Estudo mostrou os efeitos positivos do mergulho recreativo em áreas marinhas protegidas durante a pandemia de covid-19

Qualidade da experiência dos mergulhadores permaneceu alta mesmo durante uma das maiores crises sanitárias do mundo, revelou pesquisa do Instituto do Mar da Unifesp

Por Alexandre Milanetti

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Um recente artigo publicado no Journal of Outdoor Recreation and Tourism e assinado por pesquisadores brasileiros mostrou o quão importante foi, para a manutenção da qualidade de vida das pessoas, o frequente contato com o meio ambiente durante o período da pandemia. No caso estudado, com dados comparativos disponíveis desde o período anterior à crise sanitária até março de 2021, foi analisada a experiência de praticantes de mergulho recreativo em uma das maiores unidades de conservação marinha de proteção integral do Brasil, o Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago dos Alcatrazes, no litoral norte do Estado de São Paulo.

"A escolha dos mergulhadores recreativos se deu pelo fato desta atividade proporcionar uma das maiores conexões homem-ambiente devido à imersão do praticante em um local com características totalmente diferentes da terrestre. Também é uma indústria com considerável importância socioeconômica", explicou Fábio Motta, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp) - Campus Baixada Santista, onde também é docente do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira.

Segundo o pesquisador, a ideia do estudo era responder quais foram os efeitos da pandemia de covid-19 sobre o mergulho recreativo praticado em áreas marinhas protegidas (AMPs): “desde setembro de 2018, o Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha [LabecMar] da Unifesp iniciou o monitoramento da experiência dos visitantes – mergulhadores recreativos – de três unidades de conservação marinhas: o Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, o Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes e a Ilha da Queimada Grande, que integra a Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro paulista. Essa iniciativa teve como objetivo descrever o perfil dos visitantes e avaliar suas preferências, motivações, percepções e satisfação com o intuito de contribuir com a gestão adaptativa do mergulho recreativo praticado nessas áreas. Esses primeiros resultados foram publicados na revista Ocean & Coastal Management em 2020".

Motta diz que, após esse primeiro estudo, o monitoramento continuou especialmente no Refúgio de Alcatrazes. "Com o início da pandemia de vovid-19, as atividades de mergulho foram paralisadas por cinco meses. Após esse primeiro 'lockdown', as operações de mergulho foram retomadas com protocolos de segurança. Passados alguns meses, reunimos dezenas de questionários os quais nos possibilitaram comparar a experiência dos visitantes antes e durante a pandemia, no período pós primeiro 'lockdown'. Consideramos relevante investigar como o isolamento social e a restrição de acesso às áreas naturais devido à covid-19 poderiam influenciar a experiência dos visitantes. Por exemplo, antes da pandemia, alguns aspectos relacionados aos serviços prestados, as condições ambientais e as regras de gestão foram identificados com alto potencial de gerar insatisfação durante as visitas ao Refúgio de Alcatrazes, enquanto que durante a pandemia todos os atributos avaliados foram classificados como fortes geradores de satisfação, denotando uma maior sensibilidade dos visitantes aos efeitos benéficos do mergulho em seu bem-estar", destacou o pesquisador do IMar/Unifesp.

Marina Marconi, que é primeira autora do artigo, falou sobre o perfil do grupo de mergulhadores estudados: "a maioria são homens tem entre 26 e 45 anos de idade. Aproximadamente, dois terços dos mergulhadores possuem pós-graduação e uma renda familiar igual ou superior a seis salários-mínimos. Com relação à certificação, a maioria dos mergulhadores possuía curso de mergulho avançado, Advanced Open Water ou equivalente. Além disso, cerca de 72% dos mergulhadores que visitaram o Refúgio de Alcatrazes nesse período residiam no Estado de São Paulo", revelou a bióloga marinha que também atua como pesquisadora colaboradora junto ao LabecMar da Unifesp.

Para Marina, as áreas protegidas, sejam elas marinhas ou terrestres, quando bem manejadas, além de conservarem a biodiversidade, podem assegurar a oferta de múltiplos benefícios aos seres humanos, os chamados serviços ecossistêmicos. "Compreender o quanto essas áreas cumprem os objetivos para os quais elas foram estabelecidas é fundamental para uma gestão adaptativa e eficiente. Quando essas áreas são abertas à visitação, o monitoramento da experiência dos visitantes é relevante para subsidiar a gestão do uso público. Neste contexto, acreditamos que manter a qualidade ambiental das áreas naturais, sejam elas protegidas ou não, é crucial para assegurar o bem-estar humano dos seus visitantes e usuários. Em tempos de pandemia, a importância dos ambientes naturais para a saúde mental e psicológica das sociedades modernas ficou em evidência e, portanto, os nossos resultados podem servir de estímulo para futuros esforços de pesquisa nesta área do conhecimento”, enfatiza a pesquisadora egressa do programa de mestrado em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira do IMar.

Fábio Motta lembra que diversos estudos já demonstraram que atividades de lazer em ambientes naturais provocam mudanças positivas no bem-estar humano, contribuindo com a diminuição do estresse e melhora em casos de ansiedade e depressão. "Porém, acreditamos que a preocupação com a proteção ambiental deve ser independente da sua interrelação com o bem-estar humano. Portanto, deve ser mantida continuamente e não apenas em períodos de pandemia. O Brasil é um país megadiverso, abrangendo uma diversidade de biomas com valiosos recursos naturais que devem ser administrados com máxima responsabilidade. Existem centenas de áreas protegidas no Brasil que carecem de uma gestão mais efetiva e esforços robustos para que seus benefícios sejam compartilhados com a sociedade de forma mais equitativa. Neste sentido, é importante que o manejo destas áreas naturais seja feito promovendo a participação das diferentes comunidades que interagem e usufruem delas. Pois esse capital social, ou seja, as instituições e normas que acontecem no nível comunitário e que precede o estabelecimento das Unidades de Conservação, são essenciais para o manejo adaptativo e sustentável”, ressalta o professor da Unifesp.

Tanto Motta como Marina apontam para um importante aspecto do estudo, que teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Fundação SOS Mata Atlântica, além do apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) de Alcatrazes: “entendemos que o potencial das AMPs em proporcionar experiências positivas aos usuários deve ser visto além do valor econômico, mas também como um investimento no bem-estar subjetivo da população”.

O artigo publicado no mês de março passado no Journal Of Outdoor Recreation and Tourism também tem como coautores o pesquisador de pós-doutorado Vinícius Giglio e o professor Guilherme Henrique Pereira-Filho, ambos do LabecMar da Unifesp.