Artigo, assinado pelos(as) reitores(as) das IFES paulistas, foi publicado na Folha de S.Paulo
Quem quer parar as universidades federais?*
Com os cortes, será impossível honrar até gastos básicos, como luz e limpeza
VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
Apenas no estado de São Paulo, universidades e institutos federais são responsáveis pela formação de mais de 100 mil estudantes —desde a educação básica até a pós-graduação. Na pandemia, cerca de 700 atividades de pesquisa e ações comunitárias contra a Covid-19 acontecem nessas instituições, o que inclui leitos hospitalares.
Essas e muitas outras atividades correm risco de serem inviabilizadas frente a cortes orçamentários. O valor aprovado na Lei Orçamentária Anual para o sistema federal de educação técnica e superior é 18,16% inferior ao de 2020, e há bloqueio de quase 14% nesse orçamento.
Há alguns dias, pressionado pelo alerta público de que as instituições não conseguiriam chegar ao fim do ano, o governo federal anunciou o que se está chamando, equivocadamente, de recomposição do orçamento. O que aconteceu foi a liberação de parte dos recursos bloqueados. Mas as universidades e os institutos federais precisam da recomposição —de fato— dos 18,16% cortados, sem os quais será impossível manter até dezembro o pagamento de contas essenciais como energia elétrica e limpeza, além de manutenção de equipamentos e aquisição de insumos fundamentais. Acrescenta-se a interrupção no pagamento de bolsas, para pesquisa e para a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade.
O orçamento das universidades federais em 2014 foi de R$ 7,4 bilhões. Supondo a correção apenas pela inflação, a expectativa para 2021 seria de R$ 10,4 bilhões, mas a realidade é de R$ 4,5 bilhões. No caso dos institutos, voltou-se em 2021 aos patamares de 2010, quando o número de estudantes era metade do atual.
E o ataque não se restringe ao custeio. Restrições também se aplicam a obras em andamento, de laboratórios, por exemplo, bem como às adaptações necessárias para atividades presenciais quando isso for possível. Além disso, há R$ 5 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que, diferentemente do anunciado pelo Ministério da Economia, aguardam liberação.
O estrangulamento financeiro vem se somar a uma série de investidas anteriores ao local em que, por definição, o exercício do livre pensamento garante a crítica e promove a transformação social, dentre as quais destacamos os sucessivos desrespeitos à autonomia universitária na nomeação de dirigentes.
Junto com a tentativa de limitar as instituições públicas de educação, ciência e tecnologia e sua capacidade de promover mudanças no sentido de um país menos desigual, é comum aparecer o discurso —falacioso e perigoso— de que são caras e precisariam ser mantidas por recursos privados.
Falacioso porque, no mundo desenvolvido, é dinheiro público que financia a educação superior e o desenvolvimento científico e tecnológico —exemplos diferentes frequentemente citados são exceções, não regra. Perigoso porque submete as instituições públicas à lógica mercantilista e utilitarista, que determina o que pesquisar e quem pode estudar com base no lucro e no privilégio e não na democracia e na equidade.
É preciso sempre lembrar que os recursos públicos aplicados nas universidades são investimentos que retornam à sociedade multiplicados, mesmo nos resultados qualificados pelo pensamento mercantilista como inúteis e, assim, dispensáveis.
É o caso das ciências humanas e sociais, fundamentais à compreensão e à transformação do mundo em que vivemos, que já vêm sofrendo essa desqualificação e consequentes cortes de recursos. Mas podemos ir além. Será que as pesquisas iniciadas há décadas e que em 2020 permitiram o desenvolvimento de vacinas em tempo recorde teriam sido vistas como úteis e lucrativas naqueles anos iniciais? Não todas.
Nosso alerta é que as condições atuais, se mantidas, irão obrigar universidades e institutos federais a parar. Definitivamente não é essa nossa intenção. Resistiremos e lutaremos, com todas as nossas possibilidades, para que não sejam inviabilizadas atividades essenciais à recuperação e ao desenvolvimento do nosso país.
Ana Beatriz de Oliveira
Reitora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Dácio Matheus
Reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC)
Nelson Sass
Reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Silmário Batista dos Santos
Reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP)
*Artigo divulgado na edição de 19 de maio de 2021 do jornal Folha de S.Paulo