Enquanto alguns estão pegando seus carros para protestar pelo bem da economia ou falando que a “normalidade” está à distância de um comprimido de cloroquina, talkey? Proponho aqui uma reflexão sobre quem é mais vulnerável à Covid-19. Mais especificamente, sobre o porquê da população preta e pobre estar mais exposta ao sofrimento trazido pelo novo coronavírus.
O primeiro ponto da nossa reflexão visa pensar sobre quem tem acesso a saúde no Brasil. Cerca de 79% da população preta não possui plano de saúde privado(1), o que leva 80% dos usuários e usuárias do SUS serem de pretas e pretos(2). Com o desmonte da saúde pública, agora acelerado pelo teto gastos, o nosso Sistema Único de Saúde conta apenas com 44% dos leitos de UTI disponíveis no Brasil(3), ou seja, a maior parte dos leitos de UTI estão a disposição de uma classe média branca, enquanto a maioria, composta por pretos e pobres, ficariam à espera de um leito caso sejam vítimas da Covid-19.
A disparidade do acesso à saúde entre brancos e pretos já mostra seus resultados. Pretos e pardos representam quase 1 em cada 4 dos brasileiros hospitalizados devido ao novo coronavírus (23,1%), mas chegam a 1 em cada 3 entre os mortos pela Covid-19 (32,8%) (4).
Outro ponto nos levaria a pensar no isolamento social. Para se isolar, é preciso ter o mínimo de estrutura. Não vamos nem tocar na questão de home office, vamos falar do mínimo: a alimentação. Como ponto de partida é preciso lembrar que da faixa mais pobre da população brasileira, 76% (isso em 2014) é composta por mulheres pretas e homens pretos(5) e essas pessoas estão vendo a “mão invisível do mercado” lidar com o coronavírus aumentando o preço do botijão de gás em São Paulo para R$ 130,00(6) e produtos da cesta básica em torno de 91%(7). Assim, além do risco para a saúde, a pandemia trouxe para essas pessoas o risco da fome.
Somada ao problema da alimentação temos a questão da moradia. A maior parte da população preta reside em bairros periféricos e favelas. Segundo o livro “Um país chamado favela”, de Renato Meirelles e Celso Athayde, 72%(8) dos moradores de favela se declaram pretas e pretos. São dezenas de milhares de pessoas que moram em locais sem condições estruturais, cômodos adequados e que têm que dividir espaços mínimos com a família. Em uma situação desta, se um membro da família for vítima da Covid-19 como os outros serão resguardados?.
Posso continuar escrevendo ainda sobre outras situações que tornam a população preta mais vulnerável a Covid-19, tal como trabalho, encarceramento e acesso à informação. Mas o objetivo aqui é mostrar que a pandemia pode ser pior para quem é vítima de uma política de extermínio desde que seus ancestrais pisaram no Brasil. Enquanto o estado neoliberal libera verbas para salvar bancos, o povo que representa a maior parte do Brasil, a população preta e pobre, segue à mercê da Covid-19 e sob a constante ameaça servir de sacrifício para o “bem da economia”.
Fontes:
1-http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacao_negra_3d.pdf
2-https://nacoesunidas.org/quase-80-da-populacao-brasileira-que-depende-do-sus-se-autodeclara-negra/
3-https://exame.abril.com.br/brasil/mais-procurado-sus-tem-apenas-44-dos-leitos-de-uti-do-pais/
https://www.abrasco.org.br/site/outras-noticias/saude-da-populacao/coronavirus-nas-favelas-e-dificil-falar-sobre-perigo-quando-ha-naturalizacao-do-risco-de-vida/46098/
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Escrito por:
João Pedro S. de Albuquerque: Caranguejo que andou para sul e se tornou um Recifense perdido em São Paulo. Mestre em Ciência da Informação pela UFPE e atualmente social media do CAAF|Unifesp e outras coisas mais.