos de fracasso escolar”, continua a pedagoga.
As 1.400 horas de pesquisa de campo foram empregadas na tentativa de criar uma base para a compreensão do fracasso escolar, a partir das indicações fornecidas pelos próprios envolvidos no ambiente da instituição. A pesquisadora estava determinada a dar voz aos excluídos, normalmente percebidos apenas como números de uma análise estatística. “Um diferencial importante foi poder enxergar o fracasso além do fracasso; dar voz a um grupo de pessoas encerradas em suas próprias vidas”, diz. “Lembro-me de ter ouvido de diversos professores, funcionários da escola, alunos, familiares e moradores que ninguém queria saber deles e de suas existências.”
O diário de campo, as entrevistas e o grande diferencial do projeto – o registro fotográfico – integraram o método de trabalho adotado, baseado no conceito etnográfico (o contato intersubjetivo entre o pesquisador e a comunidade). “A etnografia como metodologia é inescapável, porque é o recurso que temos para nos aprofundarmos nas pesquisas”, explica Marcos Cezar de Freitas.

Lousa de sala de aula em péssimas condições de uso
A fotografia, paixão antiga da pesquisadora, permitiu-lhe maior aproximação da comunidade. “Eles não estavam somente sendo ouvidos, estavam sendo fotografados também.”
Apenas números
Os graves problemas estruturais das escolas brasileiras são, não raro, reduzidos a meros índices de desempenho, mesmo por parte de instituições governamentais, que deveriam ter como principal preocupação desenvolver estudos para superar as dificuldades apontadas.
O orientador, de sua parte, questionou os sistemas de avaliação, em geral nem um pouco condizentes com a realidade das escolas de periferia. “A avaliação pode ser um processo positivo e necessário. Contanto que efetivamente não seja um instrumento de regulação, controle e disciplinarização”, esclarece.
Os questionamentos de Elizane também foram feitos nesse sentido, principalmente levando-se em conta o fato de que a esfera da escola não se limita somente ao âmbito pedagógico, mas também integra o cultural e o social. Para fazer uma crítica adequada dos sistemas e métodos de avaliação, a pesquisa, que é interdisciplinar, combinou contribuições da Antropologia, da Sociologia e da Pedagogia.
Elizane explica que a dificuldade maior, apesar do esforço necessário para produzir o conteúdo, foi lidar com a violência urbana, muito alta na região. Para contornar essa situação, recebeu ajuda de um policial e não se intimidou.
Freitas também se referiu a essas dificuldades, mas enalteceu o fato de a pesquisa retratar a realidade, sem deixar de dar voz a quem realmente pertencia à escola, mesmo que indiretamente.
“A maior dificuldade é deixar a realidade falar. Praticar o autopoliciamento e evitar que nos dirijamos à realidade para comprovar categorias que já conhecemos”, acentua. “A coisa mais fácil, em situações como essa, é trabalhar com dualidades falsas, descrevendo o céu onde eu estou e o inferno onde eles moram. Só é possível conhecer o cotidiano das pessoas se o vivenciarmos para tirar dele uma teia de significados.”
Elizane e Freitas conseguiram reunir um amplo material sobre as dificuldades enfrentadas pelas crianças que vivem e estudam nas periferias. “A pesquisa permitiu aproximar-me de uma realidade documentada mas, diante da perspectiva de quem a vive, ainda temos muito campo de estudo, e muitos são os caminhos que se inter-relacionam no que chamamos de fracasso escolar, ainda mais em um campo específico como são as periferias das grandes cidades”, afirma a pesquisadora.

Sala de aula que foi incendiada em um final de semana

À esquerda. a via de entrada da escola - demonstração de abandono. No centro, acima, evidenciando o desinteresse pelas aulas, alunos abandonam os livros na sala de aula. Centro, abaixo, fechadura de porta de sala de aula, semelhante às de celas de prisão; os inspetores ficam com a chave mestra e decidem quem entra no ambiente e quem dele sai. À direita, a quadra da escola evidencia o descaso com o ambiente escolar e com os alunos.

Alunos em aula vaga - cena recorrente

Elizane Henrique de Mecena
Artigo relacionado:
FREITAS, M. C.; MECENA, E. H. Vulnerabilidades de crianças que nascem e crescem em periferias metropolitanas: notícias do Brasil. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventude, Manizales (Colômbia): Universidad de Manizales, v. 10, n.1, p. 195-203, jan.-jun. 2012.
Nova geração de pesquisas investiga potencial biotecnológico
Em todo o mundo, mais de 300 milhões de seres humanos são anualmente afetados por doenças fúngicas graves, mas a Saúde Pública brasileira está mal preparada para enfrentar o problema
Bianca Benfatti

O fungo é um microrganismo que age como parasita de outros seres, vivos ou mortos, dos quais se alimenta. Existem fungos prejudiciais à saúde, que causam doenças (micoses, meningites fúngicas e aspergilose, entre outras); há os que exploram vegetais e animais mortos e os que servem como alimento adequado ao consumo humano – como alguns tipos de cogumelos –, finalmente, há os que servem como matéria-prima para a produção de medicamentos importantes, como a penicilina. Ele se apresenta em formas microscópicas (como bolores e leveduras) ou de cogumelos. O fungo tem algumas características próprias que o diferencia das plantas: não sintetiza clorofila, não possue celulose na sua parede celular e, por fim, não armazena amido como substância de reserva.
A complexidade e variedade funcional de um fungo suscitam muitos estudos, tendo como objeto o seu potencial biotecnológico, as eventuais doenças que causa e possíveis antifúngicos que podem ser criados a partir de sua biologia. Esse estudo é feito por professores da Unifesp, que atualmente desenvolvem quatro diferentes pesquisas na área.
Doenças Fúngicas
No mundo, mais de 300 milhões de pessoas de todas as idades sofrem de uma infecção fúngica grave a cada ano. Destas, mais de 1.350.000 irão morrer. As infecções causadas por fungos podem ser divididas em cinco grupos: as invasivas, que muitas vezes são fatais, meningite fúngica ou criptococose (600 mil mortes por ano), pneumonia por Pneumocystis (80 mil mortes), histoplasmose, aspergilose (100 mil mortes), infecção de corrente sanguínea por Candida (120 mil mortes); as de pele, cabelos e unhas (micose, pé de atleta, candidíase oral e esofágica); alérgica (aspergilose broncopulmonar alérgica) e pulmonar crônica ou infecção de tecidos profundos (aspergilose pulmonar crônica – 450.000 mortes), além das micoses endêmicas. Os dados foram coligidos por duas entidades internacionais não governamentais, Gaffi (Global Action Fund For Fungal Infections – Fundo de Ação Global para Infecções Fúngicas) e Life (Leading International Fungal Education – Dirigindo a Educação Internacional sobre Fungos). Elas são complementares: a Life visa, basicamente, promover programas de educação continuada na área das infecções fúngicas, além de estratégias para o desenvolvimento de projetos para diagnóstico e tratamento dessas enfermidades. O Gaffi angaria recursos e investe nas estratégias que a Life propõe.

