Congregação da EFLCH, Campus Guarulhos da Unifesp, manifesta-se em defesa da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

 

A Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da Universidade Federal de São Paulo forma professores e mantém sólidos programas em parceria com as redes públicas de ensino, de abrangência municipal e estadual. Isso faz com que no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão da EFLCH o tema “educação inclusiva” seja tratado com profundo respeito e dedicação acadêmica, pois da acumulação científica e pedagógica que produzimos retiramos conteúdos que são permanentemente compartilhados com a sociedade e respondem, efetivamente, a desafios postos pela educação pública básica e superior.

Participamos de todos os esforços da Unifesp para consolidar políticas de ação afirmativa e lutamos com denodo e persistência para manter um Núcleo de Acessibilidade e Inclusão no campus Guarulhos.

Muitos de nossos pesquisadores publicam permanentemente em periódicos científicos, de reconhecimento nacional e internacional, os resultados de pesquisas que oferecem perspectivas atuais e críticas para o complexo tema dos direitos educacionais de pessoas com deficiência.

Por isso, manifestamos nossa perplexidade e preocupação com o anúncio de uma nova política de educação especial, o que foi veiculado amplamente pela imprensa no dia 30/09/2020.

Essa preocupação é substantiva em razão dos seguintes aspectos:

  • O documento apresentado esvazia a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI, MEC 2008) que resultou de imensos esforços da sociedade brasileira para que o chamado público-alvo da educação especial deixasse de ser objeto de segregação escolar.
  • A perspectiva da “escola para todos” que caracteriza a PNEEPEI deixou para trás interpretações ruinosas que consideravam como “lugar natural” da pessoa com deficiência o espaço apartado, a institucionalidade baseada numa pedagogia que não tinha dificuldades em defender que “incapazes somente são felizes à parte”, com reducionismos orgânicos que desconsideravam a intersecção entre deficiências e inúmeros aspectos sociais e culturais.
  • Com todas as contradições e assimetrias de nossa sociedade conseguimos firmar no texto de uma política nacional uma perspectiva que reconhecia a complexidade da inclusão, mas a reconhecia também como causa inseparável de todos os que defendem a educação pública, democrática, fundamentalmente direito de todos. Os obstáculos para implementação desta política são intensos, mas todos apontam para a necessidade do fortalecimento da ampliação de serviços em apoio às ações na escola que é para todos, e se trata de um compromisso de Estado.
  • Estratégias segregadoras ferem a dignidade humana, mesmo quando afirmadas em nome de fragilidades, vulnerabilidades e, neste caso, retomam princípios e práticas há muito superadas e rejeitadas por amplos segmentos que se dedicam à educação especial em perspectiva inclusiva.
  • Pessoas voltam a ser categorizadas conforme “impossibilidades corporais e cognitivas”, hierarquizadas conforme aferições de “normalidade” e contempladas com o prêmio que se auto intitula complacente porque oferece “alternativa institucional” para os que “não produzem dentro do padrão”. Trata-se de uma concepção de deficiência baseada somente numa abordagem biomédica que enfatiza a visão medicalizada no âmbito escolar.
  • Não se trata de uma nova política, pois voltamos ao passado. A escolarização de pessoas com deficiência volta a ter como foco o trabalho especializado. Trata-se da descaracterização de uma política nacional que garante direitos. São direitos que têm como ponto de partida a Constituição Federal de 1988, ainda em vigor e são assegurados e promovidos pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei Nº 13146 - 2015)
  • Trata-se também de opção isolacionista, pois leva o país a descumprir metas e compromissos internacionais que honrosamente o Estado brasileiro firmou, proclamando o privilégio de inscrever o Brasil entre os signatários de documentos historicamente consolidados com propósitos inclusivos e emancipadores.

Como instituição pública estamos nos posicionando e deliberadamente escolhendo permanecer ao lado de estudantes e famílias que contam com nosso trabalho e que, em nossa experiência, contrariamente ao que foi argumentado na divulgação do documento, não estão “clamando” pelas mudanças por essa medida instituídas. Clamam sim pelo respeito e fortalecimento à educação pública.

A política proposta retira da escola pública o protagonismo que desempenha no atendimento às pessoas com deficiência e suas famílias. O chamado público-alvo da educação especial passa a ser ou volta a ser um espectro paralelo na educação brasileira. A experiência acumulada nas últimas décadas é desperdiçada e os investimentos na escola pública comum, propiciadora da experiência em comum, passam a ser compartilhados com instituições especializadas, raramente públicas, que naturalizam o “lugar apropriado” para milhões de estudantes que lutamos para trazer e manter conosco, no chão da escola pública, onde o futuro do país é sempre colocado em questão.

Nossa EFLCH posiciona-se também ao lado dos muitos pesquisadores e educadores que têm feito da educação inclusiva a razão de ser de seus esforços mais dignos e, por isso mesmo, inalienáveis.

Em defesa da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva externamos nossa perplexidade, preocupação e solidariedade com todos os que perderão com a destruição ora em andamento.

 

Guarulhos, 02 de outubro de 2020.

Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo.