Comer, além de uma necessidade nutricional, representa um ato sociocultural, que está no centro das interações sociais e expressa identidades, valores e significados. Pensando nisso, a pesquisa de mestrado de Tatiana Neis Elesbão teve como objetivo analisar como a alimentação de pessoas com reações adversas aos alimentos é afetada, compreendendo seu processo de escolhas e práticas alimentares, incluindo estratégias para comer fora de casa e em companhia, percepções de risco e sobre o próprio corpo, e negociações alimentares feitas na presença de tais reações.
A pesquisa de mestrado foi defendida neste ano no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde do Campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sob a orientação da professora Claudia Ridel Juzwiak. Tatiana relata que ainda são escassas as pesquisas sobre o tema sob a perspectiva das ciências humanas. Para abordar o assunto, a pesquisa, de caráter interdisciplinar, uniu a antropologia da alimentação e a nutrição. “Ao unir as duas perspectivas, foi possível explorar as dificuldades que pessoas com reações adversas enfrentam social e culturalmente e como reações biológicas reverberam nas escolhas sobre o que e quando comer, especialmente em ocasiões sociais e de comensalidade”, destaca a pesquisadora.
Foram realizadas entrevistas por webconferência com 25 participantes de todas as regiões do Brasil, com roteiro semiestruturado contando com perguntas abertas, norteadoras e de sondagem. Os(As) participantes também foram convidados(as) a enviar áudios e fotos relacionados a situações alimentares do cotidiano. A Análise de Conteúdo foi o método escolhido para a análise e interpretação dos dados, tomando como referencial teórico o Food Choice Process Model, para auxiliar na compreensão dos determinantes das escolhas alimentares ao longo da trajetória de vida até o impacto do diagnóstico e as mudanças causadas nos sistemas pessoais de escolhas alimentares.
Para o estudo, foram convidadas pessoas com intolerância à lactose, alergia à proteína do leite de vaca, doença celíaca e sensibilidade ao glúten não celíaca, considerando tanto as pessoas diagnosticadas quanto as autorreferidas, ou seja, aquelas que, mesmo sem um diagnóstico, acreditam ter a doença e fazem restrições alimentares. Tatiana explica que reações adversas são reações anormais aos alimentos, com causas distintas e manifestação variada de sintomas, inclusive quanto à intensidade e à gravidade. “Os(As) participantes relataram que o diagnóstico foi difícil, muitas vezes sendo necessário passar por médicos de especialidades distintas e realizar vários exames antes de sua confirmação. Apesar dos diferentes sintomas, a estratégia de tratamento é a mesma em todos os casos: a exclusão dos alimentos que contenham a substância causadora da reação. É essa exclusão que impacta a maneira como se escolhe os alimentos em supermercados e restaurantes, e as escolhas individuais sobre o que comer”, explica a pesquisadora.
A pesquisa revelou que o processo de escolhas e práticas alimentares de pessoas com reações adversas é marcado fortemente pelo diagnóstico. A mudança necessária na alimentação pode ocorrer de forma radical, como um ponto de virada, ou de forma gradual. “Há um conflito entre o sistema alimentar pessoal anterior ao diagnóstico dos(as) participantes e o novo, colocado pela necessidade de exclusão dos ingredientes causadores da reação adversa”, pontua Tatiana. Além disso, foi constatado que a maneira como as pessoas lidam com as restrições alimentares devido às reações adversas aos alimentos varia muito em função da reação. “No caso de pessoas com doença celíaca, há um cuidado e uma percepção de risco maiores devido aos sintomas e à gravidade da reação, bem como à possibilidade de contaminação cruzada, o que as deixa mais em alerta. Para as intolerantes à lactose, o uso da enzima exógena é uma opção a ser considerada por permitir que se desfrute do momento sem os sintomas, mesmo havendo situações em que se opte pela ingestão de alimentos com lactose, com a devida consciência dos sintomas”. Já o ato de contar aos outros que se tem uma reação adversa variou de acordo com o quanto a pessoa se sente confortável em se expor, já que podem ser estigmatizadas.
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