Arnaldo Colombo: médico e pesquisador
O médico, pesquisador e professor titular da Escola Paulista de Medicina (EPM)da Unifesp – Campus São Paulo, Arnaldo Colombo, faz parte do conselho técnico das duas entidades (Gaffi e Life), representando a América Latina. Ele também é diretor técnico do Laboratório Especial de Micologia da Unifesp, que é referência nacional há mais de 20 anos no combate à mortalidade por doenças fúngicas. O local recebe recursos públicos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O laboratório desenvolve três linhas de trabalho. A primeira discorre sobre a epidemiologia das infecções: quais são as populações suscetíveis, quais as taxas e densidades de ocorrência, a incidência em hospitais terciários, o impacto em termo de morbidade/mortalidade, as espécies envolvidas e o perfil de sensibilidade das espécies que causam as infecções a drogas antifúngicas. A segunda trabalha com a micologia convencional e molecular, ajudando os centros médicos a fazer o diagnóstico precoce das doenças. A terceira linha tem como foco a participação em redes nacionais e internacionais, com a intenção de fazer a vigilância de espécies emergentes e de resistência antifúngica.
Conforme descreve o médico responsável, a falta de conhecimento é agravada pela péssima estrutura tanto no diagnóstico quanto no tratamento das infecções. “Nos currículos médicos há pouca carga horária dedicada a discutir a micologia médica, resultando em poucas pessoas capacitadas. Somando à negligência e à falta de entendimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos seus profissionais, não são feitos exames. Desse modo, há desinteresse comercial para o desenvolvimento de testes diagnósticos e de drogas antifúngicas”. Até há pouco, existiam apenas três antifúngicos no mercado: Anfotericina B, Fluconazol e Itraconazol, comparados com os mais de cem sais de antibiótico. Ao longo do desenvolvimento tecnológico que se seguiu à pandemia da Aids, houve também um aporte de recursos para tratar as infecções decorrentes, entre elas as causadas por fungos.
Gaffi e Life fazem estudos pelo mundo todo. A África aparece como a área mais afetada e suscetível às doenças fúngicas, principalmente a criptococose (decorrente do fungo Cryptococus neoformans) em consequência da Aids. Há mais de 1 milhão de indivíduos infectados, com alta de taxa de mortalidade. “No Brasil, não temos esse número, mas a América Latina é a terceira região com maior ocorrência de criptococose”, diz o médico. Além da Aids, a prática do transplante de órgãos também favorece o surgimento de infecções, pelo fato de que, para não haver rejeição do órgão pelo corpo recipiente, é necessário a aplicação de imunossupressores, diminuindo a imunidade.
O diagnóstico de uma infecção fúngica pode ser feito, de acordo com Colombo, por quatro métodos diferentes. A forma mais simples é o exame direto da cultura, quando é feita a pesquisa de elementos fúngicos no fluido biológico de um paciente infectado. O segundo método é a biopsia, com a retirada de um fragmento de tecido que se acredita estar contaminado. Outro recurso utilizado é o soro, que pesquisa antígenos de fungo no sangue ou anticorpo específico contra aquele agente. Por fim, há o método PCR (amplificação de ácidos nucléicos para fungo).
O tratamento, em geral, não é caro, afirma o pesquisador. Drogas como a Anfotericina B, Fluconazol e Itraconazol são relativamente baratas, porém não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). “O investimento para atender aos pacientes e o desenvolvimento em recursos diagnósticos para o tratamento foram quase inexistentes, como fruto da negligência e das doenças fúngicas não estarem no radar da sociedade”, disse. “A nossa batalha é por argumentar junto à sociedade e ao Sistema Único de Saúde, advogar a importância dessas infecções fúngicas, desenvolver estratégias para diagnóstico e tratamento, assim como formar recursos humanos para que hospitais possam fazer um atendimento às populações suscetíveis de forma adequada”, finaliza.
Biotecnologia aplicada
Claudia Campos, professora adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unifesp – Campus São José dos Campos, desenvolve uma pesquisa que tem como foco a bioquímica intracelular do fungo, incluindo os processos bioquímicos que controlam a proliferação, a diferenciação e demais características que estão relacionadas a causas de doenças. O projeto “Bioquímica e Sinalização Celular na Biologia do Fungo Paracoccidioides brasiliensis”, financiado pela Faspesp, tem por objetivo conhecer os processos desse fungo com o intuito de, futuramente, desenvolver drogas para o controle de doenças fúngicas.
A escolha do Paracoccidioides brasiliensis deve-se à sua capacidade de realizar diferenciação. Quando se eleva a temperatura de 25ºC para 37ºC, o fungo se transforma de micélio para levedura, tornando-se patogênico. Ele é descrito como termodimórfico: sua mudança de forma depende de um aumento na temperatura. “Vários eventos químicos acontecem em paralelo com a transformação morfológica e esse é o meu interesse, estudar diferenciação em fungos. Como isto está relacionado com a patogênese, para entender o processo é necessário conhecer os mecanismos que controlam a diferenciação”, relatou a pesquisadora. Suas características permitem que as descobertas sobre o seu comportamento sejam estendidas a outros fungos.
A doença causada pelo fungo selecionado, a paracoccidioidomicose é encontrada somente na América Latina. Ela está relacionada com a atividade rural, pois a forma infectante encontra-se no solo. A infecção começa no pulmão, espalhando-se pelas mucosas, podendo causar feridas na boca, nariz ou atingindo a pele, sendo essa a forma mais comum e crônica. A aguda, mais grave e rara, atinge órgãos internos e cai na circulação, dificultando o tratamento. A enfermidade afeta principalmente homens na fase adulta. Quando ocorre em mulheres ou crianças, geralmente, é na forma aguda. “O tempo de tratamento de micoses, de maneira geral, é muito longo”, afirma Claudia. “O óbito não é algo incomum na versão mais severa da doença”.
A enzima calcineurina, um dos alvos da pesquisa, controla a morfogênese, proliferação e a patogenicidade do fungo. O ponto de partida é descrever sua ação e interação com outras enzimas. Ela está presente tanto em células de mamíferos (neurônios e células do sistema imunológico), quanto em fungos, nos quais controla aspectos importantes de sua biologia. “A calcineurina é interessante, pois se há a inibição dela, diversos aspectos relacionados com a patogenicidade do fungo também são inibidos”, afirma Claudia. Existe uma droga contra essa enzima, porém ela não diferencia a calcineurina do hospedeiro (humano) e do fungo. Desse modo é preciso entender como ela age e quais são seus parceiros moleculares, para localizar diferenças e conseguir buscar algo específico para intervir somente na biologia do fungo.
O grupo envolvido nessa pesquisa estuda, também, vias de sinalização celular que interagem com a calcineurina. A célula percebe qualquer sinal que esteja fora dela: nutrientes, glicose, aminoácido, entre outros. Receptores localizados na sua superfície emitem esses sinais para dentro da célula. No caso do Paracoccidioides brasiliensis, o estímulo poderia ser a mudança de temperatura, que ativará alguma molécula na membrana que faz com que entre cálcio, e este impulsionará a calcineurina. “Esta é uma fosfatase, enzima que possui a capacidade de retirar fosforilas (molécula ou átomo de fósforo com hidrogênios ligados, de proteínas), ou seja, se existe um alvo fosforilado, ela tirará essas fosforilas”, explica.
Quando foram comparadas células de uma cultura sem tratamento e outra tratada com o inibidor de calcineurina (ciclosporina A), usando diferentes métodos, foram encontrados diferentes tipos de lipídios. “Isso é uma indicação que a calcineurina, além de controlar a proliferação e a diferenciação, de alguma forma também controla o metabolismo lipídico”, analisa Claudia. Essa fase do projeto obteve financiamento, com a bolsa Jovem Pesquisador, concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por quatro anos.
A outra fase – relativa à verificação do envolvimento da calcineurina com os processos – demandou um estudo inicial para revelar os genes que tinham expressões alteradas. Por fim, buscar parceiros intracelulares. Ambos os projetos já foram finalizados e fazem parte do programa de Biotecnologia do campus. “Estou agora elaborando uma nova proposta nessa mesma linha. Mesmo que não envolva a calcineurina, todos são projetos relacionados à virulência desse mesmo fungo”, diz. O diferencial do projeto é o fato de atuar em uma área pouco conhecida pela biologia, a bioquímica intracelular de microrganismos. “Existem poucos estudos em relação a isso e é necessário conhecer para poder intervir”, finaliza Claudia.

