A poluição por plástico é uma das maiores crises ambientais da atualidade, e a luta global para mitigar seus impactos está prestes a dar um passo significativo com a negociação de um Tratado Global contra a Poluição Plástica na Organização das Nações Unidas (ONU). No entanto, como mostra um estudo recente, questões internas de cada país, incluindo interesses econômicos, políticos e sociais, têm influenciado fortemente as posições adotadas nas discussões, dificultando o avanço de um acordo mais ambicioso.
A pesquisa, publicada naCambridge Prisms: Plastics, liderada por Leandra Gonçalves, docente do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), trouxe à tona os fatores que determinam as divergências nas negociações multilaterais. Segundo o estudo, as nações mais afetadas pela poluição, como os países africanos, latino-americanos e caribenhos, buscam soluções mais abrangentes e focadas na justiça ambiental. Já os grandes produtores de plástico, como China e Arábia Saudita, defendem um tratado mais conservador, que envolva um controle menor sobre a produção e consumo de plásticos.
No caso do Brasil, que também participa ativamente das negociações, há um apoio a um tratado que promova melhorias na gestão de resíduos plásticos, mas com uma clara resistência a medidas que possam reduzir a produção ou o consumo de plásticos. A principal preocupação é o impacto econômico que restrições mais severas poderiam causar à indústria nacional, que ainda depende fortemente do plástico como matéria-prima.
Leandra Gonçalves, primeira autora do estudo, explica que as negociações têm sido marcadas por um jogo complexo de interesses, onde as questões internas de cada país acabam determinando suas posturas nas reuniões internacionais. "O Brasil, por exemplo, apoia um tratado eficaz para melhorar a gestão do plástico, mas tem receio de que um acordo mais amplo e rigoroso possa afetar seu desenvolvimento econômico, principalmente na indústria de petroquímicos", observa.
A pesquisa destaca que a principal divergência gira em torno do escopo do tratado. A grande questão é se o acordo será abrangente, tratando de todo o ciclo de vida dos plásticos e buscando, portanto, uma redução na produção, ou se se limitará apenas à gestão de resíduos, sem atacar as causas estruturais do problema. Leandra ressalta que, para que o tratado tenha eficácia real, ele precisa ser sistêmico e englobar a redução da produção de plástico desde sua origem, um desafio político e econômico significativo para países produtores.
Outro ponto crucial é a natureza das exigências do tratado. Países desenvolvidos, que historicamente têm uma maior contribuição para a geração de resíduos plásticos, preferem um acordo no qual a responsabilidade seja atribuída de forma individualizada, com cada poluidor responsável pelo seu débito. Já as nações mais afetadas pela poluição querem soluções que incluam mecanismos de compensação e mais equidade, especialmente em relação aos países que têm maior responsabilidade histórica na geração de resíduos.
A pesquisa de Gonçalves e colaboradores, que incluiu pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Dartmouth College, nos Estados Unidos, tem como objetivo oferecer uma análise crítica e construtiva do processo de negociação, sugerindo caminhos que possam efetivamente avançar para um acordo global mais eficaz. "Nossa expectativa é que o tratado, a ser concluído até o final de 2024, consiga reduzir significativamente o impacto do plástico no planeta, especialmente no oceano", afirma Leandra.
A pesquisadora alerta ainda para a urgência de uma ação global coordenada, que vá além de compromissos voluntários. "Precisamos de medidas vinculantes que abordem todo o ciclo de vida dos plásticos, desde a produção até a disposição final. Não se trata apenas de uma questão ambiental, mas também de equidade global e sustentabilidade", diz Gonçalves, reforçando que o futuro dos oceanos e a saúde do planeta dependem das decisões que estão sendo tomadas neste momento.
O impacto da poluição plástica é alarmante: de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), 7 bilhões das 9,2 bilhões de toneladas de plástico produzidas de 1950 a 2017 foram descartadas e se transformaram em resíduos. A cada ano, entre 9 e 14 milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos, e esse número pode triplicar até 2040 se não houver mudanças substanciais.
Diante de números tão alarmantes, a pesquisa se torna uma contribuição valiosa. Com o objetivo de garantir que o tratado final seja eficaz e equitativo, o grupo continuará acompanhando de perto o processo de negociação e avaliando se os acordos finais estarão alinhados com as necessidades urgentes de um planeta sobrecarregado pela poluição plástica.