Bactérias tratam água poluída por refinarias de petróleo
É a primeira vez que a ação desses microrganismos é testada diretamente no efluente industrial e não em material sintético
Da redação
Com colaboração de Lu Sudré


As refinarias de petróleo poluem grande quantidade de água com seu efluente industrial, com alta concentração de contaminantes tóxicos
A produção industrial do petróleo feita em refinarias desencadeia um grave problema ambiental. O processo de extração do óleo bruto polui uma enorme quantidade de água que, ao entrar em contato com uma alta concentração de contaminantes tóxicos, não pode ser reutilizada. A água devoluta do processo, conhecida como “água ácida”, contém fenóis, amônia e gases sulfídrico e cianídrico que, entre outras substâncias, são tóxicos para o meio ambiente e para a saúde humana.

A pesquisadora Elen Aquino trouxe a linha de pesquisa que estuda a biorremediação para a Unifesp - Baixada Santista
Elen Aquino Perpetuo, professora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Campus Baixada Santista, ao estudar o contaminante fenol, um composto orgânico que contém o grupo funcional hidroxila (-OH) ligado diretamente a um carbono de anel aromático, identificou que duas bactérias gram-negativas - a Achromobacter sp. e Pandoreae sp. - são capazes de reduzir a concentração tóxica do contaminante no efluente que resulta do refino do petróleo. Muitos estudos têm reportado o isolamento de bactérias com capacidade de biodegradação de contaminantes, como hidrocarbonetos aromáticos, sendo a maioria dessas bactérias gram-negativas. Esse termo é utilizado para classificar bactérias com base na estrutura da sua parede celular.
“O maior problema das refinarias é que o resíduo não pode ser direcionado à estação de tratamento de efluentes por possuir uma carga tóxica que pode dizimar por completo a microbiota, que é o conjunto de microrganismos que habitam o ecossistema da lagoa de tratamento”, explica a pesquisadora.
A finalidade das refinarias é potencializar o rendimento de substâncias provenientes do petróleo como a gasolina e o gás liquefeito de petróleo (GLP), aplicando um processo químico denominado craqueamento catalítico. Após a destilação fracionada e a vácuo, o craqueamento é responsável por fazer a conversão de frações pesadas do petróleo em mais leves, e dessa forma quebrar moléculas maiores e as tornar menores, sendo estas de maior interesse comercial. As concentrações de contaminantes tóxicos nesse efluente industrial podem variar de 100 a 1.000 ppm [partes por milhão]. As refinarias implementam tratamento para a remoção do sulfeto e de amônia, mas o procedimento não é suficiente para remover também o fenol.

Imagens microscópicas das bactérias Achromobacter sp. e Pandoreae sp.
Bactérias capazes de degradar contaminantes são conhecidas pela literatura científica. O diferencial da pesquisa em questão é o tratamento de um efluente real. “Os estudos geralmente são feitos em ambiente estéril e com efluente sintético (produzido em laboratório), e na maioria das vezes contendo somente um contaminante modelo. O inédito da pesquisa é a possibilidade de se tratar um efluente real, recolhido diretamente da refinaria, o qual possui uma mistura de contamintantes”, afirma a docente. As amostras de efluente fenólico foram cedidas pela refinaria Presidente Bernardes, pertencente à Petrobras, localizada no município de Cubatão em São Paulo.
O estudo se iniciou em parceria com o Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), coordenado pela Universidade de São Paulo (USP), e apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Ao deixar uma solução de fenol exposta ao meio ambiente, a pesquisadora notou que o material começou a turvar, o que evidencia crescimento celular. Sendo o fenol a única fonte de carbono da solução, constatou-se que bactérias aeróbicas estavam degradando o composto.
As bactérias do gênero Achromobacter sp. e Pandoreae sp foram detectadas após o isolamento de todas as microbiotas ativas na solução. A biorremediação natural consiste no processo de regeneração de equilíbrio do ecossistema original de um ambiente poluído por atividades antrópicas e é reconhecida como uma das soluções de mais baixo custo para a limpeza de água e solos contaminados. Essa técnica, no entanto, pode ser otimizada por técnicas de bioaumentação e bioestimulação, em que há a aceleração e a atenuação do processo natural.
Segundo a pesquisadora, o descarte de água com substâncias fenólicas permitido e determinado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) é de 0,5 miligramas por litro, sendo que nas amostras utilizados como objetos de estudo apresentaram uma concentração de 500 miligramas de fenóis por litro, número mil vezes maior que o limite de descarte. Por meio do processo da biorremediação, o efluente industrial pode ser purificado e alcançar os limites permitidos para o descarte nas lagoas de tratamento sem prejudicar a biodiversidade da área.
“Ao degradar o fenol do efluente, as bactérias permitem o reuso de uma água que seria desperdiçada ao ser estocada. Além da economia de água para a indústria, há o controle no gasto de dinheiro. Há, portanto, um ganho econômico e ambiental”, destaca Elen. O tratamento biológico é responsável por retirar todos os resíduos da “água ácida”, mas não modifica o seu aspecto visual. A água, de coloração marrom, ainda passa por um processo de filtração feita com carvão ativado para remover a cor e obter uma aparência “mais limpa”.
No laboratório foram tratados de dois a três litros do resíduo industrial. Para aplicação do processo em larga escala, a pesquisadora desenvolveu um protótipo de cilindro biológico em conjunto com o Cepema. “Nos perguntamos como seria tratar 500 litros, por exemplo. A ideia é que o protótipo real seja um cilindro biológico de metal que permita a aeração. Como essas bactérias são aeróbicas, é necessária a presença de oxigênio no processo, que pode ser obtido por meio da aeração”, comenta Elen.
O cilindro promoveria a aeração e seria, ao mesmo tempo, um suporte para o aquecimento bacteriano. Com o modelo de uma roda de água, ficaria parcialmente imerso no efluente contaminado pelo fenol e ao mesmo tempo exposto ao ar, em um movimento cíclico. Ainda não há confirmação de parceria com a Petrobras para a concretização do projeto.
O efluente tratado por meio da biorremediação pode ser reutilizado apenas para fins industriais. Apesar de imprópria para uso humano, a água se torna completamente livre dos principais contaminantes tóxicos, que exterminaria comunidades aquáticas, por exemplo, e promove a economia de um bem escasso, porém, essencial à vida humana.

