Nota de esclarecimento - Carta resposta ao jornal A Tribuna

Confira abaixo a carta resposta à matéria veiculada na terça-feira dia 15 de setembro de 2015, no Caderno Porto & Mar, C 5, no jornal A Tribuna, intitulada “Um quarto dos trabalhadores avulsos usa crack ou cocaína - Dado integra pesquisa inédita desenvolvida pelo Campus Baixada Santista da Unifesp”.

 

A Leopoldo Figueiredo
Editor de Porto & Mar
Ao Jornal A Tribuna


Como organizadoras do livro “Porto de Santos: Saúde e Trabalho em Tempos de Modernização” gostaríamos de manifestar nossa preocupação com a matéria veiculada na terça-feira dia 15 de setembro de 2015, no Caderno Porto & Mar, C 5, no jornal A Tribuna, intitulada “Um quarto dos trabalhadores avulsos usa crack ou cocaína - Dado integra pesquisa inédita desenvolvida pelo Campus Baixada Santista da Unifesp”.

A referida matéria faz uso inadequado dos dados produzidos pela pesquisa, descontextualiza os resultados e não considera o que, ao nosso ver, deve ser alvo de reflexão a partir dos achados do estudo realizado sob nossa coordenação.

É importante considerar que a pesquisa desenvolveu uma investigação aprofundada das condições de trabalho no Porto de Santos e das transformações operadas pela modernização portuária em termos de formas de organização, processos de trabalho, identidades, formas de sociabilidade e suas repercussões nas experiências de saúde e adoecimento e igualmente nas estratégias de cuidado desses trabalhadores.

Para sua realização o estudo contou com a aplicação de alguns instrumentos de pesquisa diferenciados como análise ergonômica do trabalho (AET), observação etnográfica sobre a tomada e distribuição do trabalho, entrevista em profundidade e questionário com trabalhadores portuários avulsos. Em relação ao componente quantitativo do estudo, o instrumento questionário foi aplicado seguindo cálculo amostral contemplando a representatividade dos trabalhadores portuários avulsos de diferentes categorias. Assim foram entrevistados 453 trabalhadores avulsos e não 780 conforme mencionado por A Tribuna.

Os resultados do estudo revelam de que forma o processo de modernização e as mudanças na organização do trabalho repercutem em termos de fadiga, distúrbios osteomusculares, lombalgia, experiências de adoecimento, acidentes de trabalho, saúde mental e uso de álcool e drogas. Assim, apresentar o uso de álcool e drogas de forma desarticulada com as demais questões relacionadas ao processo de saúde-adoecimento densamente tratadas no livro acaba por apresentar o tema de forma superficial, não ancorado numa perspectiva de saúde pública, reificando uma atribuição de culpa aos trabalhadores envolvidos. Além do que, tal apropriação segmentada e superficial dos dados desconsidera o contexto de vulnerabilidade que influencia fortemente as experiências de adoecimento e uso de álcool e drogas entre os trabalhadores.

É importante destacar ainda, que os resultados do estudo não permitem afirmar que o uso de álcool e drogas esteja ocorrendo no ambiente de trabalho, conforme mencionado por A Tribuna.

A questão de uso de álcool e drogas foi incluída na pesquisa por ser um problema já sabidamente em toda a sociedade brasileira, e internacional, não restrito a trabalhadores portuários e relativo ao qual pouca atenção tem sido dada, seja por parte de políticas de saúde dos municípios da Baixada Santista, seja por organizações responsáveis pela contratação e gestão do trabalho no setor portuário e nas empresas no geral. Entendemos que este aspecto merece ações intersetoriais e integradas para uma efetiva resolução.

Lamentamos que A Tribuna, na referida matéria, acabou por fazer um uso midiático dos dados cuidadosamente produzidos pela pesquisa relativamente ao aspecto do uso de álcool e drogas. Trazer ao público os resultados da pesquisa de maneira superficial, desconsiderando sua relação com as condições de trabalho vigentes no setor portuário e com outros processos de adoecimento investigados expressa uma visão parcial e pouco fidedigna da realidade que apresentamos na obra “Porto de Santos: saúde e trabalho em tempos de modernização”.
Santos, 16 de setembro de 2015.


Atenciosamente,


Profa. Dra. Maria de Fátima Ferreira Queiroz – Instituto Saúde e Sociedade - Universidade Federal de São Paulo/Unifesp
Profa. Dra. Rosana Machin – Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo/USP
Profa. Dra. Marcia Thereza Couto – Faculdade de Medicina - Universidade de São Paulo/USP