Pesquisa conduzida pelo Instituto do Mar da Unifesp alerta para os riscos das microfibras liberadas por tecidos no ambiente marinho
A poluição dos oceanos por plásticos e resíduos industriais já é um problema amplamente reconhecido, mas um novo estudo conduzido pelo Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pela Universidade Santa Cecília (Unisanta), de Santos, e pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), revela um vilão silencioso e cotidiano: as fibras têxteis liberadas por nossas roupas. A pesquisa, publicada recentemente na revista científica Toxics, demonstra que esses fragmentos microscópicos podem prejudicar o desenvolvimento de organismos marinhos e comprometer o equilíbrio dos ecossistemas oceânicos.
Os pesquisadores analisaram os efeitos de três tipos de fibras – sintéticas (poliéster), naturais (algodão) e mistas – na saúde de embriões de ouriços-do-mar, considerados bioindicadores ambientais. Os resultados foram alarmantes: a exposição a essas partículas causou atrasos no desenvolvimento embrionário e anomalias morfológicas nos organismos testados.
As fibras têxteis chegam ao ambiente marinho de diferentes formas, sendo a principal delas a lavagem de roupas. Durante esse processo, milhares de fragmentos microscópicos se desprendem dos tecidos e são lançados nos sistemas de esgoto, muitos dos quais não possuem tecnologia adequada para filtrar esses resíduos antes que alcancem rios e mares. Além disso, o desgaste natural das roupas durante o uso diário também libera fibras no ar e no solo, que posteriormente podem ser transportadas para os oceanos pelo vento e pela chuva.
Uma das descobertas mais preocupantes do estudo é que as fibras, ao permanecerem por mais tempo na água salgada, tornam-se ainda mais tóxicas. Esse efeito pode estar relacionado à degradação dos materiais no ambiente marinho, que libera compostos químicos prejudiciais aos organismos.
Consequências para a biodiversidade marinha
O impacto das fibras têxteis nos embriões de ouriços-do-mar reforça a necessidade de um olhar mais atento sobre esse tipo de poluição. Segundo os pesquisadores, o desenvolvimento embrionário desses organismos é um indicador da saúde dos ecossistemas marinhos. Alterações nesse processo podem afetar diretamente a cadeia alimentar, causando desequilíbrios ecológicos e impactando a reprodução de diversas espécies.
“Se os organismos marinhos não conseguem se desenvolver corretamente devido à contaminação por microfibras, estamos lidando com um problema ambiental de grandes proporções”, destaca o professor Rodrigo Brasil Choueri (Unifesp), coautor do estudo. “Essas partículas são invisíveis a olho nu, mas seus efeitos podem ser devastadores para os oceanos”.
Soluções e medidas preventivas
Diante dos riscos associados às fibras têxteis, os pesquisadores defendem a adoção de estratégias para monitorar e reduzir sua presença no meio ambiente. Algumas das soluções incluem:
● Desenvolvimento de filtros para máquinas de lavar capazes de capturar microfibras antes que cheguem aos sistemas de esgoto.
● Uso de materiais menos poluentes na fabricação de roupas, priorizando tecidos que liberam menos partículas durante o uso e a lavagem.
● Criação de políticas públicas e programas de monitoramento ambiental para mapear e reduzir a contaminação por fibras têxteis.
● Educação ambiental e conscientização da população sobre o impacto das roupas no oceano e formas de consumo mais sustentáveis.
“A solução passa por inovações tecnológicas, mudanças de comportamento e estabelecimento de políticas públicas para compreender e mitigar o problema”, explica o professor Rodrigo. “Escolher roupas feitas de materiais sustentáveis, reduzir a frequência de lavagens quando possível e utilizar dispositivos que filtram microfibras são pequenas ações que podem ter um grande impacto na preservação dos oceanos; além disso, a indústria do fast-fashion e o poder público também desempenham papel fundamental nesse processo”.
Um alerta para a indústria da moda
O estudo da Unifesp reforça a necessidade de repensar os modelos de produção da indústria têxtil, um dos setores que mais geram resíduos no mundo. As descobertas apontam para a urgência de desenvolver tecidos e processos produtivos que minimizem a liberação de microfibras, além de incentivar pesquisas sobre métodos eficazes para mitigar esse tipo de poluição.
Com o avanço das pesquisas, os cientistas esperam que mais países adotem regulamentações para monitorar e reduzir o impacto das fibras têxteis no meio ambiente. Até lá, cabe a cada consumidor fazer escolhas mais sustentáveis e pressionar as empresas por maior responsabilidade ambiental.
O artigo completo pode ser acessado na revista Toxics pelo link: https://www.mdpi.com/2305-6304/12/10/753#.