Criatividade e tecnologia transformam o ensino
Professor adota métodos diversificados para elevar a qualidade das aulas e atrair o interesse dos estudantes
Da Redação
Com a colaboração de Patricia Zylberman
Métodos de aprendizagem no Brasil sempre foram um tema de interesse para Camilo Lellis-Santos, docente do curso de Licenciatura em Ciências do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema e responsável pelo Laboratório de Experimentação e Educação em Fisiologia (LExEF). Em 2008, quando ainda era pesquisador no doutorado da Universidade de São Paulo (USP), propôs ideias inovadoras e criativas para tentar melhorar a qualificação dos professores. Agora, tais ideias estão sendo postas em prática por ele, que trabalha justamente na formação dos profissionais de ensino.
Em busca de um método capaz de combinar o aprendizado teórico com o prático, Lellis-Santos fez a releitura de uma aula já existente sobre os hormônios da tireoide, em que se utilizavam lâminas para apresentar os efeitos do hipo e do hipertireoidismo, criando um modo inovador de ensinar.
O professor apresentou aos alunos várias bancadas, em cada uma das quais eram disponibilizados três ratos de pelúcia com órgãos feitos com massa de biscuit, e os desafiou a descobrir qual doença na tireoide cada modelo apresentava. Para isso, eram fornecidos dados como peso, tamanho da tireoide e do coração, gordura visceral, frequência cardíaca e TSH plasmático (hormônio estimulante da tireoide) de cada modelo, omitindo-se, no entanto, um dos dados mencionados anteriormente em um dos três ratos de cada bancada. A partir do que havia sido ensinado em aula, os alunos deveriam integrar todas as informações (apresentadas e omitidas) para chegarem ao diagnóstico final.
“Criei um ambiente de mistério, no estilo da série norte-americana CSI (sigla de Crime Scene Investigation), em que os alunos tinham de descobrir em quais ratos haviam sido injetadas substâncias que poderiam causar o hipotireoidismo, o hipertireoidismo ou nenhuma reação”, explica o professor. A aula, destacada como uma das melhores pela American Physiological Society (Sociedade Americana de Fisiologia), foi replicada na USP, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal de Santa Catarina, além de ter sido apresentada pelo professor na Bishop’s University (Canadá).
Lellis-Santos acredita que, mediante a utilização dessas técnicas de ensino, os alunos ficam mais focados no conteúdo exposto, deixam de observar apenas um aspecto da doença e passam a fazer uma análise global das questões fisiológicas que lhes são propostas. Esse tipo inovador de aprendizagem foi bem aceito pelos alunos e, especialmente, pelos professores, que o utilizam cada vez mais nas aulas.
Outras técnicas criativas foram também desenvolvidas pelo docente para a abordagem de diferentes conteúdos. Ao ensinar o funcionamento do sistema cardiovascular, por exemplo, buscou auxílio nas artes. Pediu aos alunos que criassem a dobradura de um coração que pulsa, com anotações dos aspectos físicos do órgão, e que posteriormente poderia vir a ser utilizada nas provas como cola. Depois, deveriam realizar uma “dança do coração”. E, por fim, ao som da música Eu Sei (Na Mira)”, de Marisa Monte, que contém o seguinte trecho: “O meu coração é um músculo involuntário e ele pulsa por você”, efetuariam a integração de seus conhecimentos e percepções artísticas sobre o órgão estudado.
“São três momentos diferentes em que utilizo a arte em uma aula de Fisiologia. Hoje, a tendência no ensino é não fragmentar as áreas. Cada vez mais, uma disciplina deve estar associada a outra”, diz Lellis-Santos. A ex-aluna e atual orientanda de iniciação científica na área de Anatomia e Fisiologia, Juliana da Silva Medeiros, reafirma a ampla preferência pelas aulas inovadoras do professor: “Havia maior engajamento por parte dos estudantes, pois uma aula prática é mais divertida e dinâmica do que apenas acomodar-se e ver slides. Até nas aulas expositivas, o professor procurava trazer imagens diferentes, coisas que ele mesmo pesquisava. Então, ficávamos mais eufóricos quando a aula era dele.”
M-learning
Antenado com as inovações tecnológicas, Lellis-Santos adota o mobile learning (aprendizagem móvel), modalidade de educação a distância que permite a interação entre os participantes que acessam celulares, tablets e notebooks. Com o auxílio de aplicativos instalados nesses – e em outros – dispositivos móveis abre-se a possibilidade de aprender em qualquer local e a qualquer hora. “A sala de aula terá de expandir-se, pois não é mais o único espaço de aprendizagem”, pondera. Eventualmente, os aplicativos podem ter sido criados para outro fim. Por exemplo, ao tentar aferir a vasodilatação que ocorre no organismo após a realização de exercícios físicos, o docente encontrou um aplicativo utilizado por maquiladores para decidir o tipo de cosmético mais adequado. Esse programa revela o grau de vascularização na pele do indivíduo, e essa informação é valiosa para os cálculos após as atividades físicas.
Lellis-Santos adota o aplicativo Socrative (similar ao Clicker Question, porém mais acessível), um sistema personalizado de respostas que propõe problemas e perguntas aos alunos por meio de celulares e tablets. O software envia diretamente ao instrutor um histórico que mostra a percentagem de indivíduos que acertou determinada resposta. Se esse número for menor do que 60% dos componentes da sala, conclui-se que há algo de errado com a compreensão do tema, e o conteúdo é retomado. O professor discorda da opinião comum, segundo a qual o celular pode atrapalhar o aluno: “Acredito que hoje temos alunos que são capazes de, ao mesmo tempo, conversar no Whatsapp e prestar atenção à exposição do professor. O pior erro que se pode cometer é tentar impedir o uso de celulares nas salas de aula por conta da característica cultural do adolescente brasileiro que é aderir ao proibido por ser atraente e controverso.”
Uma característica importante do m-learning é que esse sistema de modo algum negligencia a participação do responsável pelo processo de ensino-aprendizagem. Para que os aplicativos venham a ser utilizados, é necessário explicar como funcionam e que estratégias serão selecionadas para ajudar nas ações de ensino. “Esses laboratórios móveis servem apenas para a coleta de dados, pois não disponibilizam todas as explicações, as análises e as reflexões sobre o assunto – estas são feitas pelo professor junto com os alunos”, argumenta.
Intervenções pedagógicas
Hoje os cursos de ensino médio e superior buscam a integração entre as disciplinas. Coerente com essa tendência, Lellis-Santos, no âmbito da unidade curricular denominada Integração das Ciências, do curso de Licenciatura em Ciências, procura agregar conteúdos de Física, Química, Biologia, Matemática e Humanidades para formar um profissional capaz de transitar pelas diversas áreas, sempre a partir de um tema nucleador. Um dos temas desenvolvidos é a ação da luz sobre a clorofila das plantas. Para responder à questão: “Por que as plantas são verdes?”, uma equipe multidisciplinar, da qual participa, realiza a separação de pigmentos, seguida pela espectrofotometria, método de análise ótica que emprega conceitos de Química e Física, gerando um gráfico matemático. A partir de então, o professor de Matemática apropria-se da aula e passa a explicar o gráfico resultante da análise. As propriedades da luz são exploradas pelo professor de Física e, finalmente, os biólogos alinham todo o aprendizado com as consequências para a fotossíntese. Ainda contam com os ensinamentos do professor Sérgio Stocco, que pertence à área de Humanidades e elabora reflexões sobre cor, raça e políticas públicas. “Procuramos integrar a questão da luz e da clorofila em aulas que se estendem por vários dias”, admite Lellis-Santos.
Para ele, o Brasil, ao reproduzir modelos de ensino antigos e ineficientes, não atingirá patamares educacionais elevados. “Os alunos da geração atual precisam ser motivados a realizar suas obrigações por prazer. É a geração do ‘só faço se eu gostar’ ”, diz o professor ao comparar o momento atual com épocas anteriores, nas quais a relação professor-aluno era mais hierarquizada. Em suas aulas de Anatomia e Fisiologia, ele se realiza em intervenções criativas e dinâmicas, fugindo do excesso de conteúdo expositivo e aumentando as oportunidades de aprendizagem ativa. “Todos os meus alunos são inteligentes; meu papel não é transmitir, mas sim extrair e organizar o raciocínio de cada um”, completa.
Por fim, deve-se admitir que não é todo padrão tradicional que deve ser alterado. “Nós precisamos manter as características clássicas da universidade com pesquisadores da área básica que têm o domínio muito aprimorado de um determinado assunto. Porém, ao pensarmos na formação de professores, acredito que temos de caminhar para um viés sólido em conceitos clássicos e essenciais, mas – ao mesmo tempo – inovador nas práticas pedagógicas”, finaliza Lellis.
Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?
Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni
Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa
A canção Comida dos Titãs pode ser uma boa trilha sonora para acompanhar a leitura dessa edição. O encarte especial sobre água nos leva a refletir sobre essa substância essencial à vida, cada vez mais escassa e preciosa. Da saúde à geopolítica, questões fundamentais são abordadas por pesquisadores dos campi de Diadema, Baixada Santista e Osasco da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por um lado, demonstram que a falta de planejamento e investimento em saneamento básico tem contribuído para agravar os problemas decorrentes da limitação dos recursos hídricos. Por outro, propõem soluções para controle da poluição das águas utilizando Biotecnologia.
É inadmissível o fato de que com os conhecimentos científicos e tecnológicos de que dispomos, ainda tenhamos índices absurdos de desperdício na distribuição e de contaminação dos mananciais. É urgente uma ação de conscientização da população em geral e que a comunidade científica se una para discutir, propor soluções e exigir ações imediatas para garantir o direito de acesso à água com qualidade e em quantidade adequadas. A Unifesp assumiu sua obrigação, nesse sentido, com a proposta de criação do Painel Técnico-Acadêmico de Recursos Hídricos.
A alimentação escolar, também discutida na edição, aborda os desafios de valorização da agricultura familiar e do desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, que são temas de pesquisa do Programa de Pós-graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde da Baixada Santista. Voltando à canção: “A gente não quer só comida... a gente quer inteiro e não pela metade”. Assim também pensava o nosso perfilado Otto de Gottlieb, professor tcheco naturalizado brasileiro, para quem “ciência é tudo ou nada”, que foi indicado três vezes ao Nobel. Aliás, a paixão pela ciência é uma das características comuns aos grandes cientistas – como pode ser comprovado na instigante entrevista com o prof. Esper Cavalheiro, neurocientista e pró-reitor de Planejamento da Unifesp, que compartilha sua visão arrojada de como deve ser a ciência do século XXI.
Ao criticar o excesso de formalismo do sistema, Esper Cavalheiro incita a ousadia e propõe que em centros de estudos avançados sejam discutidas novas abordagens para a solução de velhos problemas como os decorrentes do envelhecimento, assim como a mobilidade urbana e violência, temas estes também abordados nesse número. Estudos conduzidos por pesquisadores do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) mostram que traumas e a violência doméstica afetam a saúde mental da maioria das crianças que trabalham nas ruas e contribui para a perpetuação transgeracional.
Abordagens interdisciplinares envolvendo pesquisadores do Campus São José dos Campos mostram que impressoras 3D podem ser úteis para o desenvolvimento de próteses para a área médica e que a energia liberada por moléculas de dodecanitrofullereno pode vir a ser empregada para matar microrganismos nocivos à saúde humana, inclusive o vírus da Aids. Outros pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT), em parceria com colegas da Unicamp, desenvolveram um sistema computacional para uma logística integrada que pode diminuir o tempo de descarga dos navios, assim como o custo energético e o impacto ambiental.
No campo das humanidades, dedicamos espaço à História e às Ciências Sociais. Em livro premiado com o Jabuti, a arquiteta Manoela Rufinoni resgata a memória do processo de instalação das primeiras fábricas em São Paulo e alerta para consequências da especulação imobiliária. Em sua dissertação de mestrado, Gabriela Muruá lança um novo olhar sobre as convergências e oposições entre as teorias do Imperialismo e da Dependência.
Se você tem fome de conhecimento e curiosidade pela pesquisa que se faz na Unifesp, este número não vai frustrar sua expectativa. Boa leitura!
“Ciência é tudo ou nada”
Indicado três vezes ao Nobel e doutor honoris causa por onze universidades – uma delas estrangeira –, o professor tcheco naturalizado brasileiro Otto Gottlieb (1920 – 2011) deixa um legado que ultrapassa fronteiras e gerações
Da Redação
Com a colaboração de Rosa Donnangelo
O paletó xadrez de quadriculado miúdo acompanhava o professor Otto Richard Gottlieb nas inúmeras viagens que fazia para orientar os alunos que compunham os seus grupos de pesquisa em Química de Produtos Naturais. Os tabletes de chocolate no bolso do paletó lhe garantiam uma pausa na rotina corrida e algum valor calórico para enfrentar a fila de jovens que se formava em dias de orientação.
Embora fosse tímido e modesto, tinha humor aguçado, e uma notícia de jornal ou até mesmo a propaganda de um outdoor podiam render ao mestre alguma observação espirituosa em meio às aulas. Cada detalhe da matéria a ser ensinada ou da fala a ser proferida em uma palestra eram cuidadosamente preparados: o professor queria garantir que o conhecimento pudesse chegar a todos, sem nenhum tipo de barreira – nem visual nem auditiva. Os slides eram feitos com cuidado e dedicação. Mas ele não se prendia somente a isso. Mudava o que fosse preciso, no momento, sem deliberação prévia. E ao falar sobre seu trabalho parecia ser o homem mais extrovertido: driblava a timidez e mostrava o que sabia fazer – repassar conhecimento.
O canto superior esquerdo da lousa era o ponto de partida da aula. E nenhuma das alunas entrevistadas conseguiu descrever ao certo o que havia de tão extraordinário nas explicações de Gottlieb. Vanderlan Bolzani, Nidia Franca Roque e Maria Renata Borin mostraram em suas faces expressões de espanto, mas não conseguiram explicar por que suas aulas eram tão especiais. “Nossa! Dava vontade de pegar o quadro e levar para casa”, comenta Renata. Em meio a uma explicação e outra, uma piada, um comentário e mais aula, que só terminava no canto inferior direito da lousa.
A trajetória de Gottlieb como pesquisador começou relativamente tarde. A formação superior em Química Industrial pela Escola Nacional de Química, que pertencia à então Universidade do Brasil (atual UFRJ), no Rio de Janeiro, foi concluída em 1945, mas somente dez anos depois ele estaria inserido na carreira acadêmica. Durante esse período, trabalhou na indústria de óleos essenciais de propriedade da família. Não abandonou, porém, o hábito de pensar em coisas novas e de estudar. Publicou artigos, pesquisou vários temas em sua área e realizou testes. Um, inclusive, não acabou bem: uma explosão, que ocorreu durante a tentativa de melhorar certas reações químicas, fez Gottlieb perder a visão do olho direito. Mas isso não o impediu de continuar explorando o que ele julgava ser o assunto certo para o Brasil – a flora brasileira. “Para determinar o assunto certo, basta abrir a janela e olhar as plantas, as flores, a natureza”, dizia.