Claudia Campos
Artigos relacionados:
CAMPOS, C.B.; DI BENEDETTE, J.P.; MORAIS, F.V.; OVALLE, R.; NOBREGA, M.P. Evidence for the role of calcineurin in morphogenesis and calcium homeostasis during mycelium-to-yeast dimorphism of Paracoccidioides brasiliensis. Eukaryot Cell, v.7, n.10, p. 1856-1864, 2008.
MATOS, T.G.; MORAIS, F.V.; CAMPOS, C.B. Hsp90 regulates Paracoccidioides brasiliensis proliferation and ROS levels under thermal stress and cooperates with calcineurin to control yeast to mycelium dimorphism. Medical Mycology, v.51, n.4, p. 413-421, maio 2013.
Novos protótipos de antifúngicos
No Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Unifesp – Campus Diadema, a pesquisa com doenças fúngicas tem dois eixos bem definidos.
Os professores Renata Pascon e Marcelo Vallim, do Laboratório de Interações Microbianas (LIM), estudam o Cryptoccocus neoformans, que é o agente etiológico da criptococose ou meningite fúngica, uma doença fatal que afeta indivíduos imunocomprometidos. Uma segunda vertente da pesquisa visa buscar novos antifúngicos que possam agir em conjunto com os já existentes. Esse trabalho é desenvolvido de forma integrada com os professores João Henrique Ghilardi Lago e Patrícia Sartorelli, do Laboratório de Química Biorgânica Otto Richard Gottlieb (LABIORG).
No primeiro eixo da pesquisa, o Cryptoccocus neoformans é considerado um modelo biológico por ser a sua manipulação genética extremamente maleável. Os pesquisadores usam as informações sobre o genoma e as ferramentas de biologia molecular deste fungo para construir linhagens geneticamente modificadas, as quais ajudam a conhecer melhor os mecanismos que controlam a virulência e a patogênese. A inativação específica de genes e a análise dos mutantes ajudam a apontar novos alvos moleculares para desenvolvimento de antifúngicos. O LIM possui um bombardeador de partículas, também conhecido como Biolística, para gerar as linhagens geneticamente modificadas para estudo.
De acordo com os pesquisadores, são estudadas as vias metabólicas que levam a biossíntese e aquisição de aminoácidos. Também a capacidade de o Cryptoccocus neoformans aumentar a temperatura fisiológica dos mamíferos. Os aminoácidos são importantes aspectos da biologia dos fungos que possibilitam a invasão do hospedeiro. Os estudiosos já identificaram diversos genes importantes que atuam em processos biológicos, como a via de biossíntese do triptofano e das pirimidinas, transporte intracelular de aminoácidos e autofagia. Os projetos têm financiamento da Fapesp e do CNPq.
No segundo eixo, o trabalho é caracterizado pela ampla interdisciplinaridade do grupo de quatro professores, a qual foi fortalecida com a criação de dois programas de pós-graduação: Biologia Química e Biotecnologia, e da aprovação de projetos de pesquisa com financiamento da Fapesp no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (BIOTA). A colaboração de pesquisadores da área de Química de Produtos Naturais abriu uma nova vertente: explorar a diversidade da flora brasileira, agregando valor a diferentes espécies vegetais, buscando soluções para a doença que este fungo causa. “Nós queremos saber, por exemplo, como as substâncias naturais oriundas de plantas brasileiras podem atuar na redução ou na inibição do crescimento desses fungos”, diz João Lago. “Por isso, estudamos as vias metabólicas. Sabemos que existem muitos aminoácidos e vitaminas que o fungo consegue sintetizar e a célula animal não. Portanto, se criarmos um medicamento que atue nesse ponto, ele prejudicará apenas o fungo”, afirma Renata Pascon. No caso da bactéria, por ser uma célula procariota (ser vivo unicelular e cujo núcleo não está separado do citoplasma), há uma gama de inibidores de crescimento que podem ser usados.
Para começar a seleção das plantas capazes de inibir o crescimento e a proliferação de fungos, é necessário ter, antes, algum tipo de informação sobre as propriedades da espécie. Na sequência, os extratos e/ou óleos voláteis são preparados e submetidos a diferentes processos cromatográficos e espectrométricos, tais como a CG/EM (cromatografia em fase gasosa acoplada a espectrometria de massas), a CLAE (cromatografia líquida de alta eficiência) e a RMN (ressonância magnética nuclear), visando a separação e a identificação molecular das substâncias presentes nas matrizes bioativas.
Algumas espécies vegetais, como Eugenia uniflora e Plinia trunciflora (Myrtaceae), Porcelia macrocarpa (Annonaceae) e Nectandra megapotamica (Lauraceae), forneceram óleos voláteis que contém substâncias com atividade expressiva. “Nós demonstramos, usando a técnica de determinação da CIM (concentração inibitória mínima), qual quantidade dessa substância é capaz de impedir o crescimento do fungo, em comparação com o antifúngico padrão”, explica Vallim.
O diferencial do projeto é a interdisciplinaridade possibilitada pelo programa de Biologia Química, o primeiro aprovado pela Capes no Campus Diadema. “É um trabalho interdisciplinar que envolve diversas ferramentas biológicas e químicas. Podemos atuar desde a identificação do alvo molecular até o isolamento”, explica João Lago. “Desta forma, é possível desenvolver projetos em áreas distintas, inclusive na Química Medicinal, podendo-se preparar vários protótipos diferentes baseados na estrutura original do produto bioativo”.

