Construção de usinas hidrelétricas representa riscos à biodiversidade, aponta estudo publicado na Revista Science

A pesquisa teve a participação da professora Gislene Torrente-Vilara, do Instituto do Mar, da Unifesp

 

8_17.JPGFoto: Gislene Torrente-Vilara - Inundação da cachoeira do Teotônio, represada para encher o reservatório de Santo Antonio

A construção de usinas hidrelétricas coloca sob risco as três bacias hidrográficas mais ricas em biodiversidade do mundo. É o que aponta um artigo publicado na Revista Science, cujo estudo mobilizou um grupo de cientistas dos EUA, Alemanha, Canadá, Camboja e Brasil. O levantamento contou com a participação da professora Gislene Torrente-Vilara, da Unifesp, e mostrou que as obras das barragens das bacias dos rios Mekong (Ásia), Congo (África) e Amazonas (América do Sul) representam uma enorme ameaça às espécies de peixes dessas regiões.

De acordo com a pesquisa, a construção de hidrelétricas sem planejamento adequado potencializa os impactos negativos desses empreendimentos, o que traz grande preocupação aos especialistas. “Grandes rios tropicais, como os amazônicos, concentram uma incrível biodiversidade, intimamente associada com à qualidade das águas, do ambiente e da vida das populações humanas. Para garantir sua proteção, bem como das florestas e recursos naturais, o Brasil conta com um excelente modelo de licenciamento ambiental. Porém, a decisão sobre a construção de um empreendimento hidrelétrico tem desconsiderado os aspectos técnicos e científicos legais, e o estabelecimento dessas obras tem sido uma decisão invariavelmente política”, argumenta Gislene Torrente-Vilara.

O estudo mostra que a Usina de Belo Monte, que está sendo erguida no Rio Xingu, no Pará, pode representar um recorde mundial de perda de biodiversidade. O rio abriga mais de 450 espécies de peixes em suas águas e, minimamente, 50 delas são endêmicas da Amazônia. Para a professora Gislene, este é um grande um exemplo de desrespeito às regras do licenciamento ambiental. “A integridade dos rios e florestas do Xingu, entre outros da Amazônia, tem garantido a sustentabilidade dos povos regionais há milênios, com exemplos de real desenvolvimento sustentável. Nós não temos o direito de extingui-las com base em decisões políticas e energéticas”.

Atualmente estima-se que 25% das espécies de peixes de água doce do planeta foram extintas devido à fragmentação dos rios para construção de hidrelétricas. Hoje, a bacia mais ameaçada é a do Rio Tapajós, com 43 empreendimentos planejados, sendo que dez deles estão previstos para serem finalizados até 2022. Também contribuíram para a extinção o desmatamento ciliar, a poluição proveniente do esgoto urbano e industrial, e as obras de retilinização e canalização, com consequências negativas para o equilíbrio ambiental, em especial em grandes cidades. A questão transpassa a polêmica sobre perda de espécies endêmicas e implica naquilo que elas representam para conservar águas de qualidade em território nacional. “A sociedade precisa decidir se realmente pretende assumir o preço que estará impondo as gerações futuras ao se calar perante a viabilização dessas obras”, finaliza a professora.

Além da pesquisadora da Unifesp, o levantamento contou com cientistas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Núcleo de Pesquisas em Limnologia Ictiologia e Aquicultura da Universidade Estadual de Maringá (Nupelia/UEM), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).