O renomado pesquisador acreditava que o maior desafio em sua área de atuação era manter o conhecimento vivo, ativo. Perguntava a si mesmo o porquê da dificuldade em ir adiante com a química de produtos naturais, uma vez que a matéria-prima para os estudos estava por toda parte, e os alunos estavam dispostos a aprender. O que o motivava era a sede dos alunos pelo conhecimento.
“A alegria que sinto ao expor um conhecimento novo proporciona energia suficiente para impulsionar um autêntico processo cíclico restaurador que me mantém em funcionamento”, declarou Gottlieb em 1999, durante uma entrevista concedida a Sérgio Massayoshi Nunomura para a Divisão de Produtos Naturais da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).
Em viagens pelo país realizou palestras, ministrou aulas e, principalmente, encaminhou pesquisas. As 52 dissertações de mestrado e as 68 teses de doutorado, orientadas e defendidas, só evidenciam sua alta produtividade na área acadêmica. Além disso, publicou 664 artigos científicos em periódicos nacionais e internacionais.
Por seu intermédio, foram formados grupos de pesquisa em Química Orgânica em várias instituições brasileiras: Instituto de Química Agrícola (Rio de Janeiro), Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade de Brasília, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Manaus), Instituto de Química da Universidade de São Paulo, Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro) e Universidade Federal Fluminense (Niterói-RJ). Para dar suporte aos alunos, viajava semanalmente ou quinzenalmente até essas instituições. Alguns dos orientandos deixaram para trás o seu lugar de origem para acompanhá-lo nos estudos desenvolvidos no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), unidade na qual exerceu o cargo de professor titular e alcançou o maior nível de produção acadêmica de sua trajetória como pesquisador.
Não é por acaso que Gottlieb foi apelidado por Paschoal Senise, docente da USP, de “professor itinerante”. Apesar da idade, não se cansava e fazia as viagens com disposição e energia. “Era uma ótima companhia. Muitas vezes eu dizia ‘Professor, o senhor não se cansa?’ Porque eu me cansava, e ele não”, explica Maria Renata Borin.