Patrícia Sartorelli, Renata Pascon, Marcelo Vallim e João Lago, respectivamente.
Artigos relacionados:
PALAVANI, E. B.; MARIANE, B.; VALLIM, M.A.; PASCON, R.; SARTORELLI, P.; SOARES, M. G.; LAGO, J. H. G. The seazonal variation of the chemical composition of essential oils from Porcelia macrocarpa R.E. Fries (Annonaceae) and their antimicrobial activity. Molecules, v. 18, n. 11, p. 13574-13587, nov. 2013.
LAGO, J. H. G.; SOUZA, E.D.; MARIANE, B.; PASCON, R.; VALLIM, M. A.; MARTINS, R. C. C.; BAROLI, A. A.; CARVALHO, B. A.; SOARES, M. G.; SANTOS, R. T.; SARTORELLI, P. Chemical and biological evaluation of essential oils from two species of Myrtaceae – Eugenia uniflora L. and Plinia trunciflora (O. Berg) Kausel. Molecules, v. 16, n.12, p. 9827-9837, dez. 2011.
PASCON, Renata C.; GONTIJO, Fabiano Assis de; FERNANDES, Larissa; MACHADO-Junior, Joel; ALSPAUGH, J. Andrew; VALLIM, Marcelo A. The role of de novo pyrimidine biosynthetic pathway in Cryptococcus neoformans high temperature growth and virulence. Fungal Genetics and Biology, 2014. Artigo aceito para publicação.
Bioprospecção de fungos do Zoológico

Lâmina de microscopia de linhagem isolada de Aspergillus sp.
Quem vai ao Zoológico de São Paulo não imagina, mas além de ele possuir um acervo enorme de animais do mundo todo e estar localizado no último resquício de Mata Atlântica da capital, abriga uma grande diversidade de bactérias e fungos. É isso que o médico e professor da EPM, Luiz Juliano, percebeu ao montar um primeiro projeto financiado pela Fapesp, construindo um laboratório de pesquisa naquele espaço. Tal empreendimento teve como objetivo o estudo da microbiologia aplicada, ou seja, a investigação da microbiota, das comunidades microbianas (bactérias, fungos, leveduras) e recursos genéticos como um todo. A professora adjunta do Campus Diadema, Suzan Pantaroto, entrou no grupo de pesquisadores e iniciou o projeto “Potencial biotecnológico de fungos da Fundação Parque Zoológico de São Paulo”, junto com o professor Wagner Luiz Batista, do mesmo campus. Os pesquisadores usam o zoológico como fonte de amostragem da pesquisa.
O principal objetivo da pesquisa é estudar o potencial enzimático dos animais. Uma parte da equipe analisa a função de metabólicos secundários com função antibiótica, principalmente nos fungos. “Nós já detectamos alguns desses microrganismos que produzem compostos com atividade antibiótica de amplo espectro, melhor do que o próprio antibiótico comercial usado como referência”, relata Suzan. Outro estudo envolve a avaliação em biocatálise, que é a produção de blocos de construção. A investigação visa detectar o potencial de produção de celulase e protease voltada a formação de etanol de segunda geração, além da ação de biorregulação em ambientes contaminados por petróleo, efluentes industriais ricos em hidrocarboneto. Essa parte do trabalho está sendo feita por André Luiz Meleiro Porto, da USP – São Carlos.
Todos esses estudos utilizam a mesma fonte: a compostagem de material orgânico do zoológico (restos de poda, folhas podres ou árvores que caem). O material é levado à unidade de produção onde é triturado e transformado em composto orgânico. A célula de compostagem é montada com uma camada de folhagem e uma de fezes (resíduos de alimentos dos bichos). A temperatura é elevada até 80ºC, sendo necessário irrigar e revolver essa pilha, que virará biofertilizante rico em microrganismos.
Para isolar um fungo, os pesquisadores selecionam uma amostra de mais ou menos 100 gramas, cuja composição é estabelecida por técnicos, incluindo veterinários. “Feito isso, levo a amostra ao laboratório e faço o plaqueamento em diferentes meios de cultura que permitam o crescimento de fungos”, descreve a pesquisadora. Em seguida aplica-se antibiótico, para que só obtenha fungos. Se a comunidade isolada apresentar atividade interessante, realiza-se uma caracterização taxonômica.
A bioprospecção de fungos é muito importante. “A investigação do potencial de aplicação desses fungos contempla também o uso positivo, não apenas o lado infeccioso”, afirma Suzan. Uma vez isolado, o fungo pode ser induzido, se ele possuir essa capacidade, a fornecer algo que está sendo buscado. Isso se chama rota metabólica.
“O diferencial do projeto é a fonte de amostragem, o zoológico. Além de termos a possibilidade de trabalhar com uma amostra única, que é a compostagem e todo acervo animal”, disse. “Essa parceria, Unifesp e zoológico, deu muito certo. Nós como grupo de pesquisa e eles como interessados em ajudar e fornecer amostras, podendo até chegar à patente de um produto”, completa Suzan.
A pesquisadora Suzan Pantaroto
Vidas precárias no centro de São Paulo
Pesquisador estuda a condição e a trajetória da mulher em situação de rua na capital paulista
Rosa Donnangelo
* As fotografias que ilustram a matéria são de Mariana Batistini
Os estudos de Anderson Rosa sobre a população em situação de rua tiveram início em 2002. Com graduação e mestrado em Enfermagem pela Escola Paulista de Enfermagem (EPE) da Unifesp – Campus São Paulo, onde completou seu doutorado na mesma área em 2012 com a tese “Mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo: um olhar sobre trajetórias de vida”.
A história por trás da tese é bastante peculiar. Enquanto desenvolvia o mestrado sobre o sentido de vida para homens em situação de rua, Anderson foi abordado por uma mulher que pediu para ser entrevistada. O pesquisador tentou explicar que entrevistaria apenas homens devido ao plano do estudo em desenvolvimento, mas a senhora foi insistente, o acusou de discriminação e Anderson parou para ouvi-la.
“Quando eu fiz isso, criei um problema enquanto pesquisador, porque ela trouxe questões importantes, que a gente não havia pensado para a dissertação. Tínhamos a impressão de que o universo da mulher em situação de rua era completamente diferente. Foi então que surgiu a ideia de fazer um doutorado abordando a questão do gênero e da mulher”, comenta.
Uma das dificuldades que Rosa teve foi a de construir referências seguras para falar e estudar sobre o universo feminino.
“Primeiro, houve uma crise pessoal do ‘eu homem’ pesquisar o universo feminino, mas foi um processo interessante”, explica. A orientadora Ana Brêtas, professora da EPE, indicou autores que estudavam a questão do gênero e discutiam o feminismo. Rosa concluiu que a partir do momento em que a questão social é trazida para a universidade, o enfermeiro adquire uma nova perspectiva crítica e analítica.
“Há pessoas que falam que na cidade de São Paulo vivem ‘apenas’ 14 mil pessoas em situação de rua. Se fosse uma pessoa já seria um problema; 14 mil constituem um problema social e econômico enorme. A hora que nós trazemos isso pra área da saúde, nós temos que ser enfermeiros diferentes”, afirma Ana.

