29 anos da abertura da Vala Clandestina de Perus

 

perus

monumento localizado no Cémiterio de Perus em homenagem aos que foram enterrados na Vala de Perus

Em setembro de 1990, após trabalho de pesquisa do jornalista Caco Barcelos para a produção do livro Rota 66. A história da polícia que mata(1992), a prefeitura de São Paulo decidiu escavar o local onde estariam, desde os anos 1970, dezenas de ossadas de indigentes, pobres, desaparecidos políticos; de modo geral, as vidas descartáveis. O resultado foi impactante. De lá foram exumados 1.049 sacos contendo ossadas de centenas de corpos, muitos deles misturados e sem identificação por terem tido seus sacos abertos e/ou danificados. A partir de então se instituía a Vala Clandestina de Perus, originariamente alocada no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo. Tal fato, o das escavações, ocorreu durante o governo da prefeita Luiza Erundina (1989-1992). Acontecimento que poderia deslocar placas tectônicas da memória política, pois as vidas da resistência clandestina à ditadura poderiam tornarem-se públicas, visto que havia a indicação de que o Doi-Codi para lá enviava suas vítimas fatais.

Escavada, a memória se tornou dinâmica. O lugar de ocultamento da história passou a ser a espacialidade de processos políticos do presente. Exumados, os ossos da Vala ocuparam um ossário no mesmo cemitério Dom Bosco. Lugar ainda indefinido da memória, transitório, de um outro tempo, não mais o tempo envelhecido pela decomposição do não lugar vala comum, mas dentro do mesmo lugar chamado cemitério.

Se há um acontecimento síntese dos processos de subjetivação política acerca dos anos de repressão ditatorial no Brasil poderíamos dizer que ele é a experiência de exumação da Vala de Perus. Polifônico e multifuncional, ao se fazer carne, se tornar discurso e assumir as funções do medo e da explicação histórica, acionou e aciona até hoje mecanismos de bloqueio e anulação de aberturas às novas experimentações políticas.

A atenção à existência de uma vala de corpos humanos com centenas de indivíduos exorta questões que persistem desde então. Seriam todos “políticos”? Quem seriam, se não eram todos militantes? Por que da existência de uma vala clandestina?

Trazidas de volta à luz há 29 anos, as ossadas então iniciaram uma nova e longa trajetória. Um caminho que percorrem em busca de identidade. As caixas, nichos e estantes pelas quais passaram testemunharam uma incansável espera pela memória. Nas mesas de análise, os aspectos que são revelados sobre estes sujeitos nos contam sobre eles e sobre a vala. Em 1991-1992, do DML/Unicamp, veio identificação dos restos mortais de Denis Casemiro e Frederico Mayr. Um salto no tempo. Em 2018, já no CAAF/Unifesp, Dimas Casemiro e Aluísio Palhano foram identificados. Da clandestinidade ao proscênio, do indício à verdade. A Vala Clandestina de Perus é o retrato da ditadura perversa que falhou ao tentar encobrir suas vergonhas e que agora está nua. A Vala é também um espelho para aqueles que não têm medo de encarar o passado e exigir justiça.

 

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Escrito por:

Edson Teles: Doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e atualmente é coordenador do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp (CAAF/Unifesp).


Marília Calazans: Mestre em história pela Universidade de São Paulo (USP), transita pelas áreas de Arqueologia, História das Ciências, Patrimônio, Museus e Pedagogia, explorando algumas interseções entre estes temas. Atualmente é historiadora no Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp (CAAF/Unifesp).