Acima, à esquerda, viagem para coleta de plantas em Juazeiro (Vale do São Francisco). Da esquerda para a direita: Otto R. Gottlieb, motorista (não identificado), Benjamin Gilbert e Walter B. Mors.
Acima, à direita: viagem para coleta de plantas em região da caatinga, 1958. Otto R. Gottlieb (de boné)
Centro, viagem a Juazeiro (Vale do São Francisco) para coleta de plantas (1958). No grupo figuram: Walter B. Mors (em pé), Benjamin Gilbert (sentado, à esquerda), motorista ou piloto (de óculos, no centro), Otto R. Gottlieb (agachado, à direita) e Mauro Taveira Magalhães (de paletó, à direita)
Abaixo, à esquerda - escritório de Otto R. Gottlieb em seu apartamento (Copacabana, RJ)
Abaixo, à direita - conferência de abertura do 22nd International Symposium on the Chemistry of Natural Products, IUPAC, 2000 (UFSCar, São Carlos, SP)
O legado de Gottlieb é incontestável. Docente titular, foi reconhecido nacional e internacionalmente como pioneiro nos estudos de Química de Produtos Naturais (QPN), recebeu por três vezes a indicação ao Prêmio Nobel e foi agraciado com o título de doutor honoris causa por dez universidades brasileiras e pela Universidade de Hamburgo (Alemanha). E, mesmo diante desses fatos, não se vangloriava, apenas exercia o seu trabalho.
Suas alunas contam que diversas vezes os prêmios em dinheiro eram revertidos em bons livros na área, dicionários específicos e assinaturas de revistas científicas. Um verdadeiro acervo bibliográfico foi criado em benefício dos alunos para possibilitar as consultas e preservar, por meio de registro, a memória de inúmeros dias de testes, descobertas, aulas e pesquisas.
Havia colaboradores, geralmente alunos, que auxiliavam o professor para que a pesquisa fluísse em meio à demanda de orientação. “A área de pesquisa na qual ele se tornou conhecido - análise de substâncias extraídas de plantas, mais especificamente da região amazônica, sobretudo com Lauraceae e Myristicaceae – rendeu trabalhos muito interessantes. Descobriu uma nova classe de substâncias, as neolignanas, e – depois de um certo momento – empenhou-se no desenvolvimento de métodos para encontrar princípios bioativos vegetais, estudar a biodiversidade e classificar as plantas por meio das substâncias químicas encontradas nelas. Desse esforço, surgiu uma nova linha de pesquisa no país – a Evolução, Sistemática e Ecologia Química. Foi nessa área que ele se destacou profissionalmente e formou muitas pessoas”, comenta Nidia Franca Roque, sua ex-aluna de doutorado.

À esquerda, Otto R. Gottlieb foi o primeiro a receber o Prêmio Fritz Feigl – que homenageava os profissionais que se destacaram na respectiva área de atuação e contribuíram para o desenvolvimento da Química
À direita, Otto R. Gottlieb recebe da Presidência da República a condecoração Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (1994)
A esposa de Gottlieb, Dona Franca, que mora no Rio de Janeiro e tem 90 anos, diz que nunca teve motivo para reclamar do marido. Em uma conversa bastante descontraída – por telefone – contou que nunca tirou a aliança de casamento. “Ele era tranquilo, vivíamos muito bem! Adorava brincar com as crianças”. Se estivesse vivo, Gottlieb poderia desfrutar de bons momentos com os oito bisnetos. Hugo, Raul e Marcel são seus três filhos. A Química, que trouxe à família tanto orgulho e tantas conquistas, é também a paixão do filho mais velho, Hugo.
A carreira de prestígio não influenciou Gottlieb negativamente. Pelo contrário, continuou a produzir os trabalhos com o mesmo rigor de sempre. “Ele era uma pessoa simples, porém metódica e exigente. Além disso, ajudava muito os alunos. A vida dele era o trabalho”, comenta Vanderlan Bolzani, sua ex-aluna na pós-graduação. Apesar da atividade intensa, o mestre aproveitava os momentos de descontração, que eram acompanhados por música clássica.
Gottlieb foi diagnosticado com a doença de Parkinson e, devido às complicações desta última, faleceu em 19 de junho de 2011, com 90 anos. Suas palavras e seu legado científico permanecem, porém, atuais.
Muitas declarações por ele proferidas em entrevistas, palestras, aulas e congressos poderiam perfeitamente ser empregadas para tentar elucidar os problemas pelos quais o nosso ecossistema passa hoje. Ele acreditava que o grande desafio da ciência e da Química, principalmente em sua área, era entender os mecanismos de funcionamento da natureza.
“Esse é o desafio para a geração atual: entender que a Química é essencial para ajudar-nos a compreender a linguagem da vida, da natureza. A Química é a base fundamental do maravilhoso mistério que é a vida. Por meio dela é possível entender a origem, a diversidade e o futuro da vida. O químico deveria ser um dos profissionais mais valorizados no mercado de trabalho. Sua contribuição é essencial para o entendimento de todos os mecanismos do mundo vivo e não vivo”, explicou Gottlieb em entrevista ao Informativo CRQIII – setembro de 2003.
Em razão das indicações ao Prêmio Nobel, repetiam-se as perguntas sobre o que faria se recebesse essa honraria. Em uma das respostas manifestou a ideia de criar uma fundação de pesquisas em assuntos brasileiros. O sonho ainda não se realizou. Todo o material que o laureado cientista acumulou durante os anos dedicados à ciência – livros, dicionários, slides, periódicos científicos e anotações – foi doado pela família ao Instituto de Química da USP. Maria Renata Borin está empenhada em tornar real o desejo expresso por ele.
A importância da preservação desse material não é só histórica, é uma questão de repassar o conhecimento. Afinal, como disse Gottlieb: “Não é possível em ciência queimar etapas. Ciência é um estudo holístico. Possui um legado histórico que precisa ser claramente mantido na memória antes da formulação de novas propostas. Aliás, boa ciência gera automaticamente boas aplicações. Ciência é tudo ou nada.”

Otto R. Gottlieb visita a reserva ecológica de Caxiuanã, no interior do Pará
Opção questionável
Pesquisadores monitoram qualidade da água e alertam que, para usá-la, o tratamento tem de ser diferenciado
Da redação
Com colaboração de Lu Sudré


Lixo e poluição do rio Pinheiros invadem a superfície da represa Billings
Em meio à crise hídrica que assola a região metropolitana de São Paulo, a utilização das águas da represa Billings é apresentada como uma das saídas para remediar a falta de abastecimento da população. Conhecida por seu elevado nível de poluição, a represa tem a situação acentuada em razão do descaso por parte do poder público e dos cidadãos.
Durante os dois últimos anos, de 2013 ao início de 2015, os pesquisadores Cristina Nordi e Werner Hanisch, do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (ICAQF/Unifesp) - Campus Diadema, atuaram conjuntamente em um projeto de monitoramento da qualidade das águas da represa Billings, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Pioneiro entre as universidades públicas brasileiras, o projeto, que contou com a implantação de uma estação de monitoramento em tempo real e coletas mensais para medir parâmetros físicos, químicos e biológicos, permitiu a identificação na represa de uma quantidade expressiva de microalgas e cianobactérias – grupo de bactérias que obtêm energia por meio da fotossíntese e que, em grandes quantidades em água, podem ser prejudiciais à saúde.