Utilizar a cartografia como principal ferramenta na metodologia de pesquisa foi um diferencial no estudo. O método permite mais liberdade de pesquisa, não limitando o estudo a um ponto fixo. A partir do censo feito pela Prefeitura de São Paulo, em 2009, Rosa estabeleceu as diretrizes iniciais do projeto. “Baseamos-nos nos três distritos administrativos que tinham mais mulheres em situação de rua na cidade: Sé, Santa Cecília e República. A ideia era entender o universo do morador de rua, mas fora dos equipamentos sociais, porque desde então, tudo que nós havíamos estudado estava dentro de um centro comunitário ou de outros equipamentos. Bem ou mal, é um ambiente protegido, mas que não abriga todo mundo. Tem morador de rua que está fora desse equipamento. Então a gente queria incluir essa porcentagem de pessoas. Começamos o trabalho de campo, que durou um ano”, pontua Rosa.
A dificuldade inicial da pesquisa de campo foi abordar e conseguir estabelecer uma relação de confiança com as mulheres. Entre sucessos e fracassos, o pesquisador aprendeu a interagir com as mulheres nas ruas e, posteriormente, em um Centro de Acolhida, cumprir a etapa de coleta de dados. Rosa fala ainda sobre a responsabilidade do pesquisador ao utilizar a técnica da entrevista: “À medida que alguém pede para as pessoas falarem da vida, feridas são abertas, a pessoa lembra de coisas que talvez queira esquecer. Em alguns momentos a gente parava a entrevista pra fazer algum tipo de acolhida, pra tentar resolver algum sofrimento que havíamos causado em função da entrevista e muitas vezes a relação de vínculo era criada ou fortalecida a partir daquele momento”, explica.
A população em situação de rua carece de atenção, de ser olhada e ouvida. O diário de campo com a observação de mais de 100 mulheres e os relatos de 22 mulheres entrevistadas ajudou o pesquisador a constituir um material composto de histórias de vida. Empolgados, ele e a orientadora, pela riqueza dos dados obtidos, enfrentaram a grande dificuldade de saber o momento de finalizar a fase de coleta de dados, e posteriormente de analisá-los, conferindo consistência teórica e metodológica à tese.
A pesquisa foi feita sem financiamento público. Foi o próprio pesquisador quem pagou as idas e vindas ao centro da cidade, albergues e centros comunitários. Rosa relata que ficou sensibilizado com o descaso por parte das autoridades em reconhecer a cidadania das pessoas em situação de rua. Por vezes, se gasta mais energia com repressão e medidas higienistas do que com o cuidado para atenuar o sofrimento e com estratégias para que a rua não seja a única opção de vida dessas pessoas.
Na época em que Rosa deu os primeiros passos nos estudos sobre a rua, 12 anos atrás, não existiam políticas públicas ou discussões para fundamentá-las, a fim de criar um espaço de debate sobre a mulher no espaço da rua. Hoje, o cenário se mantém. Apesar de verificar algumas mudanças e até avanços, o pesquisador diz que não há, nas políticas destinadas à população em situação de rua, a distinção das diferenças de gênero, o que agrava a exclusão social das mulheres e outras minorias nas ruas. “Na área da saúde temos um trabalho consistente, mas precisamos de ações e políticas públicas intersetoriais para cuidarmos dessas mulheres de forma integral”, lamenta.
O estudo não visa estabelecer o comparativo entre gêneros, mas as diferenças entre o homem e a mulher em situação de rua são muitas. A rua é por si só um ambiente predominantemente masculino. Enquanto muitas mulheres vão para as ruas num ato libertador, fugindo de situações de violência doméstica, os homens chegam a esse meio por conta da falência. A sociedade machista que tem na figura do homem o provedor e chefe de família, é a mesma sociedade que julga correto o espancamento de mulheres. Enquanto o Estado falha na garantia de segurança e eficácia das leis que são criadas para a proteção da mulher, mais delas vão para as ruas. “Não precisa que a mulher esteja na rua para ser olhada. O cuidado com a violência doméstica, com a vulnerabilidade social deve ser intensificado, aponta Rosa.
O projeto não trabalha com conclusões, mas considerações. Como já mencionado, além de cuidar da mulher em sua vulnerabilidade, esses espaços devem ser pensados para acolher as mulheres em situação de rua. O pesquisador diz não concordar com o estabelecimento de espaços femininos e masculinos. Ele acha essa mistura saudável, no entanto, a infraestrutura dos equipamentos sociais precisa garantir condições para que a mulher atenda suas necessidades de cuidados corporais, de higiene, de repouso, entre outros. A questão da sexualidade aparece de modo bastante forte: a mulher não deve somente ganhar o preservativo, ela deve ser conscientizada sobre os métodos de uso.
Outro fator, talvez o principal deles, diz respeito ao trabalho dos órgãos responsáveis pelos projetos voltados à população de rua, que deve ser interdisciplinar. “O trabalho na rua precisa ser intersetorial e interdisciplinar. Não adianta a gente achar que só a Saúde vai dar conta, que só a Ciência Social vai dar conta. A gente precisa criar portas de saída. Tudo que temos percebido em relação ao cuidado com a população de rua está caminhando no sentido de tornar a vida na rua mais saudável, o que é bom, mas a gente não observa o projeto de que a saída da rua seja uma opção. Talvez algumas das pessoas optem mesmo por continuar na rua e isso tem que ser um direito respeitado. Mas outras querem sair e a gente não está conseguindo o apoio necessário. Esse amparo tem que ser intersetorial, temos que ver a questão das drogas de forma sincronizada com a questão do trabalho, da moradia, da autossuficiência de renda. Acho que é o que temos que evoluir. Há grupos discutindo essas coisas, mas a política ainda não tem sido induzida dessa forma”, analisa o pesquisador.
Em geral, quem perde está no lado mais fraco. Existe um problema político e social envolvido na questão da moradia no centro da cidade, que é a política de revitalização do centro da capital. A população em situação de rua fica a mercê dos interesses imobiliários que cobiçam a área.
Os investimentos imobiliários especulativos, por conta da Copa do Mundo de 2014, reorientam as políticas públicas. Os lugares estão sendo disputados e o morador de rua é a parte mais frágil em questão. Por isso, tendo em vista as questões concretas colocadas pela conjuntura, a pesquisa tentou manter no horizonte a busca de uma perspectiva capaz de melhorar a qualidade de vida dessa população.
O trabalhou gerou o livro “Enfermagem e saúde: olhares sobre a situação de rua” pela editora CRV, coletânea dos trabalhos desenvolvidos nessa área ao longo dos 12 anos de estudo.