Cristina Nordi, pesquisadora na área de monitoramento ambiental com enfoque nas algas e cianobactérias

O engenheiro químico Werner Hanisch pesquisa a área de sensores e qualidade das águas
“As cianobactérias entram em floração, ou seja, crescem em um número muito elevado devido à alta quantidade de nitrogênio e fósforo, nutrientes encontrados nos esgotos domésticos e efluentes industriais que são despejados na Billings”, afirma Cristina, pesquisadora na área de monitoramento ambiental com enfoque em algas e cianobactérias.
Por meio de sensores, a estação recebe as informações sobre as propriedades da água, tais como níveis de pH, condutividade elétrica, temperatura, oxigênio dissolvido, turbidez, nitrato, amônia e outros parâmetros físico-químicos ligados direta e indiretamente à proliferação de cianobactérias e microalgas, que obtêm energia pelo processo da fotossíntese.
“Esses microrganismos possuem clorofila A e, quando estão em floração, formam um tipo de ‘tapete verde’, intenso em sua superfície”, explica Hanisch, engenheiro químico que atua na área de sensores e qualidade de água, acrescentando que as cianobactérias liberam substâncias que podem alterar o odor e o gosto das águas.
Dessa forma, a represa é um ambiente eutrofizado, sendo a eutrofização o fenômeno causado pelo excesso de compostos químicos ricos em fósforo ou nitrogênio em uma massa de água, que provoca a proliferação de algas. Ao ocupar a superfície por completo, as cianobactérias e as algas impedem a absorção de luz por outros organismos que estão abaixo delas, impedindo a sobrevivência deles.
Além do predomínio das cianobactérias, o fundo da represa é praticamente anóxico, ou seja, possui pouco ou nenhum oxigênio. Isso acontece devido à grande produção de matéria orgânica degradada, oriunda do excesso de algas e cianobactérias, microrganismos aeróbicos que consomem todo o oxigênio, limitando a sobrevivência de peixes e alterando o ecossistema.
Lixo e contaminação
As cianobactérias podem liberar toxinas prejudiciais aos organismos e à saúde. Segundo o Manual de Cianobactérias Planctônicas: Legislação, Orientações para o Monitoramento e Aspectos Ambientais, da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), publicado em 2013, a alta quantidade de cianobactérias na água, se ingerida por seres humanos, pode ocasionar envenenamentos agudos e outros efeitos adversos, como, por exemplo, irritações cutâneas e enfermidades gastrointestinais.
“O cheiro da água está insuportável. Há uma condição de piora gradual, até mesmo visualmente. A quantidade de lixo nas margens da Billings é impressionante. Durante a pesquisa, nunca vimos a represa no estado em que está hoje. A degradação é gritante”, comenta Hanisch. O lixo que preenche a superfície e o fundo do reservatório é, em parte, contribuição do rio Pinheiros, que, de acordo com a Cetesb, desde 1960 direciona esgoto doméstico e efluentes industriais para a represa por meio do sistema de reversão.

Ilhas de lixo na superfície da represa resultantes da ocupação urbana irregular em suas margens e do descaso do poder público
Para os pesquisadores, se houvesse o tratamento adequado para o esgoto despejado no rio Pinheiros, que deságua no rio Tietê, a situação seria outra. “Quando há perigo de enchente na marginal, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE) liga um sistema de bombeamento que inverte o fluxo do rio. Ao inverter o sentido das águas, eles redirecionam toda a poluição para a Billings”, diz Hanisch, alertando que, em partes, o processo de inversão é irregular, pois é mais utilizado do que o necessário.
Além da inversão das águas, a ocupação urbana ao redor da represa agrava a má qualidade da água. “A ocupação entorno da Billings é totalmente irregular. A população chega bem próxima às margens e, por consequência, todo o esgoto domiciliar vai para a água”, relata a professora Cristina.
A quantidade de lixo nas margens da represa é tão grande que o material se desloca e cria verdadeiras ilhas na superfície, presentes ao longo da extensão das suas margens. Somente a regularização e saneamento básico do esgoto do rio Pinheiros, em conjunto com o controle da desenfreada ocupação urbana das margens e saneamento dessas áreas, faria com que a poluição oriunda das atividades humanas não prejudicasse tanto a qualidade das águas.
Tratamento extremamente caro
No início do ano, no ápice da crise hídrica e do racionamento velado, o governo do Estado de São Paulo anunciou que pretendia, a partir de junho, usar a água da represa Billings para abastecer a região metropolitana, que hoje é abastecida pelo sistema Cantareira. O que preocupa os pesquisadores, apesar de não enxergarem outra alternativa além do uso da água da Billings, é a qualidade da água ser extremamente ruim e a discussão sobre a necessidade urgente de um tratamento mais avançado do que o normalmente utilizado.
“Utilizar a água da Billings não é inviável, mas eles terão que alterar o sistema de tratamento. O sistema de filtro convencional não é o suficiente, é preciso um processo refinado, muito mais caro que o tradicional”, analisa Cristina. No tratamento para purificar a água destinada ao uso da população, é utilizado o “filtro de areia”, que retira material particulado da água, como sujeiras, pedras e cascalhos. O processo tradicional também identifica e elimina a turbidez da água e coliformes fecais.

Recipientes com as amostras de água coletadas mensalmente na represa Billings pelos pesquisadores
Já a água da Billings precisaria passar por uma segunda filtração mais complexa, utilizada em água para reuso, chamada de filtração por membrana. Esse processo seria responsável por retirar as substâncias dissolvidas, como por exemplo, a toxina das cianobactérias, mercúrio, cobre, entre outras. “A represa Billings deve ser tratada como água para reuso porque a quantidade de esgoto é muito grande. O tratamento e o monitoramento desses parâmetros não podem ser iguais aos de outras estações de tratamento”, complementa Hanisch.
Os pesquisadores ressaltam que, com a presença das cianobactérias, produtoras de toxinas, seria imprescindível uma análise mais frequente, diária ou semanal, dos parâmetros utilizados na pesquisa. Outro risco grande na utilização dessas águas seria a liberação de metais e outras substâncias tóxicas apreendidas nos sedimentos, que podem ser liberadas e aumentar a contaminação da água.
Devido ao alto custo que seria necessário despender para tratar a água da represa Billings, em março, o governo Alckmin engavetou o projeto. A nova proposta é a construção de uma adutora que ligue dois braços da represa, o braço rio Pequeno ao braço rio Grande, que apresentam maior qualidade na água por não receberem contribuições diretas do rio Pinheiros. Dessa forma, tornar a água da Billings potável é um projeto a longo prazo.
As ações do Estado para melhorar a situação lamentável da represa são praticamente nulas. “O governo, há anos, demonstra descaso em relação às águas da Billings. Nós, pesquisadores em geral, não somos consultados para nenhuma tomada de decisão ou opinião para criar políticas públicas”, alega Cristina.
Para Hanisch, o papel da universidade é, por meio das pesquisas, trazer os problemas à tona para que a realidade seja conhecida e, nesse caso, para que a poluição das águas da represa não se perpetue. “A Unifesp tem credibilidade e com isso conseguimos ajudar a sensibilizar as autoridades a tomar uma atitude, assim como podemos conscientizar a população de que é preciso parar de poluir a Billings o quanto antes”.

Edições Anteriores - Entreteses
Edição 3 - Entreteses

Maio 2013
Transpor os próprios limites, mesmo em ambientes e condições adversas, constitui a resposta que várias áreas do conhecimento buscam para aprimorar o desempenho ou a reabilitação dos atletas de elite. Na matéria de capa desta edição o leitor observará que as descobertas relacionadas a esse campo vão desde o estudo do DNA até fatores neuronais.
Tanto na ciência quanto em outras áreas do conhecimento é preciso a interação para a solução de diversos desafios. Com esse objetivo, a Unifesp investe nos laboratórios multiusuários, contribuindo para a otimização das instalações e recursos e para o aumento da interação entre os pesquisadores dos diferentes campi da instituição.
Entre as pesquisas selecionadas para este número estão as novas perspectivas de combate à leishmaniose e alguns tipos de câncer; o emprego do calixareno na produção de fármacos, na despoluição ambiental e como dispositvo orgânico emissor de luz; a determinação de um novo método computacional que aprimora o sequenciamento de DNA; e o uso do bagaço de cana-de-açúcar na produção de etanol e eletricidade em biorrefinarias.
A entrevista com o recém-nomeado secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI e ex-diretor do ICT/Unifesp, em São José dos Campos, Armando Milioni, aponta os desafios para o desenvolvimento da indústria brasileira e a necessidade de aprimoramento da política de fomento à inovação. No perfil, o professor Luiz Juliano Neto, do Departamento de Biofísica da EPM/Unifesp, explica por que largou a carreira de Clínica Médica para assumir a paixão pela vida acadêmica.
Editorial :: Rumo à multi, inter e transdisciplinaridade
Carta da reitora :: Avanço em pesquisa traz congresso internacional do esporte para a Unifesp
APG :: O dilema da ciência básica
Entrevista • Armando Milioni :: “Devemos aprimorar a política de fomento à inovação”
Interdisciplinaridade :: Compartilhando, se faz ciência
Perfil • Luiz Juliano Neto :: “É preciso ter coragem de ser livre”
Alcaloides :: Pesquisa emprega química de benzino na produção de fármacos
Esportes :: Ciência ajuda atletas a superar os próprios limites
Saúde :: O esporte como terapia e superação
Sustentabilidade :: Molécula versátil
Genoma :: Método computacional aprimora sequenciamento de DNA
Amamentação :: Nova terapia alivia dores de puérperas
Energia limpa :: Uso de bagaço da cana abre novas possibilidades
Políticas Públicas :: Integrar corpo e alma, em defesa da saúde
Outras edições da Entreteses:
Integrar corpo e alma, em defesa da saúde
Grupo de pesquisadores aposta no combate ao atendimento desumanizado e ao psicologismo clássico
Da redação
Colaborou Rosa Donnangelo

O grupo de pesquisa “Corpo e Alma do Sujeito da Saúde” (Casusa), cadastrado Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenado por Fernando de Almeida Silveira, advogado, psicólogo e professor de Psicologia e Humanismo do Campus Baixada Santista – Unifesp, tem como principal objetivo fornecer o instrumental teórico-pedagógico para os cursos de formação na área da Saúde.
O projeto, de caráter interdisciplinar, teve início no começo de 2012. Fernando coordenou o grupo, que contou com 11 colaboradores, para desenvolver duas apostilas que servem de base para o curso de formação permanente para técnicos, familiares e usuários. Ele é aplicado, até o momento, no Naps I (Núcleo de Atenção Psicossocial), localizado na zona noroeste de Santos, região pouco privilegiada em termos sociais e econômicos, e no Conselho Municipal de Saúde. Os usuários atendidos no Naps recebem apoio de profissionais capacitados, medicamentos necessários e cuidados. O Casusa trabalha na questão da formação permanente.
As apostilas Chorei, Sorri: Emoções, Vivi! e Doutor, eu sou normal? trazem a Filosofia aplicada à área da Saúde, com os estudos de Maurice Merleau-Ponty sobre Fenomenologia e Michel Foucault sobre a construção histórica do sujeito e a subjetividade. As duas apostilas, com 7 capítulos cada, são estudadas em oito aulas ministradas pelos colaboradores do grupo de pesquisa. “A gente faz a preparação da equipe, a formação dos técnicos dos equipamentos, uma conscientização dos usuários da Saúde Mental, tanto no que diz respeito à sensibilidade deles, quanto à sua própria história. Imagina dar uma aula de História da Loucura para usuários da saúde mental?”, explica o coordenador.
O processo reflexivo do usuário, que agora se questiona a respeito da sua loucura, e a conversa com os técnicos, vistos anteriormente à aplicação do curso como especialistas e, portanto, em nível superior comparados ao usuário, são um resultado positivo dos ensinamentos das apostilas.
A primeira, baseada na Fenomenologia de Merleau-Ponty, trata da percepção do sujeito. A percepção é compreendida dentro do contexto em que vive o sujeito, não existindo sensações elementares nem objetos isolados. A percepção será sempre, por isso, uma maneira necessariamente provisória e incompleta de perceber os objetos e as relações (os “fenômenos”). A compreensão fenomenológica da percepção será construída com base no diálogo interdisciplinar com a Psicologia, com a Filosofia, com as Artes e outros saberes que possam contribuir para a sua elaboração. “A questão é como você, enquanto sujeito, se percebe para poder dar conta da percepção do outro. Os temas-chave são contato e acolhimento. E essas questões são fundamentais para o atendimento do usuário”, explica Silveira.
Usuários e técnicos se entendiam no decorrer do curso; conversavam e se percebiam. Afinal, estar no lado da equipe de atendimento também é algo complexo. Sérgio Marques Jabur, psicólogo integrante do Casusa, explica a importância dos cursos de capacitação para a equipe: “Quando se fala em Saúde Mental, se fala em todos. Cada um de nós pode ter alguém próximo com depressão, por exemplo. É algo muito próximo de nós. Deve haver um distanciamento da equipe, um descolamento daqueles pacientes para o devido atendimento. A equipe também adoece e por isso o curso de capacitação exerce papel importante”.

Fernando de Almeida Silveira é coordenador do grupo de pesquisa Casusa (Corpo e Alma do Sujeito da Saúde)
Doutor, eu sou normal?, a segunda apostila, traz Foucault na abordagem da normalização e construção histórica do sujeito. O coordenador do grupo de pesquisa explica que a ideia do nome surgiu da frequência que pacientes fazem essa pergunta para os médicos, principalmente psiquiatras ou psicólogos, em atendimentos clínicos.
O questionamento traz a marca das imposições sociais e estigmas. “São comportamentos dentro de uma curva normal de estatística, do comportamento central, que é padrão”, reflete Silveira.
Segundo o professor, é preciso analisar os fatos sócio-históricos, porque se vive hoje em uma sociedade surtada, social e politicamente, e o psicologismo clássico não deve ser a base principal para diagnósticos ou conclusões acerca de um conjunto de sintomas. “Se o indivíduo tem medo de andar na rua, é introspectivo e tem dificuldade de relacionamento já é enquadrável enquanto comportamento patológico. Socialmente, é produzida a necessidade de que se precisa medicar. Às vezes, impõe-se medicar porque o sujeito não tem aqueles recursos subjetivos, apenas possibilitados pelo acesso à educação e à cultura, para pensar sua vida para além dos processos de adoecimento. Nesse sentido, a história da Psicologia é uma história fascista no que diz respeito à normalização, na qual o outro, o diferente, é constantemente enquadrado enquanto inadequado, anormal, patologizado, medicalizável”, explica. “O papel desse curso é sair da ordem psicologizadora. A alma do sujeito é uma construção histórica, é a alma moderna, do sem teto, alma dos excluídos, dos patologizados. Abre-se um espaço crítico de reflexão política desse processo de construção de nós mesmos por meio dos cursos de formação”, afirma Silveira.
Os diagnósticos da “loucura” colocam os usuários da Saúde em situação de exclusão. Em diversos casos, não há possibilidade de abordar reflexões sobre os diagnósticos, há somente a naturalização da exclusão. “O usuário acha que o diagnóstico de esquizofrenia a ele atribuído é algo que está cravado no corpo dele”, afirma Silveira. “Isso é uma medida da constituição da história da saúde mental. Processos de patologização e medicalização têm interesses econômicos e políticos. É preciso mostrar isso ao indivíduo. A história da loucura mostra que todas essas qualificações da loucura surgiam por meio, até mesmo, da própria academia. A universidade precisava provar o que estava sendo pesquisado e criava, assim, padrões de normalidade”, complementa.
O grupo de pesquisa continua trabalhando no instrumental teórico-pedagógico para que haja expansão da aplicação do curso e do conteúdo das apostilas em termos regionais. “Começamos o projeto agora, mas em Santos são 5 Naps. Aplicamos o projeto piloto no Naps I, mas temos as outras quatro unidades e os equipamentos da Praia Grande”, finaliza Silveira.