Ana Brêtas e Anderson da Silva Rosa
Pesquisa:
Mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo: um olhar sobre trajetórias de vida
Autor:
Anderson da Silva Rosa
Drogas prometem melhor qualidade de vida
Doenças crônicas são tema de pesquisas interdisciplinares que visam diminuir o impacto de efeitos colaterais e potencializar ação curativa dos fármacos
Rosa Donnangelo
Doenças crônicas, objeto constante da pesquisa científica, demandam a interação de diversas áreas do conhecimento, com a finalidade de levar aos pacientes melhor qualidade de vida e chances de tratamento sem as reações adversas que os medicamentos, muitas vezes de alta potência, causam ao corpo humano.
Nesse sentido, a criação de novos cursos de graduação e pós-graduação, decorrente do processo de expansão da Unifesp, oferece maiores oportunidades de realização de estudos interdisciplinares e, principalmente, de ampliação da produção científica e da pesquisa. O conhecimento integrado influi positivamente no desenvolvimento das teses e proporciona aos pesquisadores maior domínio sobre o objeto de estudo.
O tema “fármacos” parece estar restrito, num primeiro momento, somente à área da Farmácia. No entanto, as três pesquisas apresentadas em seguida mostram um quadro distinto: duas delas são coordenadas pelo Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unifesp – Campus São José dos Campos; a terceira é oriunda do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas – Campus Diadema.
Os três projetos apresentam como objeto de estudo substâncias ou compostos que são potenciais candidatos a proporcionar significativas melhoras no tratamento de doenças como Aids, melanoma metastático (câncer de pele com metástase) e doenças pulmonares agudas, como a síndrome do desconforto pulmonar agudo, e crônicas, como a bronquite asmática e o enfisema pulmonar. Há muito o que pesquisar para que pacientes diagnosticados com tais doenças possam ser contemplados com possíveis medicamentos de maior eficácia e melhora na qualidade de vida. O processo demanda tempo, testes e aprovação de órgãos reguladores. “É um sonho, e eu gosto de sonhar”, comenta Silvia Lucia Cuffini, professora adjunta do ICT e responsável por um dos projetos.
A cristalografia e a melhora nas propriedades dos fármacos
Silvia Cuffini, graduada em Ciências Químicas e pós-graduada na mesma área pela Universidad Nacional de Córdoba (Argentina), apresentou à Unifesp uma linha de pesquisa química que se baseia na modificação de fármacos e desenvolve novas formas cristalinas para o tratamento de pacientes com Aids/HIV. Propõe também a perspectiva interdisciplinar para o desenvolvimento do projeto.
“O desafio é aplicar os conhecimentos das áreas de Química, Engenharia de Materiais e Física na área de fármacos”, ressalta. E acrescenta que o estudo de novas formas cristalinas – como os polimorfos (diferentes estruturas cristalinas com a mesma composição química) – e das partículas com forma oca, que modificam a morfologia do cristal, agrega conhecimento de grande importância, que pode ser transferido para a indústria farmacêutica no Brasil.
O objetivo fundamental do estudo é modificar a estrutura cristalina e a morfologia dos princípios ativos farmacêuticos, bem como suas propriedades físico-químicas, para que sejam capazes de aumentar a velocidade da solução do fármaco. “Aumentando a velocidade da solução, principalmente no projeto com antirretrovirais, pretendemos melhorar os cristais ou desenhar novas formulações deles, tentando diminuir a dose e também evitando surfactantes que sejam tóxicos acima de certos limites. Dessa forma, busca-se diminuir possíveis causas dos efeitos adversos e tóxicos que sofrem os pacientes, melhorando a sua qualidade de vida”, explica Silvia. A pesquisa na área de cristalografia em fármacos deverá ser desenvolvida em colaboração com docentes da Unifesp que atuam em todas as áreas abrangidas.
Como a incorporação da pesquisadora ao quadro permanente da Unifesp foi recente, o financiamento de instituições de fomento para desenvolver o projeto ainda está sendo solicitado. Atualmente, esse trabalho depende de incentivos cedidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), por meio do laboratório Farmanguinhos, em uma importante parceria para uso de equipamentos e repasse de insumos e matérias- primas relacionados ao programa de Aids/HIV no Brasil. O objetivo do projeto é produzir novas formas cristalinas de fármacos que estão em uso no mercado, o que é considerado pela pesquisadora como um diferencial. O conhecimento prévio dos efeitos farmacológicos do princípio ativo é uma grande vantagem para o desenvolvimento de novos medicamentos que podem chegar em um tempo relativamente curto ao paciente.
“Nós queremos modificar o fármaco para melhorar suas propriedades e diminuir os efeitos adversos dos antirretrovirais. Os pacientes são altamente medicados, e obter uma nova fórmula farmacêutica, que consiga diminuir a dose ingerida com a mesma biodisponibilidade (veja infográfico à esquerda) e redução das reações adversas, seria um diferencial e significaria um novo produto que ainda não está no mercado”, explica. “Estamos trabalhando para fornecer à indústria farmacêutica as ferramentas que utilizam a cristalografia para o controle de qualidade tanto no polimorfismo como na nanoestrutura das matérias-primas, além de melhorar processos de elaboração, como micronização, para assegurar a reprodutibilidade na qualidade dos produtos”. A micronização é um processo mecânico que diminui o tamanho de partículas, muito usado para melhorar a velocidade de dissolução no caso de drogas pouco solúveis.
A competição com os mercados da Índia e China é grande; por isso o governo incentiva cada vez mais a pesquisa na área, evitando a dependência de produtos importados. “Gerar esse conhecimento pode ajudar muito a conseguir novos medicamentos, de excelente qualidade, em nível nacional. Às vezes temos grandes problemas com os insumos importados que chegam da China e da Índia; por isso, é preciso aumentar os controles, principalmente nos parâmetros do estado sólido. Os laboratórios farmacêuticos precisam cada vez mais controlar o polimorfismo e a nanoestrutura dos insumos importados ”, afirma.
A pesquisa e a produção em laboratórios farmacoquímicos seguem passos criteriosos. São várias as estratégias empregadas para conseguir que o fármaco adquira as propriedades qualificadas. O primeiro processo é de síntese; o segundo é de engenharia de cristais, porque geralmente o princípio ativo farmacêutico é um pó cristalino. O desafio é gerar um pó com características físico-químicas e cristalográficas adequadas. “A pureza química é controlada rotineiramente, mas não a forma polimórfica ou cristalográfica. Como consequência, o princípio ativo pode não produzir o efeito terapêutico esperado”, lamenta a pesquisadora.
O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde estima que 718 mil pessoas vivam com Aids/HIV no Brasil. “Estamos pensando na qualidade de vida desses pacientes. Às vezes, achamos que a redução de um comprimido com dose de 600 mg para um de 300 mg é pouco, mas para um paciente que tem de tomar um coquetel de 19 medicamentos significa muito”, esclarece Silvia. O projeto utiliza fármacos que já existem no mercado, e os futuros testes e aprovações podem ser mais rápidos. “Uma vez comprovado que estamos atingindo a biodisponibilidade exigida com a nova formulação, isso levaria a um processo via Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aprovação do produto. É um procedimento que julgo demandar menos tempo e que seria mais factível de ser aprovado. Principalmente porque já conhecemos a farmacologia e farmacocinética do produto. Vamos ter de mostrar que a biodisponibilidade é a mesma, mas com menor dose”, pontua.
A pesquisa desenvolvida por Silvia Cuffini mostra como o Brasil pode alcançar níveis de independência muito maiores em relação à produção de fármacos no país. “Estamos desenvolvendo conhecimentos que não estavam disponibilizados antes para a indústria farmacêutica. Esses resultados serão importantes para a comunicação - como artigos em nível internacional, mostrando que temos qualidade na pesquisa e estamos transferindo os conhecimentos para laboratórios farmacêuticos, que finalmente beneficiarão os pacientes”, conclui.