Apostilas desenvolvidas pelos integrantes do grupo de pesquisa Casusa (Corpo e Alma do Sujeito da Saúde) auxiliam na aplicação do curso de formação permanente. O projeto gráfico é desenvolvido pelo Estúdio Arcano Zero
Uso de bagaço da cana abre novas possibilidades
Estudo pioneiro avalia a produção integrada de etanol e de eletricidade em biorrefinarias
Da redação
Colaborarou Flávia Kassinoff
A produção de energia é uma das questões mais pesquisadas no mundo atualmente, seja para encontrar meios alternativos de produção, seja para encontrar métodos de aumento de eficiência daqueles existentes. Um dos principais objetivos é encontrar opções sustentáveis de produção que não agridam o meio ambiente. O Brasil é um dos países com a matriz energética mais limpa do planeta, isso deve-se, em grande parte, pelo fato de que ela é predominantemente formada por hidrelétricas, além de ser o maior produtor de etanol a partir da cana-de-açúcar, um combustível renovável e ecológico.
Uma linha de pesquisa que desponta nessa área contempla a possibilidade de produção do etanol de segunda geração, que consiste em produzir o combustível a partir do bagaço e da palha da cana-de-açúcar, materiais lignocelulósicos que podem ser transformados em álcool. A possibilidade vem sendo estudada por cientistas de vários países com o objetivo de aumentar a produção de biocombustíveis e substituir o uso de combustíveis fósseis. O processo de produção ainda é muito caro e demorado e não constitui, por enquanto, uma alternativa economicamente vantajosa, mas as pesquisas vêm desenvolvendo formas mais eficazes para se produzir o combustível e as previsões para a implantação dele são positivas.
A grande vantagem de se introduzir o etanol de segunda geração é a de que levará a um aumento da quantidade de etanol produzida sem ampliar a área cultivada, além de utilizar resíduos que ainda não são aproveitados como matéria-prima, como é o caso da palha. O bagaço e a palha da cana também servem como combustíveis para a geração de energia elétrica. Atualmente, a maioria das usinas de cana-de-açúcar produzem sua própria energia a partir da queima de bagaço nas caldeiras.
Marina Oliveira de Souza Dias, professora adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unifesp – Campus São José dos Campos, desenvolve uma pesquisa pioneira na área. Seu trabalho consiste em avaliar novas rotas de produção, visando fornecer parâmetros sobre quais delas seriam mais vantajosas, do ponto de vista técnico e econômico, para a inserção de novos biocombustíveis na indústria, incluindo o etanol de segunda geração. Em seu artigo “Biorefineries for the production of first and second generation ethanol and electricity from sugarcane”, a docente avaliou possíveis cenários de biorrefinaria que pudessem produzir etanol de segunda geração e/ou energia elétrica, já que o bagaço serve tanto como matéria prima para produção do combustível quanto para geração de eletricidade.
Por meio de uma simulação computacional, a pesquisa comparou diferentes biorrefinarias. Entre elas, uma com produção máxima de etanol (o bagaço e a palha direcionados para a produção daquele de segunda geração) e, outra, de eletricidade (metade do bagaço e palha disponíveis direcionados para a sua produção e o restante para o etanol). O estudo também analisou como seria uma biorrefinaria flexível, onde se pudesse destinar quantidades variáveis de bagaço e palha para produção de energia ou de etanol de segunda geração, dependendo dos preços do mercado.
Foram utilizados nesse processo dados da indústria e de preços do mercado entre 2001 e 2010. O resultado apontou que adotar um projeto flexível é a melhor opção. “Nós verificamos que sim, uma planta industrial flexível, que possa variar a quantidade de bagaço que ela manda para a produção de etanol ou de eletricidade, quando a produção de etanol de segunda geração for viável, pode ser mais vantajoso do que ter uma planta fixa, dependendo dos preços desses produtos”, afirma a pesquisadora.
O estudo também avaliou impactos ambientais de cada uma das opções, mostrando vantagens do etanol em relação à gasolina e da eletricidade produzida a partir do bagaço em relação àquela produzida pela queima do gás natural. Esse e outros trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora foram os primeiros no Brasil a mostrar os resultados da modelagem completa de biorrefinarias de cana-de-açúcar e comparar a produção do etanol de primeira e segunda geração, envolvendo os aspectos ambientais e econômicos.
A produção de energia elétrica a partir do bagaço da cana mostra-se uma opção viável e interessante para o país, que desde a crise do sistema elétrico de 2001 procura alternativas para o aumento da produção de eletricidade. Porém, o potencial de produção dessa energia ainda não é suficientemente aproveitado. “Existe tecnologia para aumentar significativamente a produção de eletricidade nas usinas de cana-de-açúcar. Com a expansão do plantio da cana, nos próximos anos a quantidade total de energia elétrica que poderia ser produzida a partir do bagaço e da palha será igual à quantidade de energia elétrica que produz a usina de Itaipu. Porém, com tecnologias modernas, que nem todas as usinas possuem. Talvez, se existissem mais mecanismos de incentivo à produção de energia elétrica eficiente, e o preço da energia de biomassa nos leilões de energia fosse mais atrativo, nem houvesse a necessidade de construir uma Belo Monte”, aponta Marina.

Marina Dias, professora adjunta do Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT) da Unifesp
Segundo a pesquisadora, caso bagaço e palha sejam utilizados exclusivamente para a produção de energia elétrica, seria possível produzir cerca de 200 kW/h de energia elétrica por tonelada de cana em sistemas eficientes; atualmente, as usinas produzem menos do que 50 kW/h por tonelada. Antigamente, era proibida a venda de energia elétrica por usinas de cana-de-açúcar. Com a reforma do setor elétrico, em 1999, o produtor independente de energia passou a ter acesso à rede de transmissão e distribuição, o que permitiu que usinas de cana-de-açúcar pudessem vender eletricidade para a rede; até então, as caldeiras que haviam sido construídas para a queima do bagaço eram de baixa eficiência, já que era necessário queimar todo o bagaço e produzir pouca eletricidade, apenas aquela necessária para o funcionamento da usina. Hoje em dia existem caldeiras bem mais eficientes.
Outra vantagem da eletricidade que provém da cana é que sua geração pode ser considerada um processo limpo, em comparação com outros existentes. “Petróleo, carvão e o gás natural são formados pelo carbono que estava nos organismos, sofreu decomposição por milhões de anos e ficam abaixo da superfície. Quando nós tiramos esses materiais do solo e queimamos, liberamos CO, que é um gás de efeito estufa, o que libera o carbono que estava no subsolo para a atmosfera. A queima do bagaço é diferente: apesar de gerar CO do mesmo jeito durante a queima, o bagaço veio da planta, que está na superfície. A mesma, durante a fotossíntese, capta esse CO da atmosfera e armazena carbono no seu tecido vegetal. A própria planta já havia retirado o CO que foi pra atmosfera com a queima do bagaço; não existe uma emissão a mais. Essa é a principal diferença”, explica a docente.
Apesar de ser, em área, a terceira maior cultura do Brasil, a cana-de-açúcar não é responsável por taxas de desmatamento. O seu cultivo pode ser realizado em áreas de pastagens degradadas, que não são aptas para a produção de alimentos. “A área de cultivo da cana-de-açúcar pode ser expandida, levando a um aumento na produção de etanol, sem prejudicar o cultivo de alimentos e sem desmatar a Amazônia”, afirma a pesquisadora.
Sua pesquisa com a cana-de-açúcar não se restringe à produção de etanol e eletricidade. Atualmente seus estudos se estendem para a produção de outros produtos químicos. Seu objetivo é averiguar outros materiais que podem ser obtidos a partir da cana, como plásticos e outros biocombustíveis.