Pesquisa: Desenvolvimento de novas formas cristalinas de princípios ativos farmacêuticos para melhorar suas propriedades físico-químicas e sua biodisponibilidade para o tratamento de Aids/HIV
Autora: Silvia Lucia Cuffini
Artigos relacionados:
CUFFINI, S.L.; ELLENA, J.F.; MASCARENHAS, Y.P.; AYALA, A.P.; SIELSER, H.W.; MENDES FILHO, J.; MONTI, G.A.; AIASSA, V. ; SPERANDEO, N.R. Physicochemical characterization of deflazacort: thermal analysis, crystallographic and spectroscopic study. Steroids, v.72, n.3, p. 261–269, mar. 2007.
PAULINO, A. S.; RAUBER, G.; CAMPOS, C. E. M.; CUFFINI, S.L. et al. Dissolution enhancement of deflazacort using hollow crystals prepared by antisolvent crystallization process. European Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 49, n. 2, p. 294–301, 13 maio 2013.
PAULINO, A. S.; RAUBER, G. S.; CAMPOS, C. E.M.; CUFFINI, S.L. et al. Hollow crystal anti-solvent preparation process as a promising technique to improve dissolution of poorly soluble drugs. Journal of Crystal Growth, v. 366, p. 76–81, 1º mar. 2013.
Como integrar a nanotecnologia à produção de fármacos?
A resposta de Dayane Batista Tada, graduada em Química pela Universidade de São Paulo (USP) e professora adjunta do ICT, é objetiva. “Queremos um fármaco baseado em material nanoparticulado (átomos e moléculas manipulados em escala nanométrica), cuja atividade seja bem conhecida e com informações suficientes para nos manter no controle de sua ação no sistema biológico.”
O projeto, iniciado em 2012, é financiado pelo programa Jovem Pesquisador - Fapesp e tem como alvo a terapia do melanoma metastático – câncer de pele em estágio avançado que se dissemina para outros órgãos do corpo humano. Dayane afirma que para o melanoma simples há grandes chances de cura, mas em situação de metástase o índice de morte é alto: segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 2010 ocorreram 1507 mortes em função desse tipo de câncer.
Estudos sobre a nanopartícula evidenciaram que sua penetração no tecido tumoral é muito eficiente. Durante os anos que se seguiram a 2003, início dos estudos realizados pela pesquisadora com nanopartículas, observou-se que existia falta de informação sobre a interação da nanopartícula com as células. Os testes eram feitos e os estudos interrompidos ao longo do caminho.
“De onde vem a falha? Fiquei com essa dúvida. E dependendo de como o material se comunica com a célula, se ele entra na célula ou não, ou se a célula reconhece o material como organismo estranho, o fármaco perde o efeito terapêutico. Surgiu então a ideia de estudar mais profundamente como se dá essa relação. Preciso do fármaco em material nanoparticulado, mas preciso ter o controle de sua ação”, explica.
O domínio sobre o fármaco em nanopartículas permitiria que a droga levada ao local alvo sofresse menores interferências do meio externo, se espalhasse menos e causasse menos reações adversas ao paciente. “A dose indicada seria diminuída e o tempo de tratamento também – isso seria o resultado do projeto. Os ensaios ainda não serão realizados em humanos, mas já têm sido realizados em cobaias. O fármaco, associado a uma nanopartícula, poderá tornar-se um novo fármaco, mais eficiente. Ele é a nanopartícula em si, mas com maior atividade terapêutica”, pontua. A colaboração com o projeto, que é interdisciplinar, provém de docentes tanto da Unifesp como da USP, de diversas áreas do conhecimento como Física, Matemática, Biomedicina, Química e Bioquímica. Enquanto a pesquisadora realiza os estudos e experimentos no laboratório, os colaboradores aplicam técnicas de suas respectivas áreas para qualificação da pesquisa.
O grande diferencial do projeto, além da interação desses novos compostos com o sistema biológico, é a tentativa de buscar um tratamento eficaz para o paciente com melanoma. “Eu sonho em obter uma terapia eficiente para esse tipo de melanoma, desejo que haja um medicamento que dê chance de sobrevivência ao paciente ou, pelo menos, de prolongamento da vida”, finaliza Dayane.

Pesquisa: Desenvolvimento de fármacos baseados em materiais nanoparticulados
Jovem Pesquisador Fapesp
Autora: Dayane Tada
Artigo relacionado: TADA, Dayane B.; SURANITI, Emanuel; ROSSI, Liane M.; LEITE, Carlos A.P.; OLIVEIRA, Carla S.; TUMOLO, Tathyana C.; CALEMCZUK, Roberto; LIVACHE, Thierry; BAPTISTA, Mauricio S. Effect of lipid coating on the interaction between silica nanoparticles and membranes. Journal of Biomedical Nanotechnology, California: American Scientific Publishers, v.10, n.3, p. 519-528, mar. 2014. Disponível em: < http://dx.doi.org/10.1166/jbn.2014.1723 >.
Sakuranetina e óleos essenciais no combate às doenças pulmonares
No âmbito do programa de pós-graduação de Biologia Química do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas – Campus Diadema, desenvolve-se uma pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tem como principal objetivo avaliar a ação de substâncias derivadas de plantas em modelos experimentais, com enfoque no combate às doenças pulmonares crônicas e agudas.
Responsável pela condução do estudo, Carla Máximo Prado é professora adjunta do instituto e coordena um grupo formado por alunos de mestrado e de iniciação científica e pelos seguintes colaboradores: João Henrique Ghilardi Lago, docente vinculado à mesma unidade, e Milton de Arruda Martins, médico e titular da Faculdade de Medicina da USP. “Aqui nós temos um núcleo de docentes muito heterogêneo, que vêm de diferentes áreas, com diferentes expertises. Começamos a discutir o que poderíamos desenvolver juntos e como essas áreas poderiam se integrar”, comenta Carla.
As doenças pulmonares afetam a vida de inúmeros seres humanos. O fumo aparece como a principal causa de doenças crônicas do pulmão, seguida pelos fatores que causam irritação, como poluentes e poeira. Falta de ar para atividades corriqueiras, acompanhada de tosse, por exemplo, pode ser sinal de que algo não está bem no pulmão.
A pesquisa é embasada na indução de doenças pulmonares, como o enfisema pulmonar, a asma e a lesão pulmonar aguda, em camundongos – modelos experimentais. Os modelos simulam as doenças em seres humanos. Os testes acontecem com aplicação de diferentes substâncias em todos os animais. “Em um trabalho avaliamos certa substância na asma; no outro, a ação dessa mesma substância sobre o enfisema ou lesão pulmonar aguda”, explica a pesquisadora.
Tais substâncias, que hoje fazem parte do projeto, foram anteriormente estudadas e, após a comprovação de seu potencial de atividade antioxidante e anti-inflamatória, foram aprovadas para dar início às pesquisas com o enfoque que se tem hoje. “Não foram substâncias selecionadas aleatoriamente e que resolvemos testar. A escolha de todos os materiais dependeu de estudos prévios com embasamento científico”, pontua Carla.
Um dos objetivos da pesquisa é demonstrar que os fitoterápicos constituem boa saída para doenças que não possuem tratamento adequado, como a síndrome do desconforto respiratório agudo e o enfisema. “Temos que explorar fármacos oriundos de plantas que estão presentes na nossa flora, utilizar algo que está dentro do nosso território, dentro do país, para - de repente - produzir um fármaco”, argumenta.
A sakuranetina, que é encontrada em grande quantidade na planta Baccharis retusa, possui efeito antioxidante forte e mostrou ser similar ao corticosteroide, medicamento já usado para tratamento da asma, que não produz efeito em parte dos pacientes, principalmente os mais graves. “Em cada doença a sakuranetina tem um mecanismo de ação, mas - de forma geral - inibe a liberação de mediadores inflamatórios. Ou seja, de citocinas que vão induzir a resposta inflamatória.”
São também estudados três óleos essenciais que apresentam diferença na estrutura química, com a hidroxila (OH) em posições alteradas. Esses trabalhos visam correlacionar a estrutura e a função biológica dos compostos.
“Para dar embasamento à pesquisa, primeiro se induz a doença, no caso da asma, no dia 0 (zero); repete-se a indução no dia 14, e a partir do dia 15 em diante já é possível saber se esse animal tem inflamação no pulmão. Assim utilizamos um enfoque terapêutico. Não adianta dar o remédio ao animal antes de ele desenvolver a doença. Não adianta aconselharmos as pessoas na rua a usarem a sakuranetina de forma preventiva: ‘Olhe, tome sakuranetina que é bom e previne a asma’. A ideia é que ela seja usada para pessoas que já tenham a doença”, informa Carla sobre a metodologia.
A redução dos efeitos adversos que os medicamentos comuns causam aos pacientes é o ponto principal da pesquisa, especialmente em relação aos asmáticos. E quanto às outras patologias, o objetivo fica por conta de alcançar uma nova estratégia terapêutica. “Tentamos fazer experimentos para mostrar os efeitos de outras drogas tanto com o intuito de curar como de tentar impedir que aquela lesão continue”, finaliza.

Polimorfismo e eficácia terapêutica
Estas fotomicrografias de pulmão de animais com lesão pulmonar aguda experimental, induzida por lipopolissacarídeos, mostra o efeito profilático e terapêutico da sakuranetina, composto isolado da planta Baccharis retusa, que mostrou ser um potente anti-inflamatório para o pulmão. Pode-se observar que nas figuras A a D estão representadas as fibras colágenas, que estão aumentadas em quantidade no animal doente (B) em relação ao seu controle saudável (A). O mesmo pode-se observar nas figuras E e F, que mostram intensa inflamação no lavado bronco-pulmonar. Nota-se que tanto o tratamento profilático quanto o terapêutico reduziram as células inflamatórias e a deposição de fibras colágenas no pulmão, contribuindo assim para a melhora da função pulmonar destes animais.

Pesquisa: Efeitos do tratamento com substâncias isoladas de plantas em diferentes modelos experimentais de inflamação pulmonar em camundongos
Autora: Carla Prado
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