Artigos relacionados:
DIAS, M.O.S. et al. Biorefineries for the production of first and second generation ethanol and electricity from sugarcane. Applied Energy, v. 109, p. 72–78, 2013.
DIAS, M.O.S. et al. Butanol production in a sugarcane biorefinery using ethanol as feedstock. Part I: Integration to a first generation sugarcane distillery. Chemical Engineering Research and Design, v. 92, p. 1441–1451, 2014.
DIAS, M.O.S. et al. Cogeneration in integrated first and second generation ethanol from sugarcane. Chemical Engineering Research and Design, v. 91, p. 1411–1417, 2013.
DIAS, M.O.S. et al. Improving second generation ethanol production through optimization of first generation production process from sugarcane. Energy, v. 43, p. 246–252, 2012.
DIAS, M.O.S. et al. Integrated versus stand-alone second generation ethanol production from sugarcane bagasse and trash. Bioresource Technology, v. 103, p. 152–161, 2012.
Nova terapia alivia dores de puérperas
Uso de laser mostra eficácia no alívio da dor de feridas provocadas por posicionamento incorreto do bebê
Os benefícios da amamentação são inúmeros, tanto para o bebê quanto para a mãe. O leite materno é o mais completo alimento, atende às necessidades de nutrientes da criança até seis meses de idade, reforça o vínculo entre mãe e filho, entre outras qualidades, além de proteger a mãe do câncer de mama e ovário. Porém junto a todos os aspectos positivos, a amamentação pode trazer incômodos que levam a desistência, como é o caso das lesões mamilares, muito frequentes em mulheres que amamentam. Causada, principalmente, por posicionamento errado do bebê e pela pega no peito de forma incorreta, as soluções para esse problema são escassas. O procedimento recomendado pelo Ministério da Saúde é a utilização de leite materno, correção da causa e banho de sol na região lesionada. Mesmo assim os resultados nem sempre são completamente favoráveis e as lesões podem persistir, incomodando e muito a mãe durante o aleitamento.
Pensando nas dificuldades para encontrar uma técnica, um método ideal, que não prejudique a criança de nenhuma forma, uma pesquisadora resolveu buscar novas formas de tratamento. Kelly Pereira Coca, professora da Escola Paulista de Enfermagem (EPE) da Unifesp – Campus São Paulo, na época em que fazia doutorado, começou a pesquisar sobre a possibilidade de usar o laser como solução. Para a professora associada, chefe de departamento de Enfermagem em Saúde da Mulher e orientadora da tese, Ana Cristina Abrão, o aleitamento materno deve ser uma prática prazerosa, sem dor ou sofrimento, por isso a importância em aliviar qualquer tipo de desconforto que apareça. Desse modo surgiu a ideia de pesquisar os efeitos do laser vermelho com baixa potência na redução da dor e das lesões. “Como estimularemos a amamentação, baseadas nos inúmeros benefícios, se a mulher queixar-se de muita dor, apresentar mamilos com lesões que chegam a sangrar?”, questiona Kelly.

Laser de baixa potência utilizado no tratamento

Professoras Kelly Coca e Ana Abrão: pesquisadoras da atuação do laser nas lesões mamilares
Depois de estudarem as principais causas das lesões mamilares, as pesquisadoras partiram para a utilização efetiva do laser. Conhecidas as propriedades curativas desse equipamento nas áreas de Dermatologia, Odontologia, Cirurgia, Oftalmologia, dentre outras, a ideia foi remanejá-las para o tratamento desses machucados. Durante a pesquisa foram utilizados dois aparelhos iguais, chamados de A e B; em um deles foi alterada a potência da luz emitida enquanto no outro foi mantido seu funcionamento normal. As puérperas foram separadas em dois grupos, um recebeu o laser sem intervenção, enquanto no segundo houve o controle. Por uma questão de ética, todas as mães obtiveram orientação sobre como amamentar corretamente, corrigindo o posicionamento após as avaliações e o processo foi acompanhado. Comparando os resultados clínicos, pode-se observar que os dois grupos obtiveram melhora no que diz respeito ao desconforto, porém o que experimentou a terapia com o laser teve mais sucesso.
Ao final dessa primeira pesquisa, que pode ser considerada pioneira na área de tratamento das lesões, foi comprovada a eficácia do laser no alívio da dor de machucados nos mamilos durante a amamentação, parâmetro clínico importante para a reparação tecidual da região. No entanto, ainda não foi possível mostrar que o laser é totalmente eficaz na cicatrização, porém isso foi perceptível no dia a dia das pacientes estudadas. “Quem aplicou não sabia qual era o equipamento que estava funcionando e quem leu os resultados também não sabia. Nós conseguimos perceber a diferença entre as lesões de mulheres tratadas e não tratadas na hora que avaliamos as fotos, no entanto, os resultados estatísticos não provaram nada em relação à cicatrização dos ferimentos mamilares”, disse a professora Ana Cristina sobre o que observou do antes e depois das aplicações da intervenção. Como foi uma pesquisa nova sobre o assunto, a dose e a frequência utilizadas serão consideradas como base para novos protocolos, e é por isso que as pesquisadoras estão desenvolvendo outros projetos para avaliar estatisticamente sua eficácia na reparação tecidual das lesões mamilares. Assim outros levantamentos estão sendo feitos para aprofundar o que já foi descoberto, tentar encontrar esse valor, registro que indique a dose ideal para o tratamento. “Nós ainda temos muito no que avançar daqui para a frente, isso foi só o começo de tudo”, garantiu Kelly.
A pesquisa contou com ajuda de uma equipe de profissionais vindos de várias áreas do conhecimento, foi coorientada pela professora da EPE/Unifesp Mônica Antar Gamba, especializada em Dermatologia. Além da orientação das odontologistas da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) que deram suporte em relação ao uso do laser. “Nós trabalhamos com um grupo muito bem preparado e estruturado para ajudar no tipo de estudo proposto”, disse Kelly. O financiamento do projeto, por conta do prazo e da demora para obter uma resposta ao submeter a uma agência de fomento, se deu pelos próprios envolvidos, porém o trabalho seguinte, a sequência deste, conseguiu apoio de uma agência tradicional.
O laser em questão, com 40 watts de potência, não tem nenhum efeito negativo; ele “é a solução buscando o problema”, ou seja, na área comprometida, ele diminuirá o edema, estimulará a produção de ATP (adenosina trifosfato) celular, aliviará as substâncias químicas que são liberadas para acionar o processo de dor, fazendo uma limpeza, enfim, é um campo que irá trazer muitos resultados ainda. O uso do laser, associado à orientação correta do posicionamento do bebê na amamentação, reduziu o desconforto causado pela dor e isso já ajuda no estímulo ao aleitamento materno, fazendo com que a mãe não desista.
Segundo a professora Ana Cristina, a OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza que as mulheres amamentem durante seis meses exclusivamente. Porém, no Brasil, ainda conforme a pesquisadora, a última pesquisa mostrou que esse tempo de amamentação exclusiva está em torno de 50 dias, muito pouco perto da recomendação de 180 dias. Por isso é tão importante estimular essa prática entre as mães, com políticas públicas (Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, entre outros exemplos), além de encontrar maneiras de oferecer tratamentos para os desconfortos que surgem ao longo do processo.
O uso desse tipo de equipamento, que já existia no mercado, porém agora utilizado para a melhora das lesões mamilares, vem trazer uma luz no fim do túnel, ou seja, será possível conseguir que as mulheres tenham menos dor ao amamentar. Como existem vários tipos de danos na região da aréola e mamilo, é preciso estudar também qual é a melhor dose, frequência e potência de acordo com a característica deste. “Agora nós iremos trabalhar com as lesões diferentes, avaliando as características específicas, para conseguir aproximar ao máximo de uma resposta mais rápida e satisfatória”, concluiu Kelly.
Posições corretas para amamentação
Com o propósito de evitar as lesões mamilares, a correção do posicionamento do bebê é fundamental
